Artigo propõe nova hipótese para origem das luas Galileanas

Estudo mira em problema secular, e consegue explicar características dos quatro maiores satélites de Júpiter adaptando conceitos usados para análise de formação de planetas.

Dentre os mais de 70 satélites que seguem obedientemente Júpiter em sua jornada ao redor do Sol, quatro possuem um especial valor para os amantes e historiadores da astronomia. Io, Europa, Ganimedes e Calisto são as quatro maiores luas jupiterianas, e foram descobertas por Galileu Galilei em 1610 naquelas que foram algumas das primeiras observações do Cosmos pelas lentes de um telescópio. Porém, embora as chamadas luas Galileanas estejam entre os objetos astronômicos mais bem conhecidos, o processo pelo qual elas se formaram ainda suscita debates profundos na comunidade astronômica. Agora, um artigo publicado por pesquisadores da Unesp, no câmpus de Guaratinguetá, apresenta um novo modelo para explicar seu surgimento.

A pesquisa de Gustavo Madeira, que é aluno de doutorado no Programa de Pós-graduação em Física da Faculdade de Engenharia da Unesp em Guaratinguetá, sugere que a formação dos satélites de Júpiter se deu simultaneamente à do próprio planeta a partir de detritos de corpos rochosos chamados planetesimais. Os planetesimais são objetos que, juntamente com gás e outros detritos, orbitam estrelas ou planetas durante seu período de formação. O modelo de Madeira sugere que, ao entrarem na região de influência gravitacional do planeta, estes planetesimais teriam se fragmentado. “Os fragmentos por sua vez formaram uma espécie de chuva de pedrinhas que acabou sendo absorvida pela superfície dos satélites”, explica o pesquisador. Esse modelo de formação é o que os astrônomos chamam de acreção.

A ideia de que os que os planetesimais são um ingrediente importante para explicar a formação dos planetas no início do Sistema Solar já está bem consolidada junto à comunidade de pesquisa das ciências planetárias. Essa proposição, entretanto, não é tão comum quando se debate a formação dos satélites desses planetas. Esse é um dos diferenciais do artigo escrito por Gustavo e publicado pela tradicional revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Segundo a orientadora de Madeira, a astrônoma Silvia Maria Giuliatti Winter, o estudo exigiu esforços no sentido de adaptar para o contexto dos satélites as modelagens matemáticas até então voltadas para estudar a formação dos planetas, e posteriormente proceder à coleta e adequação desses dados. Para levar a cabo esta etapa, Gustavo contou com o apoio do pesquisador André Izidoro, membro do grupo de pesquisa que é especialista na formação de planetas, e que também assina o artigo.

Montagem mostra as Luas Galileanas junto a Júpiter. Crédito: NASA/JPL/DLR – NASA planetary photojournal

“O Gustavo foi muito feliz no processo de trazer a teoria e os mecanismos da formação planetária para a formação dos satélites”, diz Silvia. Após o tratamento prévio dos dados, a etapa seguinte envolveu a execução de simulações dos modelos em software específicos e em computadores de alta capacidade de processamento.

A pesquisadora destaca que ainda não existem teorias completamente fechadas para diversos tópicos das Ciências Planetárias , e que a existência de diferentes propostas é normal na área. Para a professora do Departamento de Matemática da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (FEG) da Unesp, os estudos sobre os satélites de Júpiter ampliam o conhecimento sobre a formação dos corpos celestes e colaboram para o entendimento de outros sistemas planetários, posteriormente.

Descompasso de Calisto se deveria a efeito de maré

Outro aspecto ainda pouco compreendido das luas de Júpiter descobertas por Galileu diz respeito à sincronia entre suas órbitas. Enquanto as três luas mais internas Io, Europa e Ganimedes obedecem a uma ressonância orbital 4:2:1 (ou seja, a cada quatro órbitas de Io em torno de Júpiter, Europa completa duas, e Ganimedes uma), Calisto não segue a sincronia dos demais satélites galileanos.

“O que a gente propõe no artigo é que foi o efeito de maré presente neste satélite o responsável por quebrar essa ressonância em Calisto”, explica Gustavo. “Depois da publicação do nosso trabalho, um artigo escrito por pesquisadores franceses a partir de dados observacionais trouxe evidências físicas sobre esse modelo mais atual da teoria de maré”.

O estudo sobre a formação dos satélites abriu portas para o doutorando. Bolsista da Fapesp, Gustavo está de malas prontas para um estágio no Instituto de Física Global de Paris. Na França, ele será supervisionado pelo pesquisador Sebastian Charnoz, onde vai colaborar no desenvolvimento de um aparelho que irá colher amostras do solo de Fobos, um dos satélites de Marte. O aparelho será incorporado à sonda Martian Moons Exploration (MMX), que será enviada ao planeta vermelho em 2024, pela Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA).

Na foto acima, as luas Galileanas Io, Ganimedes e Calisto vistas com Júpiter ao fundo. Crédito: NASA, ESA, e E. Karkoschka (Universidade do Arizona)