O Brasil é o país que mais produz conhecimento científico sobre biodiversidade na América Latina, respondendo por quase metade da produção local nos últimos 5 anos, segundo dados da editora holandesa Elsevier publicados em outubro no relatório “Biodiversity research in 2024: a global perspective with focus on Latin America”.
A Elsevier analisou aproximadamente 137 mil artigos publicados entre os anos de 2019 e 2023 em periódicos indexados na base de dados Scopus. A América Latina respondeu por 11% da produção científica global na área de biodiversidade no período. Os autores do relatório calcularam um índice, denominado Índice de Atividade Relativa, que identifica, a partir da produção científica de um país em todas as áreas, o percentual correspondente especificamente para os estudos em biodiversidade. O RAI médio global foi calculado em 1.0, e o da América Latina, em 3.0, o que indica uma produtividade três vezes maior. Os trabalhos tratam de assuntos diversos, como os impactos das mudanças climáticas em ambientes naturais, perda de biodiversidade, desmatamento e áreas de proteção ambiental.
Pouco mais da metade desses artigos (51%) foram assinados por autores de vários países — o que sugere que a pesquisa em biodiversidade na região tende a ser inerentemente colaborativa — e 8,5% foram citados em documentos relacionados a políticas públicas. “Esses dados indicam que a biodiversidade é um campo rico e fértil para estudos e colaborações internacionais, com potencial para impulsionar mudanças políticas e sociais”, afirma o biólogo Mauro Galetti, coordenador de difusão do Centro de Pesquisas em Biodiversidade e Mudanças no Clima (CBioClima) e do Departamento de Biodiversidade da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro.
De acordo com o relatório da Elsevier, o bom desempenho da América Latina na geração de conhecimento sobre biodiversidade se deve principalmente ao Brasil. O país respondeu por 43,5% da produção local no período, consolidando-se como a quinta nação com mais publicações nessa área, atrás apenas dos Estados Unidos, da China, do Reino Unido e da Alemanha.
A produção científica brasileira também se destacou em termos qualitativos, medidos pelo Índice de Citações Ponderado por Campo (tradução do inglês Field-Weighted Citation Index, FWCI), que avalia o número de citações de um artigo, comparando-as com as de outros papers com palavras-chave semelhantes e da mesma idade. O índice pondera quanto determinado trabalho foi mais ou menos citado em relação à média de seus congêneres. No caso dos trabalhos na área de biodiversidade, um resultado de 1,20 significa que ele está exatamente na média; se for superior, sua repercussão é maior. O Brasil registrou um FWCI de 1,24, ou seja, acima da média.
O relatório da Elsevier se debruçou ainda sobre as instituições de ensino e pesquisa latino-americanas que mais contribuíram para a geração de conhecimento em biodiversidade. Das 30 com maior produção, 22 são brasileiras. Na lista, a Unesp é relacionada como a terceira instituição com mais artigos publicados na área, atrás da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Nacional Autônoma do México. Na quarta e na quinta posições ficaram a UFRJ e a Unicamp.
“Os dados do relatório da Elsevier refletem a maturidade e a qualidade dos programas de pós-graduação da Unesp”, destaca Galetti. “Grande parte da pesquisa feita no Brasil se deve ao trabalho de estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado.” O ecólogo e cientista da computação Milton Cezar Ribeiro, do Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação da Unesp, campus de Rio Claro, acrescenta: “O desempenho da Unesp mostra que nossa pós-graduação é robusta e que se consolidou como um dos principais polos geradores de conhecimento sobre biodiversidade na América Latina”.
Na avaliação do biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, o papel de destaque do Brasil — e das universidades brasileiras em geral — na pesquisa sobre biodiversidade se deve em grande medida a estratégias de financiamento à ciência consistentes e de longo prazo. “Nesse sentido, é importante destacar o papel do Programa-Biota FAPESP, que desde 1999 se dedica a mapear a diversidade de plantas e animais do estado de São Paulo”, afirma.
Ricardo Rodrigues foi coordenador do programa de 2004 a 2009, além de coordenador adjunto da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na área de ciências biológicas de 2009 a 2012. Segundo ele, o financiamento é essencial para o estabelecimento de uma comunidade científica local competente e comprometida com a geração de dados confiáveis para promover práticas de conservação e restauração do meio ambiente.
“O programa Biota FAPESP foi um marco para o avanço da ciência no Brasil, ainda que tenha como foco pesquisadores de instituições de São Paulo”, comenta Galetti. “Por meio dele, pudemos ampliar nossas colaborações com cientistas de outros estados e países, produzir conhecimento de impacto e dados que hoje estão disponíveis em acesso aberto.”
A América Latina é uma das regiões mais biodiversas do mundo; abriga quase metade das florestas tropicais, 33% das espécies de mamíferos, 35% das de répteis, 41% das de aves e 50% das de anfíbios. É também a região que mais sofre com o declínio dessas populações, tendo registrado uma redução de 94% da vida selvagem entre 1970 e 2024, segundo relatório da WWF.
Além de seu valor intrínseco, a biodiversidade desempenha um papel crucial no controle do surgimento de novas doenças, na regulação do clima, na garantia da segurança alimentar e na promoção do bem-estar e da saúde humana. “A natureza não vem com um manual de instruções; são os cientistas que tentam entender como ela funciona e como podemos viver de maneira sustentável”, diz Galetti. “Com a maior diversidade biológica do planeta, os pesquisadores latino-americanos são fundamentais na formulação de políticas de proteção para esse patrimônio inestimável, contribuindo com conhecimento e expertise para promover práticas sustentáveis e garantir sua conservação”, acrescenta Ribeiro.
Imagem acima: Arara azul fotografada no Porto Jofre, Pantanal. Leonardo Ramos/Wikkimedia Commons