Sem as águas de março, só com planejamento e investimentos

É tempo de pensar também no custo da 'não irrigação', ou seja, em quanto se perde por acreditar na chuva que não veio e não alcançar a produtividade prevista!

Março se foi e as “Águas de março fechando o verão” como imortalizou o poeta, não vieram como gostaríamos, ao menos na região Noroeste Paulista e que usaremos como exemplo, e a “promessa de vida no teu coração” ficou comprometida. Está faltando precocemente o verde aos campos!

Nesta região do Estado de São Paulo, assim como em muitas outras, as chuvas, se já não seriam regulares ou bem distribuídas ao longo do ano, estão cada vez mais escassas, no volume e na distribuição da frequência. Por aqui, a Rede Agrometeorológica do Noroeste Paulista operada pela Unesp aponta um volume histórico de 1.196 mm anuais.

Em 2019, choveu 1.041 mm (-13%). Em 2020, a chuva radicalizou e na média da região, somou apenas 731 mm, ou menos 39% do esperado, comprometendo não somente a produtividade das lavouras de sequeiro, mas a recomposição do lençol freático e dos reservatórios de água para os diferentes usos, incluindo o abastecimento dos sistemas de irrigação, muitos comprometidos no segundo semestre de 2021.

Déficit hídrico antecipado

Entramos em 2021 e janeiro veio com menos 27% de chuva, fevereiro com menos 46% e em março, as chuvas da primeira semana estimulavam-nos a pensar que seriam abundantes, mas não foi o que aconteceu e cravamos menos 35% a menos que esperávamos. Sabe a história do copo meio cheio ou meio vazio? O otimista desavisado poderia dizer que menos 35% é melhor que o menos 72% de março do ano passado, mas com água, fonte de vida, não cabe este raciocínio.

Nos três primeiros meses de 2021 registrou-se a média de 333 mm, ante os 514 mm esperados, ou seja, há um déficit médio de 35% sobre a nossa expectativa. Esta situação de déficit hídrico antecipado, contrariando o balanço hídrico normal que é feito para planejar os investimentos em uma região, comprometeu o desenvolvimento das pastagens e da cana, que começa sua safra já com produtividade abaixo do previsto, com tendência de agravar a situação.

Discussão com foco inútil

Essa situação de déficit hídrico antecipado exige investimentos em sistemas de irrigação como meio de garantir a sustentabilidade do negócio de produzir alimentos e energia e também de planejamento mais recorrente em estruturas de armazenamento e conservação da água na bacia hidrográfica, incluindo técnicas de manejo da água a ser aplicada, segundo a real demanda das diferentes culturas. A palavra evapotranspiração deve ser melhor entendida e compreendida não somente pelos Irrigantes.

É incrível que, mesmo diante desta situação de instabilidade das chuvas, com média histórica de 93 dias consecutivos sem chuvas, enquanto a discussão predominante entre os produtores de alimentos deveria ser sobre qual o sistema mais adequado e qual a lâmina de projeto, ou a capacidade do sistema, combinando Capex (despesas com investimentos) e Opex (despesas operacionais), ainda há muitos que se mantêm céticos em relação aos sistemas de irrigação!

E diante daqueles que insistem em dizer, “mas é caro, né…”, melhor ter em mente não apenas quanto será o investimento a fazer, mas, sim, quanto se pode lucrar com a segurança hídrica garantida pelos sistemas de irrigação. É tempo de pensar também no custo da “não irrigação”, ou seja, não somente no acréscimo produtivo, mas também em quanto se perde por acreditar na chuva que não veio e não alcançar a produtividade prevista!

Fernando Braz Tangerino Hernandez é engenheiro Agrônomo, professor titular da Área de Hidráulica e Irrigação da Unesp Ilha Solteira. Ele divulga dicas sobre agricultura irrigada e agroclimatologia semanalmente no PodIrrigar – o podcast da agricultura irrigada.

Na imagem no alto, na grande seca de 2014, Usina de Marimbondo, no Rio Grande. Foto: PhotoGimenez/CC BY-SA 3.0/Wikimedia Commons.