Será que existe algum ponto da Terra onde se possa obter, de um golpe de vista, uma perspectiva integrada e panorâmica de todas as Eras Geológicas pelas quais passou nosso planeta? Um retrato que tem circulado bastante nas redes sociais propõe essa visão privilegiada. Trata-se de uma foto de um conjunto rochoso situado em pleno oceano, onde é possível observar diferentes camadas de rochas sobrepostas. Na fotografia que se popularizou no mundo digital, uma legenda aposta à imagem associa cada camada a uma era geológica diferente. As camadas mais inferiores são relacionadas à Era Arqueozoica (que se iniciou aproximadamente quatro bilhões de anos atrás) e a superior, à Era Cenozoica (que começou há cerca de 66 milhões de anos e se estende até hoje). Mas, nestes tempos de explosão de fake news, cabe perguntar se essa informação está realmente correta – e até se esse conjunto rochoso corresponde a um local real, ou se é apenas mais uma imagem adulterada que está sendo compartilhada por pessoas bem-intencionadas, mas ingênuas.
A resposta tem duas partes. Sim, a imagem é real. Ela mostra Dun Briste, um conjunto rochoso de 45 metros de altura situado no litoral da Irlanda. Mas “Dun Briste pertence a um único período geológico”, diz Alexandre Perinotto, geólogo e Professor Titular do curso de Geologia, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp em Rio Claro. O período em questão é o Carbonífero, da Era Paleozoica, iniciado há aproximadamente 359 milhões de anos.
O nome Dun Briste vem do termo Dunbriste, que significa “forte destruído” numa livre tradução do idioma gaélico. Fica no litoral noroeste da Irlanda (North Mayo), a cerca de 80 metros da costa, e corresponde a uma parte da Formação Downpatrick. Esta unidade geológico-estratigráfica é composta por diferentes camadas de rochas sedimentares dispostas em acamamento plano- paralelo horizontal. De acordo com Perinotto, essas rochas podem ter se formado a partir de um processo de sedimentação que, pela imagem, parece ser compatível com a do tipo deltaica. No passado, a região abrigava rios que formavam um delta. As águas destes rios transportavam sedimentos. Ao longo dos milhões de anos, a região passou por subsidência, em que essas camadas foram soterradas. Com o tempo, devido à compactação e à cimentação, os sedimentos trazidos pelos rios se transformaram em rochas sedimentares. “Com o passar dos milhões de anos, essa região, que um dia recebeu sedimentos, exibe hoje essas camadas de rochas sedimentares que ascenderam à superfície e se transformaram nessa belíssima exposição rochosa, parcialmente erodida e isolada pelo atual oceano”, diz o geólogo.
Dun Briste já estave ligado à ilha da Irlanda, formando extensas camadas. Porém, sob a ação das forças dinâmicas do oceano, determinadas fraturas que existiam nas rochas fizeram com que correntes, ondas e marés erodissem e isolassem o bloco. Perinotto explica que há diversas formações rochosas encontradas na forma de blocos que, por processos semelhantes, hoje se encontram isolados do continente. Dun Briste, porém, chama a atenção pela horizontalidade e, principalmente, pela variação bem contrastante das camadas.
A União Internacional das Ciências Geológicas (International Union of Geological Sciences – IUGS) é uma organização que reúne pesquisadores do campo das Ciências da Terra, com mais de um milhão de associados. Entre as diversas comissões científicas que operam em seu âmbito, cabe à Comissão de Estratigrafia a responsabilidade pela confecção, e constante atualização, da tabela do tempo geológico, com os limites entre um período geológico e outro estabelecidos com padrão internacional. A divisão do tempo geológico é feita em Éons, que são divididos em Eras, e estas em Períodos.
A imagem que tem circulado na internet apresenta uma tabela de distribuição do tempo sobreposta à imagem do bloco rochoso. Esta tabela está correta, reproduzindo os parâmetros de tempo geológico estabelecidos pela IUGS. Porém, usá-la como chave interpretativa para as camadas que são visíveis em Dun Briste transmite informações incorretas. “Nenhum ponto do planeta condensa, em um único bloco, toda a história da Terra. Isso não existe em lugar algum”, diz Perinotto.
O geólogo alerta sobre o problema de compartilhar imagens inverídicas, mesmo por ingenuidade: “O ideal é que, se você não tem certeza da exatidão daquilo que está postando, não poste. Procure uma fonte fidedigna, converse com alguém da área, pergunte a opinião de especialistas”. diz. E reforça o papel da Universidade em ajudar a separar o que é fato e o que é ficção no oceano de informações que varre nossas telas todos os dias. “Acho que uma das funções do cientista é ser um pontífice, que literalmente significa ‘aquele que faz pontes’. Nós, cientistas, temos que ser um pouco pontífices e, sempre que possível, fazer a ponte entre a academia, que gera o conhecimento, e a população, a comunidade.”
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Imagem acima: Deposit Photos