A educação superior transformando vidas

De escola pública, ex-aluno da Unesp de São José do Rio Preto desenvolverá estudos de pós-doutorado na Alemanha

O conhecimento em matemática obtido por meio dos trabalhos de mestrado e doutorado, somado às experiências no Laboratório Nacional Argonne (em Chicago), e na Universidade da Califórnia em Los Angeles, foram pontos-chave na aceitação de Marcelo Bongarti para o pós-doutorado no prestigioso Instituto Weierstrass, em Berlim na Alemanha. 

A pesquisa de pós-doutorado tem como objetivo o estudo de Sistemas Dinâmicos por Equações Diferenciais Parciais Não-Lineares. 

Um sistema dinâmico é um modelo matemático que descreve algum fenômeno da natureza. Essencialmente, qualquer coisa que evolui com o tempo pode ser descrita por meio de um sistema dinâmico. Quando se aplicam ferramentas matemáticas no estudo desses sistemas, consegue-se apreender coisas a respeito de sua evolução e, caso necessário, desenvolver técnicas de controle para este sistema. 

Escola pública

Escola Estadual João Baptista Teixeira, em Planalto (SP). Foto: Google Street.

Natural de José Bonifácio (SP), Marcelo foi aluno da rede pública de educação, tendo estudado na Escola Estadual João Baptista Teixeira, em Planalto (SP). Depois que prestou a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), sua vida tomou um rumo bastante diferente de seus colegas que, quase sempre, concluem os estudos e vão abastecer o mercado de trabalho das usinas e olarias do município para contribuir no sustento da família.

“É muito comum você ver alunos da minha época tendo que deixar a escola para trabalhar e depois não conseguirem retomar. No meu caso, eu fui incentivado pelo professor Antonio Carlos Rodrigues que não só acreditou em mim, mas abriu os meus olhos para a possibilidade de ingressar numa universidade pública. Além dos incentivos do professor Antônio está a ação dos meus pais que, embora não tenham nem ensino fundamental completo, reconheceram a importância da educação e nunca deixaram de incentivar os meus estudos”, diz Marcelo. 

Ao contar um pouco da história do ex-aluno, o professor Antonio Carlos, que trabalhava em 2009 na rede pública de educação de Planalto-SP, destaca que Marcelo sentava-se na primeira carteira. “Sempre muito interessado, era nítido o seu desejo em aprender. Ele puxava a fila dos bons alunos. Apesar de toda essa vontade, a falta de condições financeiras, para maioria dos alunos, era o freio que os impedia de sonhar”, recorda. 

Seu ex-colega na faculdade Alex Henrique Alves Honorato, doutorando no Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que Marcelo sempre ajudou as pessoas ao seu redor, para além da Matemática. “Desde a graduação, víamos que seu futuro seria brilhante. Não é estranho ter galgado lugares tão altos, e que ainda continuará dessa maneira. Desejo que ele deixe seu legado da Matemática não só a nós, seus amigos, mas ao mundo todo”.

O caminho para a universidade

O professor de Marcelo no Ensino Médio tinha como método de ensino em sala de aula a produção, leitura e interpretação de diversos textos, numa velocidade para que os alunos pudessem concorrer em condições de igualdade com candidatos de outras escolas na avaliação do ENEM. “Por ocasião das inscrições do vestibular, recebemos na escola o professor Waldemar Donizete Bastos, do Departamento de Matemática do Ibilce, que nos deu uma aula magna sobre programas de financiamento, bolsas de estudos e alojamentos. O clima mudou na escola, os olhos dos alunos brilhavam. Era a chance que tanto precisavam”, afirma Antonio Carlos Rodrigues. 

Chegado o momento de prestar um vestibular como treineiros, os alunos do professor Antonio Carlos começaram a entender o motivo das aulas de leitura. Os próprios alunos identificaram que não conseguiam ler 200 palavras por minuto, algo necessário para as quatro horas e meia de Enem. 

No momento da escolha de qual carreira seguir, Marcelo ficou na dúvida entre Letras e Matemática. Contudo, a ciência exata falou mais forte. Ingressou no curso de licenciatura em Matemática na Unesp de São José do Rio Preto, e logo em seu primeiro estágio, em Matemática Pura, teve como tópico principal o uso de tecnologia como o Geogebra no ensino de Matemática. Passou pelo estágio de iniciação científica estudando a temática da Teoria da Medida e Integração. 

Iniciação, mestrado e doutorado

O segundo período de estágio na universidade rendeu-lhe, em 2015, um certificado de menção honrosa em uma das Jornadas de Iniciação Científica organizadas pelo Impa (Instituto de Matemática Aplicada). Uma versão do trabalho foi publicada em 2020 pela Revista Matemática Universitária, em coautoria com seu orientador no mestrado, German Lozada Cruz, do Departamento de Matemática da Unesp de Rio Preto. 

“Ele me procurou, e dessa conversa nasceu, em 2013, um projeto de Iniciação Científica com bolsa da Fapesp, com o trabalho Teorema do Valor MédioCom os resultados alcançados nesta pesquisa, obteve uma menção honrosa no VII Simpósio Nacional de Jornadas de Iniciação Científica realizado pelo Impa. O que foi uma grata surpresa e motivo de muito orgulho. É uma alegria ver seu progresso e partilhar de sua amizade”, afirma o professor German Lozada. 

A dissertação de mestrado “Domínios de Potências Fracionárias de Operadores Matriciais segundo Lasiecka-Triggiani” foi defendida em março de 2016. Na parte final de seu trabalho de mestrado, foi instigado pelos estudos desenvolvidos pelos pesquisadores Irena Lasiecka e Roberto Triggiani. Mais tarde, ambos seriam seus orientadores no doutorado, quando Marcelo foi aceito no Programa de Doutorado em Matemática do Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Memphis, nos Estados Unidos.

Sistemas hiperbólicos

Com a bagagem de quem trilhou um longo caminho até aqui, o tema central da pesquisa de doutorado é a análise de sistemas de equações diferenciais parciais.  Seu principal interesse de pesquisa são os problemas de estabilização e controle óptimo de sistemas hiperbólicos não-lineares. 

Um exemplo simples para entender o tema é o fenômeno de turbulência (num avião, por exemplo). A aeronave é equipada com sistemas (originados na teoria de controle) que trabalham para trazer o avião de volta à estabilidade, após atravessar uma área turbulenta. 

Turbina de avião civil. Foto: Marcos Santos (USP/Imagens)

“Ele [German] foi o responsável por escolher o assunto certo para o meu mestrado e me incentivar a vir para os Estados Unidos estudar, sob a supervisão da professora Lasiecka e do professor Triggiani. Não fosse pelo trabalho e dedicação dele, eu provavelmente não teria vindo”, pondera Marcelo. 

Desde então, o jovem matemático acumula pelo menos oito artigos científicos finalizados (publicados ou já aceitos para publicação), e dois preprints (artigos que são ainda não tiveram a revisão por pares). Foram esses os trabalhos que compuseram sua tese de doutorado nos EUA. 

Os questionamentos gerados durante a pesquisa vão além. 

Os sistemas hiperbólicos estudados por Bongarti, Lasiecka e Triggiani, e demais colaboradores, são modelos hiperbólicos usados na análise de ondas sonoras, levando em consideração propriedades termoelásticas do material e suas propriedades de relaxação. Os sistemas têm se mostrado úteis no entendimento sobre a estabilidade e controle de tratamentos médicos usando a técnica Hifu (High Intensity Focused Ultrasound).

O reconhecimento 

Marcelo compôs um time de doutorandos trabalhando em alguns aspectos sociais de modelagem em epidemiologia, com enfoque em Covid-19, sob mentoria geral da matemática estadunidense Andrea Bertozzi. “Ser formado em licenciatura e ter sido aluno de professores como Julio Torres, Paula Malheiros e a Erminia Fanti, foram essenciais para o meu sucesso como professor nos EUA, já que os programas de doutorado americanos incluem docência”. 

Ele foi premiado no Fórum de Estudantes da Universidade de Memphis, onde recebeu o Prêmio Professor Ralph Faudree de Pesquisa em Matemática, dado pelo departamento, e foi nomeado para o Prêmio Morton de melhor tese.

“Eu fui bolsista de iniciação cientifica pela Fapesp duas vezes na graduação, e fui bolsista de mestrado Capes. Sem esses incentivos, tudo seria impossível, já que minha família não teria condições de me manter na universidade. É uma combinação de pessoas acreditando em você e lhe dando oportunidades. Eu tenho muito a agradecer a todos os meus professores do Ibilce, em especial ao professor German, e aos meus orientadores de doutorado, a quem devo grande parte da minha inspiração para continuar trabalhando com matemática”, conclui Marcelo Bongarti.

Na imagem no alto, ao centro, Marcelo Bongarti, com os professores Irena Lasiecka e Roberto Triggiani, seus orientadores de doutorado no Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Memphis, nos Estados Unidos. Foto: arquivo pessoal.