Entre 145 milhões e 100,5 milhões de anos atrás, durante o período Cretáceo, os céus do Brasil eram cortados por uma estranha linhagem de animais voadores chamados de tapejarídeos. Os tapejarídeos eram desdentados e se caracterizavam por uma gigantesca crista que adornava sua cabeça. Além do Brasil, onde foram inicialmente descritos, fósseis desses animais foram encontrados em países como China, Espanha e Marrocos. Agora, uma equipe de pesquisadores brasileiros e portugueses, da qual faz parte um professor da Unesp, anunciou a descoberta do fóssil de tapejarídeo mais bem preservado encontrado até hoje, oriunda da região da Chapada do Araripe, no Nordeste. O artigo com a análise do material foi publicado na nova edição da prestigiada revista científica Plos One.
Graças à realização de exames de tomografia, foi possível investigar até o material que estava enterrado no sedimento. O fóssil recém-descrito tem 2,5 m de envergadura e uma crista de 0,5 m de altura no topo da cabeça. As análises sugerem que ele pertence a uma espécie já conhecida, o Tupandactylus navigans. “Porém, os fósseis desta espécie descobertos anteriormente haviam preservado basicamente apenas a cabeça do espécime”, explica o biólogo Ivan Nunes Silva Filho, professor do câmpus da Unesp no Litoral Paulista. “Esta é a primeira vez que foi encontrado um fóssil quase completo do corpo de um destes animais para investigar na América do Sul”, explica. “Até mesmo parte dos tecidos moles foi preservada pelo processo de fossilização, o que é algo extremamente raro”, diz Fabiana Rodrigues Costa, professora da Universidade Federal do ABC que coordenou o estudo. “Graças a materiais como esse, o Brasil é capaz de fazer contribuições bastante relevantes no campo da paleontologia”, pondera.
Curiosamente, não se sabe ao certo quem foi o autor da descoberta. O fóssil do Tupandactylus navigans foi uma entre quase três mil peças que a Polícia Federal interceptou em Santos em 2014. Elas são normalmente contrabandeadas para a Europa, os EUA e outros países do Hemisféro Norte. A PF propôs um acordo à USP pelo qual a universidade ficaria como guardiã do material, armazenado no Instituto de Geociências, com o compromisso de realizar estudos. O paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, do Instituto de Geociências, indicou um de seus alunos, Victor Beccari, como pesquisador principal para o estudo do novo fóssil. Como Beccari ainda estava na graduação, outros cientistas se integraram ao projeto. Silva Filho contribuiu com sua expertise no campo da análise sistemática.
As técnicas de análise sistemática procuram determinar qual o grau de parentesco que uma espécie pode apresentar com outras, com base na sua ancestralidade. “Não basta inferir que, porque duas espécies apresentam características semelhantes, elas necessariamente são aparentadas”, explica o professor da Unesp. Ele ensinou a Beccari os fundamentos da técnica, e depois participou das análises. Nesta etapa, foram medidos 150 caracteres, incluindo aspectos como formato das falanges dos dedos, envergadura das asas, proporções entre membros do corpo etc. O estudo da morfologia sugere que, embora fosse capaz de planar, o animal não devia ser muito bom em se deslocar pelo céu; o mais provável é que passasse a maior parte do tempo se alimentando em terra.
“Mas uma questão que foi levantada por outros cientistas é que talvez o fóssil possa pertencer a outra espécie, o Tupandactylus imperator, mas apresentasse variações ligadas ao dimorfismo sexual”, diz Silva Filho. No artigo, porém, esta possibilidade não chega a ser problematizada. “A descoberta também renova a discussão sobre tráfico de fósseis e a necessidade do combate ao comércio ilegal destas joias científicas”, pondera o primeiro autor do artigo, Victor Beccari.
Foto acima: ilustração de como seria o Tupandactylus navigans/Divulgação