Um grupo de trabalho do Ministério da Saúde destinado a elaborar propostas para o enfrentamento de emergências em saúde pública recomendou ao ministro Alexandre Padilha a criação de uma nova estrutura com foco no enfrentamento de futuras epidemias ou pandemias, como a da covid-19. Quem relatou a formulação da proposta foi a médica Margareth Pretti Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, que é integrante desse grupo, durante o Encontro dos Bolsistas do Programa “Unesp: Por Uma Geração Sem Nicotina”, do qual participou como conferencista convidada, no último dia 12.
Dalcomo diz que a proposta não defende a criação de uma nova agência para concorrer com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Também não seria uma versão brasileira do célebre Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência dos Estados Unidos que é referência mundial na área. A ideia é que o país passe a dispor de uma estrutura independente do Ministério da Saúde que possa fundamentar uma política de Estado e evitar que os gestores e profissionais de saúde sejam surpreendidos quando da eclosão de ciclos pandêmicos.
A criação desse grupo de trabalho foi uma das primeiras medidas adotadas por Alexandre Padilha quando de sua posse à frente do Ministério. O objetivo do grupo, que tem caráter consultivo, é formular “propostas que subsidiem ampliar a capacidade do Estado brasileiro e fortalecer o Sistema Único de Saúde para enfrentar epidemias, pandemias e emergências em saúde pública no Brasil”, segundo texto da portaria. Também integram o GT nomes como os ex-ministros José Gomes Temporão e Agenor Álvares, o ex-secretário municipal de saúde de São Paulo Gonzalo Vecina, e a ex-reitora da Unifesp Soraya Smaili, entre outros.
“Estive recentemente com o ministro Padilha. Trabalhamos duramente, durante três meses, e fomos entregar o trabalho pronto faz três semanas. É uma nova institucionalidade. Não é um CDC, não é esta a nossa pretensão. É política pública, não de governo”, disse Dalcolmo, durante o evento.
Segundo a pesquisadora, o caminho para criar esta estrutura governamental passaria por um projeto de lei a ser apreciado pelo Congresso, mas não está descartada a possibilidade de implementação via medida provisória. O impacto desta nova “institucionalidade” no Orçamento giraria em torno de R$ 200 milhões anuais, de acordo com os cálculos feitos pelo grupo de trabalho. Para o ano de 2025, o orçamento do Ministério da Saúde é de aproximadamente R$ 233 bilhões.
“Um custo de RS$ 200 milhões não é alto. É perfeitamente palatável para a criação no Estado brasileiro de algo que não fique à mercê de mudanças governamentais. Um órgão de Estado, uma institucionalidade formal”, diz Margareth Dalcolmo.
Base científica
A iniciativa do Ministério da Saúde para constituir um grupo de trabalho vai ao encontro de diversos estudos científicos que abordam os desafios para erradicar futuras doenças pandêmicas, indicando o investimento no fortalecimento de sistemas de saúde pública e a promoção de cooperação internacional como fatores fundamentais nestes cenários.
Em 2022, por exemplo, o artigo “Socioecological vulnerability and the risk of zoonotic disease emergence in Brazil”, publicado na revista Science Advances e assinado por pesquisadores da Fiocruz, analisou o modo como fatores sociais e ecológicos interagem para aumentar o risco de doenças zoonóticas (transmitidas de animais para humanos) no Brasil. Esse estudo alertou para a possibilidade de que o Brasil, por sua diversidade biológica e alta vulnerabilidade social, torne-se incubador de futuras pandemias, especialmente se as políticas ambientais continuarem sendo flexibilizadas, risco que é detectado a partir de uma análise na perspectiva do conceito de saúde única.
“Não é mais uma questão de ‘sim’ ou ‘não’ [haverá outra pandemia]: é uma questão de ‘quando’. Estamos à beira de uma próxima pandemia”, disse Dalcomo ao Jornal da Unesp. “Qual será o patógeno? A meu juízo, provavelmente, um vírus Influenza. O H5N1 está aí. Só não houve transmissão de pessoa para pessoa ainda”, disse. “O Brasil não pode mais ser apanhado desprevenido, como foi na covid-19. Não pode ficar à mercê de manipulações políticas em que cada um faz o que quer.”
Margareth Dalcolmo foi uma das principais vozes brasileiras durante o combate à pandemia de covid-19, e estará presente, como membro da Academia Nacional de Medicina, na próxima Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, a COP30, que será realizada em Belém, em novembro. Será a primeira vez que a conferência, que está na 30ª edição, terá um dia dedicado integralmente à saúde, diz ela.
“Veja, o homem está fazendo muito mal ao planeta, e muito rapidamente. O ciclo (para a eclosão de novas epidemias) é diretamente proporcional ao dano que o homem está fazendo no planeta. Se você raciocinar bem, se a nossa Amazônia continuar a sofrer desmatamento do jeito que está ocorrendo… A Amazônia, não a China, é um dos maiores celeiros do mundo de coronavírus. Então, se continuarmos a devastar o planeta como estamos fazendo, teoricamente teremos condições para uma epidemia eclodindo no Brasil.”
Pioneira
Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Margareth Dalcolmo é uma das pioneiras no combate ao tabagismo no Brasil. No final do governo militar, com o então ministro da saúde Waldyr Arcoverde, secretariou, como residente de medicina, reuniões da comissão que desembocaria no primeiro programa de combate ao tabagismo do país, criado anos depois no âmbito do Inca (Instituto Nacional de Câncer).
A constituição do programa foi chave para uma série de ações posteriores que, em conjunto, reduziram o percentual de fumantes na população brasileira de 40% para menos de 10%, tornando o país exemplo de políticas públicas na área. “O Brasil, sendo signatário da Convenção Quadro e de outras políticas internacionais da luta contra o tabagismo, deu um exemplo absolutamente seminal em relação a isso porque há décadas criou uma institucionalidade neste sentido e que, a partir daí, começou pouco a pouco a ir implementando as ações que geraram essa redução na proporção de fumantes”, diz.
No encontro com os bolsistas do programa “Unesp: Por Uma Geração Sem Nicotina”, realizado no auditório do Conselho Universitário, em São Paulo, a cientista concentrou a sua fala em uma palestra sobre “Políticas antitabagismo em tempos de vapes”, detalhando o pioneirismo brasileiro na regulamentação que proíbe os cigarros eletrônicos no país. A Anvisa proibiu os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) em 2009, decisão que, após forte lobby contrário da indústria do tabaco, foi ratificada no ano passado pela agência.
“Temos que orientar os nossos jovens onde já conseguimos que ninguém fumasse. Conscientizar, informar… Nossa garotada não fuma cigarro e agora você vai viciá-la em uma coisa que é pior do que cigarro? Não podemos botar em risco esta geração”, diz Dalcolmo.
Foto acima: Fabio Mazzitelli