Retorno às aulas: ainda sabemos muito pouco

Enquanto não tivermos uma parcela considerável da população vacinada, nossas únicas precauções são o distanciamento social e os cuidados com a higiene.

No dia 27 de março, o governador João Doria (PSDB) publicou um decreto que estabelece como essenciais as atividades relacionadas ao ensino. Uma matéria da Folha de S.Paulo relaciona esse decreto com um possível aumento da pressão pelo retorno às aulas presenciais e menciona o Movimento Escolas Abertas. Nesse mesmo jornal, as fundadoras desse movimento defendem uma reabertura das escolas baseada principalmente na menor transmissibilidade da doença pelas crianças, motivo corroborado pelo secretário de Educação do Estado de São Paulo, que também acrescenta de maneira descabida que “a sociedade não se importa com a educação“.

Na escola aprendemos que alternativas que generalizam afirmações podem, na maioria das vezes, ser eliminadas em questões de múltipla escolha. Isso porque generalizações são provenientes em grande parte de uma análise rasa de alguma questão complexa. Ou, como diria o jornalista norte-americano H. L. Mecken (1880-1956), para todo problema complexo, há sempre uma solução simples e errada. No caso do retorno às aulas, não é possível fazer uma análise única, geral, considerando-se apenas a questão do contágio em crianças na perspectiva de uma classe média com acesso a escolas e veículos particulares.

Uma grande parte da população serve-se de um transporte público lotado e toda uma cadeia de profissionais precisa ser deslocada para que as aulas aconteçam. Nessa situação, a transmissibilidade da doença em crianças é somente um dos fatores a serem considerados na constituição de uma política pública. Além disso, é inócua a redação de protocolos bem definidos numa realidade de escolas públicas precárias com equipes de limpeza reduzidas, janelas que não abrem e problemas de fornecimento de água.

Desigualdades

Da mesma maneira que não é possível uma análise única de escolas com realidades tão díspares, também não é apropriado considerar que o ensino remoto teve o mesmo impacto nas famílias de um Brasil que ocupa a nona colocação de país mais desigual do mundo, segundo cálculos do Banco Mundial. De acordo com o IBGE, quase 30% da população brasileira sequer tem acesso à internet e a diferença da densidade de moradores por classe de renda varia de 2,7 pessoas por dormitório para os pobres da Região Norte até 1,5 pessoas para os ricos da Região Sul, como mostra o livro “Legado de uma Pandemia”.

Os parágrafos anteriores descrevem somente algumas consequências da pandemia no agravamento da desigualdade social. A situação que se impõe mostra uma realidade cruel onde a população mais afetada pelos aspectos negativos do ensino remoto também seria a mais afetada pela exposição ao vírus com o retorno às aulas presenciais. Ainda que faça parte de uma evidência anedótica, vale mencionar que o estabelecimento de um protocolo rígido para crianças em torno de sete anos é algo quase fantasioso: quem tem a oportunidade de acompanhar aulas com parte da turma na escola e a outra online vê que abraços, salas comuns sem higienização entre a troca de turmas e uso inadequado de EPIs são coisas corriqueiras.

Divulgação apressada

No momento em que presenciamos o recrudescimento da pandemia e a quadruplicação do número de crianças e adolescentes infectados, no dia 30 de março a Folha divulgou um estudo cuja conclusão foi a de que “a volta às aulas não afetou o ritmo da pandemia de Covid-19 nos 131 municípios paulistas que reabriram escolas de outubro a dezembro do ano passado, na comparação com os que não abriram”.

Além de desconsiderar que trata-se de um preprint – um texto em publicação preliminar, que não passou pela revisão por pares – “o estudo citado simplesmente não analisa o efeito das aulas porque, da maneira que foi feito, não é possível observar e concluir nada sobre o efeito das aulas”, como explicamos eu e o professor Otaviano Helene, do Instituto de Física da USP, em artigo na Revista Questão de Ciência. Isso mostra que o desastre da cloroquina, turbinado pela divulgação apressada de preprints por jornalistas, ainda não foi suficiente para alertar a imprensa para esse tipo de armadilha.

Distanciamento e higiene

É verdade que sabemos mais sobre a pandemia em comparação com o ano passado, mas ainda é muito pouco. Precisamos entender melhor as novas variantes que pipocam por aí. Nesse contexto, a equação a ser resolvida para decidir sobre o retorno das crianças às aulas não é simples e sua solução deve ir muito além de declarações rasteiras ou sensacionalistas que veladamente possam carregar um interesse mercadológico.

Sem vida não existe economia. Sem vida não existe educação. Enquanto não tivermos uma parcela considerável da população vacinada, a única maneira de nos precavermos é por meio do distanciamento social e de cuidados com a higiene. Dados científicos mostram que, do ponto de vista psicológico, a população mundial foi resiliente à pandemia e às medidas restritivas. Aguentemos um pouco mais.

Marcelo Takeshi Yamashita é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) no período de 2017 a 2021 e é membro do Conselho Editorial da Revista Questão de Ciência.

Na imagem acima, professora usa spray de álcool para desinfetar as mãos dos alunos em sala de aula. Crédito: IStock.