Dois jornalistas residentes em países de regimes autoritários foram escolhidos para o prêmio Nobel da Paz de 2021, em anúncio divulgado nesta sexta-feira, dia 8. Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia, foram escolhidos pelo Comitê Nobel Norueguês, encarregado da escolha do Nobel da Paz.
Na divulgação dos vencedores, o Comitê destacou os esforços dos dois jornalistas em “salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma condição prévia para a democracia e a paz duradoura”. A dupla, escolhida entre 329 indicados, vai dividir um prêmio no valor de 10 milhões de coroas suecas, aproximadamente R$ 6 milhões.
Para o professor de jornalismo Juarez Xavier, a premiação à dupla é importante tendo em vista o papel que jornalistas em todo o mundo têm desempenhado em defesa da democracia, do estado democrático de direito, das liberdades e diversidades, sobretudo após 2008, com a ascensão de discursos de extrema direita em processos eleitorais em diversos países do mundo. Não à toa, ambos os premiados coordenam veículos de imprensa críticos aos governos de seus países e vem pagando um alto preço por isso.
Maria Ressa está à frente do Reppler, um veículo digital de jornalismo investigativo que vem denunciando o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo nas Filipinas sob o regime de Rodrigo Duterte. Em 2020, a jornalista foi condenada por calúnia, em um caso que levantou questionamentos sobre a liberdade de expressão da mídia no país.
Dmitry Muratov, por sua vez, é desde 1993 o editor do Novaya Gazeta, um dos poucos jornais restantes na Rússia que ainda mantém uma postura crítica ao governo de Vladimir Putin. Desde o ano 2000, o veículo teve seis jornalistas e colaboradores assassinados, O anúncio do Nobel, diga-se, veio no dia seguinte ao aniversário de 15 anos do assassinato da repórter Anna Politkovskaya, a quem Muratov dedicou o prêmio.
“Esse discurso de extrema direita exigiu dos jornalistas um papel decisivo em defesa dos valores democráticos. Em especial no período da pandemia, quando esses profissionais estiveram na linha de frente na denúncia do discurso negacionismo e na defesa da ciência”, explica Xavier, que é membro do grupo de pesquisadores da Cátedra Otávio Frias Filho de Estudos em Comunicação, Democracia e Diversidade, no Instituto de Estudos Avançados (IEA), da USP.
Na mesma linha, a professora Cláudia Maria de Lima vê a premiação como um espaço de reconhecimento do jornalismo como espaço de luta pela democracia, os Direitos Humanos e também a paz. Pesquisadora que atua na área de tecnologia, desinformação e educação, Cláudia diz que o Nobel pode ajudar no fortalecimento da informação da imprensa profissional. “São jornalistas que usam os espaços profissionais para serem uma voz discordante das posições políticas colocadas por países totalitários”, afirma a docente, que também é Ouvidora da Unesp.
No anúncio do prêmio na manhã desta sexta-feira, o Comitê reforçou a ideia que o jornalismo livre, independente e baseado em fatos serve para proteger a sociedade contra abusos de poder, mentiras e propaganda de guerra. “Sem liberdade de expressão e liberdade de imprensa, será difícil promover com sucesso a fraternidade entre as nações, o desarmamento e uma ordem mundial melhor para ter sucesso em nosso tempo”, registrou a nota.
Ao passo que discursos negacionistas e ascensões autoritárias colocaram os jornalistas em um importante papel na defesa de valores democráticos, eles também os tornaram esses profissionais objeto de tentativas de intimidação e agressões. A biografia dos dois vencedores do Nobel fala por si, mas a realidade não é diferente no Brasil.
No início deste ano, um levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), apontou um aumento de mais de 100% na violência física contra esses profissionais. Na avaliação da entidade, o crescimento está diretamente ligado ao bolsonarismo, versão brasileira do movimento de ascensão global da extrema-direita, centrado na figura do presidente Jair Bolsonaro.
Neste cenário, Juarez Xavier entende que o prêmio Nobel concedido a Maria Ressa e Dmitry Muratov se estende aos demais profissionais jornalistas. “Todos nós, jornalistas, nos um pouco premiados e recompensados nos esforços feitos pelo mundo em defesa de valores importantes para a democracia e para os marcos civilizatórios do século XXI”.