Pesquisa conduzida pelo Centro de Aquicultura da Unesp (Caunesp) atacou um problema crucial para a produção sustentável na aquicultura: a gestão dos resíduos sólidos que são gerados por essa atividade. A tese, produzida pelo doutorando Ivã Guidini Lopes recebeu uma menção honrosa no prêmio CAPES de Teses de 2021, na área de Zootecnia/Recursos Pesqueiros.
Em sua tese, Lopes analisou diferentes formas de compostagem de restos de peixes em leiras e diversas metodologias de manejo, bem como a inclusão de novas tecnologias, como o uso de larvas de mosca soldado-negro. Além da publicação de artigos científicos, o projeto gerou uma cartilha voltada a pequenos e médios produtores orientando sobre como realizar a compostagem para produzir um adubo natural de alto valor, para ser aplicado em plantas.
O desenvolvimento da tese ao longo dos úlltimos quatro anos colaborou ainda para que o Caunesp desenvolvesse um processo capaz de compostar integralmente as 2,5 toneladas de resíduos sólidos produzido anualmente pelo centro, permitindo uma destinação ambientalmente correta para o material. “Desde o seu início, o projeto de pesquisa foi pensado de forma que a gente pudesse fazer a pesquisa científica hoje e aplicá-la na prática amanhã”, afirmou Ivã Guidini Lopes.
O pesquisador explica que a aquicultura é uma produção com grande produção de resíduos, que vão desde animais mortos durante a produção até carcaças de partes não aproveitadas do animal. Na produção de um filé de tilápia, uma das principais no país, explica Ivã, apenas 30% do animal é aproveitado, aproximadamente. “Grandes produtores podem até transformar parte desse resíduo em farinha para aração, mas isso exige um investimento que o pequeno produtor não pode arcar”, lembra.
De acordo com um artigo publicado este ano por pesquisadores do próprio Caunesp, cerca de 80% da produção no Brasil é familiar e realizada em propriedades com menos de 2 hectares, o que permite que sejam caracterizadas como pequenas. “Eu perdi a conta de quantos pequenos e médios produtores dos que visitei durante o doutorado simplesmente jogavam os peixes mortos e resíduos de volta na água ou enterravam na propriedade”, conta Lopes. Ambas as soluções contrariam a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e podem causar sérios impactos ambientais e perdas na produção.
Da carcaça ao adubo
Pode-se definir compostagem como a aplicação de um conjunto de técnicas para promover a decomposição de resíduos orgânicos por microorganismos, obtendo assim um composto final rico em nutrientes. Parte da pesquisa de Lopes procurou detalhar e aprimorar o manejo destes resíduos, observando, por exemplo, qual seria a quantidade ótima de restos de peixe a serem colocados na leiras, qual o melhor substrato vegetal para acompanhar estes resíduos nas leiras, a periodicidade necessária para o revolvimento deste material, a medição da temperatura e do tempo de decomposição, o tamanho da área em que esse material será depositado e como esse espaço deve ser construído, entre outros aspectos.
Além de um artigo científico, esse desenvolvimento das técnicas de manejo da compostagem termofílica produziu uma cartilha com informações simples e acessíveis voltada a pequenos e médios produtores. O material, intitulado “Compostagem, aquicultura e agricultura”, recebeu apoio da Fapesp dentro do projeto Conexão Mata Atlântica, ao contribuir para a promoção da melhoria de solos degradados e promoção de sistemas de produção sustentáveis.
A pesquisadora Rose Meire Vidotti, orientadora do projeto, explica que o a compostagem exige do produtor a aplicação de pouco recurso e dedicação. “Por outro lado, o resultado é um produto de alto valor agregado e muito bem aceito no mercado de plantas ornamentais, por exemplo, por produzir um adubo rico em nutrientes, podendo gerar renda extra ao piscicultor”, afirma a pesquisadora, que estuda a gestão de resíduos desde meados dos anos 80.
Os resultados do estudo apontam que a presença de restos de animais aquáticos na compostagem aumenta a disponibilidade de nitrogênio, um macronutriente fundamental para o bom desenvlvimento das plantas, o que contribui para um adubo final de excelente qualidade. Atualmente, toda o adubo gerado no Caunesp é vendido em uma loja de produtos agrícolas de Jaboticabal por quase quatro reais o quilo.
A avaliação das características fisico-químicas do composto foi realizada com a colaboração da professora Maria Cristina Pessoa da Cruz, docente da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), do câmpus de Jaboticabal, e especialista em ciências do solo. “Analisamos, ao final do processo, o que o composto tinha de nitrogênio, fósforo, potássio, carbono e magnésio. Além disso, aplicamos esse composto no solo e estudamos a liberação de nutrientes ao longo de 210 dias, obtendo excelentes resultados”, afirma.
Larvas trabalhadoras
Quando se fala em compostagem, existem diversas formas de se decompor os resíduos. O processo mencionado acima se chama termofílico (porque o composto pode atingir temperaturas de até 70 graus). As composteiras domésticas, por exemplo, contam com a ajuda de minhocas para decompor o resíduo, em um processo chamado vermicompostagem.
Em um outra frente de trabalho do doutorado, Ivã testou uma nova técnica para decompor os resíduos produzidos pela aquicultura em que foram adicionadas ao processo larvas de mosca soldado negro (Hermetia illucens). A ideia é que as larvas ajudem os microorganismos no processo de decomposição ao se alimentarem dos resíduos, mais ou menos como as minhocas fazem na terra. A técnica foi desenvolvida durante um estágio sanduíche realizado com recursos da Capes na Suécia.
Embora seja mais trabalhosa que a compostagem termofílica descrita nas cartilhas, o pesquisador do Caunesp explica que o uso de larvas dessa espécie vem ganhando atenção na última década por duas razões principais. A primeira é a velocidade com que elas decompõem a matéria orgânica. “Uma quantidade de resíduo que as minhocas levam 90 dias para gerir, as larvas da mosca soldado-negro levam de 12 a 14 dias, no máximo”, destaca. Além disso, a biomassa dessas larvas, que é rica em lipídios e proteínas, pode substituir ingredientes proteicos em rações animais, como a farinha de peixe ou de soja, gerando mais uma possível fonte de renda.
Os estudos constataram que a inclusão de pequenas quantidades de resíduos da aquicultura adicionados ao susbtrato em que ocorre a sua decomposição geram larvas com mais biomassa e maior conteúdo proteico, além de um composto mais nutritivo para as plantas.
Atualmente, Ivã está em Portugal, onde foi contratado por uma empresa especializada em gestão de resíduos. Se durante o doutorado boa parte de seus esforços tiveram como objetivo gerar renda a partir de restos da aquicultura, hoje a gestão de resíduos tornou-se uma oportunidade de carreira.
Imagem acima: Composto a base de resíduos de pescado.