O conflito entre Ucrânia e Rússia está sendo travado no coração da Europa, a mais de 10,5 mil km de distância, mas tem potencial para afetar a economia brasileira de modo importante. Embora o setor agrícola brasileiro receba às vezes o epíteto de “celeiro do mundo”, nossa elevada produtividade depende, fundamentalmente, do emprego de fertilizantes. Isso decorre do fato de que embora o Brasil conte com aspectos vantajosos, como a extensa área de plantio e o clima predominantemente tropical, nosso solo é tido como pobre em nutrientes para as necessidades das commodities mais produzidas no país, como soja, milho ou a cana-de-açúcar. Essa escassez de nutrientes é compensada pelo emprego de fertilizantes. A Rússia está entre os cinco principais produtores de fertilizantes no mundo hoje, e tem no Brasil um de seus principais clientes.
Apenas no último ano, o Brasil consumiu mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes. De acordo com o Comex Stat, uma ferramenta do Ministério da Economia que fornece informações sobre o comércio exterior brasileiro, 25% dessas importações vieram da Rússia: no total foram US$ 3,5 bi, um aumento de 97% em relação a 2020. Na pauta total de produtos que o Brasil importa da Rússia, os adubos e fertilizantes químicos representaram 62%.
Em geral, as empresas que operam no Brasil importam compostos pertencentes ao grupo NPK, letras que identificam os elementos químicos nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K). Ao adquirir os fertilizantes nitrogenados, fosfóricos e potássicos, as empresas posteriormente elaboram fórmulas do NPK, balanceando cada produto de acordo com as demandas da cultura ou do perfil de solo em que será feito o cultivo.
A Rússia é a segunda maior produtora dos fertilizantes potássicos, o tipo mais aplicado nas lavouras brasileiras. Uma interrupção do fornecimento do insumo, seja pela imposição de embargos ou pela própria dinâmica do conflito, portanto, deve ter consequências sérias para o agronegócio brasileiro.
Engenheiro agrônomo e professor da Unesp no câmpus de Registro, Leandro Godoy explica que este é um período de colheita das principais culturas, mas que à medida que os produtores se preparam para o plantio da próxima safra, por volta de setembro, a demanda por fertilizantes deve aumentar. “Uma paralisação ou redução de fornecimento vai impactar e elevar ainda mais os custos que já eram altos. Nunca tivemos valores tão altos nos preços dos fertilizantes”, explica Godoy. De fato, a alta nos preços dos fertilizantes já era motivo de preocupação no final do ano passado, em virtude de um conjunto de razões como embargos aplicados à Belarus, mudanças nas políticas de exportação por parte da China (dois outros grandes produtores mundiais) ou o preço do frete marítimo.
Líder do Grupo de Estudo em Nutrição, Adubação e Fertilidade do Solo (GENAFERT), o professor Thiago Nogueira afirma que essa crise já estava no radar do agronegócio. Porém, falhamos em adotar políticas públicas que seriam capazes de promover a diminuição da dependência externa, como o incentivo à exploração de minas e ao desenvolvimento de novas fábricas. “Estávamos em uma situação muito cômoda. Ainda que os preços dos fertilizantes estivessem altos, era um produto de boa qualidade e as safras estavam batendo recordes”, afirma.
Uma opção a curto prazo para minimizar os efeitos da guerra, afirma Thiago Nogueira, é buscar novos parceiros comerciais para diversificar a importação, como o Canadá, que é o maior produtor do mundo, ou Alemanha. “O grande problema neste caso é o volume da nossa demanda. Somos um país continental produzindo em quantidades nunca vistas anteriormente”, afirma, referindo-se à sequência de recordes de produção das safras brasileiras.
Alternativa de origem orgânica
Outros caminhos para reduzir a dependência de fertilizantes importados envolvem o desenvolvimento da pesquisa com foco na busca por fontes alternativas que possam complementar ou reduzir a adubação mineral. Esta é uma das áreas de pesquisa do grupo liderado pelo professor do câmpus de Ilha Solteira. Nesta linha, o grupo vem estudando a obtenção de adubos orgânicos a partir da compostagem do lodo proveniente do tratamento do esgoto.
A compostagem desse tipo de resíduo já havia sido objeto de estudo do professor Roberto Lyra Villas Boas, do câmpus da Unesp em Botucatu, com financiamento da Fapesp e da Sabesp, no âmbito do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
Nesse tipo de processo de compostagem, a mistura do lodo com fontes de carbono como cascas de eucalipto, bagaço de cana-de-açúcar e cascas de arroz é disposta em diferentes baias, nas quais se cria um ambiente propício para o desenvolvimento de microorganismos decompositores. A atividade desses microrganismos acarreta no aumento da temperatura da mistura que alcança em torno de 70o C. Esse aumento da temperatura é capaz de eliminar possíveis organismos patogênicos.
Ao longo dos experimentos, o produto desta compostagem também foi submetido a diferentes testes de aplicação, tendo sido empregado na composição de substratos para germinação de sementes florestais e aproveitado como adubo para a cultura do milho e de espécies ornamentais. Os resultados foram promissores. Agora, o grupo do professor Thiago Nogueira está investigando o uso desse material como fonte orgânica de nutrientes para o solo do Cerrado, em culturas de milho e soja.
Ganhos com a soja
As pesquisas desenvolvidas durante o projeto de mestrado da aluna Adrielle Rodrigues Prates, que contaram com apoio da Fapesp, têm buscado determinar quais podem ser as melhores práticas de manejo do composto na lavoura. Isso envolve variáveis como a dose mais adequada a ser aplicada, a periodicidade do uso, o mecanismo mais apropriado de aplicação, a necessidade ou não de se incorporar algum outro elemento e a identificação das culturas que respondem melhor à aplicação do nutriente.
Alguns resultados destes experimentos foram publicados no final de 2020 na revista Agronomy. Os dados apontaram que a aplicação do lodo proveniente do tratamento de esgoto aumentou a concentração de micronutrientes no solo e nas folhas, bem como elevou em 67% a produtividade da soja, em comparação com a média brasileira.
Aposta na eficiência para reduzir a quantidade
Para Thiago Nogueira, os resultados mostram a eficiência do uso do fertilizante orgânico como alternativa ao fertilizante mineral e seu potencial para colaborar na redução da dependência deste insumo. “É importante que se realizem mais pesquisas para entender o comportamento dessas fontes orgânicas de nutrientes, uma vez que são geradas em larga escala e tornam-se um passivo ambiental que muitas vezes acaba indo para os aterros”, afirma.
Por vezes, a estratégia para diminuir a dependência internacional de fertilizantes está mais próxima do que parece. Leandro Godoy, por exemplo, dedica boa parte de suas pesquisas a aumentar a eficiência na aplicação desses insumos e, dessa forma, gerar economia para o produtor. “Temos desenvolvido pesquisas e metodologias em torno do que chamamos de Quatro Pilares: a quantidade correta, o momento de aplicação, o tipo de fertilizante e a forma como aplicar”, explica o docente do câmpus de Registro. “Se aumentarmos essa eficiência, será possível usarmos quantidade menor de fertilizantes, diminuímos os custos para o produtor e reduzimos a dependência da importação.”