Desenvolvedores de ferramenta para construção de moléculas levam o Prêmio Nobel de Química de 2021

Desenvolvimento da organocatálise assimétrica reduziu uso de insumos tóxicos e simplificou processo de produção de diversas substâncias

O escocês David MacMillan e o alemão Benjamin List foram os vencedores do prêmio Nobel de Química de 2021, conferido pela Real Academia da Suécia. Os dois foram selecionados por seu trabalho no desenvolvimento da organocatálise assimétrica. List atualmente é diretor do Instituto Max Planck para Pesquisa em Carvão, na Alemanha, além de coordenar seu próprio grupo de pesquisas. MacMillan é docente na Universidade Princeton, nos EUA. Os dois químicos vão compartilhar o prêmio em dinheiro, de cerca de US$ 1 milhão, em parte iguais.

Os catalisadores são substâncias que tem a propriedade de acelerar a ocorrência de reações químicas. Até o início dos anos 2000, conhecia-se duas classes  de moléculas que podiam agir como catalisadoras, os metais e as enzimas. Trabalhando de forma paralela e independente List e MacMillan conseguiram mostrar que certas moléculas orgânicas também tinham a capacidade de desempenhar este papel. A descoberta abriu um vasto leque de novas possibilidades, tanto para a pesquisa quanto para a indústria, e permitiu um avanço importante no quesito sustentabilidade.

Estima-se que hoje 35% do PIB mundial está ligado a produtos cuja fabricação envolve processos de catálise.

List  analisou uma substância já bastante conhecida, um aminoácido denominado prolina, e MacMillan investigou as propriedades de uma substância de nome imidazolidinona. “O grande salto que o trabalho deles deu foi constatar que moléculas que já eram conhecidas, e que eram simples, baratas e mais fáceis de se trabalhar do que as enzimas, também podiam acelerar a velocidade de ocorrência uma reação”, explica a professora do Instituto de Química do câmpus de Araraquara da Unesp, Cíntia Milagre. List e MacMillan já estiveram no Brasil participando de eventos acadêmicos.

Benjamin List
David MacMillan

Cíntia Milagre destaca dois impactos importantes causados pelo desenvolvimento do campo da organocatálise. O primeiro foi a possibilidade de empregá-los no lugar de catalisadores metálicos como o cobre, a platina ou o paládio, que são tóxicos.  O uso deste tipo de substâncias por parte da indústria em geral resultava na produção de resíduos tóxicos.  No caso da indústria farmacêutica, havia a necessidade de processos intensos para purificar os insumos, a fim de evitar que os componentes tóxicos chegassem até o produto final. 

O segundo tem a ver com a assimetria entre as moléculas. Algumas moléculas formam estruturas ”espelhadas”; para se ter uma ideia deste conceito, basta dar uma olhada em nossas mãos, onde a estrutura de uma parece reproduzir a outra refletida, como se fosse vista em um espelho. Porém, elas não tem necessariamente as mesmas propriedades: só a mão esquerda consegue entrar na luva esquerda, por exemplo.

As reações químicas também podem levar à formação de moléculas com estruturas espelhadas. No caso da organocatálise, porém, o resultado final é a geração de uma das estruturas numa proporção muito maior do que a da outra. Na prática, a descoberta aperfeiçoou bastante as ferramentas disponíveis para o processo de produção de moléculas.

“Esse processo facilita a tarefa de sintetizar a molécula apenas no formato que realmente é interessante. Isso aumenta a eficiência, diminui o gasto de energia, de tempo e de material”, explica Cíntia. “E ainda há o ganho ambiental, na forma de menos resíduos tóxicos e do abandono de materiais que não são renováveis, como os metais.”

Um exemplo prático do impacto dos organocatalisadores sobre esta indústria é o do medicamento Tamiflu, usado no tratamento de gripe causada pelo vírus Influenza. Antes que esta técnica de desenvolvesse, eram necessárias nada menos do que 12 etapas para se proceder a síntese do medicamento. Com os organocatalisadores, caiu para cinco. Estima-se que em 2025 os negócios envolvendo a molécula ativa do Tamiflu alcancem a casa dos US$ 694 milhões.

“A escolha desses dois para receber o prêmio foi uma surpresa”, diz Cíntia. “A mensagem que fica é um estímulo aos químicos para que invistam na procura de metodologias que sejam mais simples e sustentáveis. Isso facilita sua adoção em escalas mais amplas, como nas indústrias.”