Em 1965 o químico estadunidense e cofundador da Intel, Gordon Moore, publicou um artigo em que defendia que o número de transistores que se consegue inserir em um chip iria dobrar a cada dois anos. Esse crescimento se refletiria em um aumento constante da capacidade de armazenamento e processamento de equipamentos eletrônicos. Apesar de não expressar uma lei da natureza, a previsão feita pelo químico ficou conhecida como Lei de Moore e tornou-se referência para engenheiros e gestores da indústria de chips, que a usam como referência no planejamento dos novos desenvolvimentos tecnológicos, e permanece válida para as novas gerações de computadores e celulares.
Entretanto, o avanço contínuo na capacidade de processamento dos chips experimentado nas últimas seis décadas parece estar chegando a um limite. A fim de que o ritmo enunciado por Moore se mantenha, é preciso que os transistores sejam cada vez menores. Isso é alcançado por meio dos chamados processos de miniaturização. Neles, busca-se reduzir os componentes a dimensões mínimas e, ao mesmo tempo, elevar sua eficiência. Atualmente, o menor transistor produzido mede cerca de 3 nanômetros (o equivalente a 1 metro dividido por 1 bilhão, ou 0,000000001m). Os pesquisadores estão enfrentando dificuldades para superar este limite utilizando apenas as tecnologias atuais. Daí a busca por novas estruturas que está sendo empreendida por pesquisadores de tecnologia de todo o mundo. Uma das possibilidades que estão sendo investigadas é o uso de pequenas estruturas magnéticas chamadas skyrmions.
As possibilidades dos skyrmions foram investigadas por Nicolas Porto Vizarim em seu curso de doutorado no programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais, da Faculdade de Ciências da Unesp, campus Bauru. Ao longo dos anos de doutorado, Vizarim, orientado pelo docente Pablo Antonio Venegas Urenda, observou o comportamento dessas estruturas e desenvolveu novas formas de controlar seu movimento, o que possibilita, por exemplo, transmitir informações. A tese apresentando a pesquisa recebeu Menção Honrosa do Prêmio CAPES de Teses de 2024, que reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos no Brasil no ano anterior. Entre outros aspectos, a avaliação leva em consideração a originalidade e a relevância do estudo para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social.
Redemoinhos magnéticos
Os skyrmions são pequenas estruturas magnéticas parecidas com redemoinhos e que possuem a propriedade de serem protegidas topologicamente. Isso significa que um skyrmion não se destrói com facilidade, o que abre a possibilidade de que venham a ser empregados para o armazenamento de informações. Na verdade, skyrmions são reconhecidos como importantes candidatos na busca por alternativas para miniaturizar componentes eletrônicos, e têm recebido a atenção de pesquisadores do campo da eletrônica, mas também de estudiosos ligados a uma nova área, que vive um momento de ascensão: a spintrônica.
“Grande parte do desenvolvimento tecnológico ocorrido no século 20 deveu-se à eletrônica, ao estudo dos elétrons e à manipulação de cargas elétricas. Esses elementos originaram toda a tecnologia que possuímos hoje”, diz Venegas. Já a spintrônica se baseia não na carga elétrica, mas em outra propriedade dos elétrons chamada de spin. O spin é a direção que partículas, como prótons e elétrons, apresentam quando imersas em um campo magnético. Nessas condições, é possível imaginar que a partícula se mantém “girando”; o spin é, justamente, o sentido dessa rotação. Assim, a spintrônica, em lugar de usar a carga dos elétrons para transportar informações, como decorre na eletrônica tradicional, aproveita o spin.
Os skyrmions, por sua vez, surgem a partir de uma organização específica desses spins, que criam pequenos redemoinhos que podem ser identificados e manipulados. A ideia parece simples: usar os skyrmions para criar códigos binários, de 0 e 1, para transmitir informações que serão lidas por um sensor magnético, semelhante ao processo que ocorre hoje em um HD. O objetivo é conseguir organizar os skyrmions em faixas, chamadas de race tracks (ou faixas de corrida), e fazer com que eles se movimentem de maneira ordenada para passar pela leitura. A presença de um skyrmion envia o sinal de valor 1, enquanto a ausência significa 0. A dificuldade, entretanto, é justamente controlar o movimento dessas estruturas.
“O skyrmion tem uma força que se chama ‘Força de Magnus’, que faz com que ele sempre se movimente em um ângulo e não em linha reta”, diz Venegas. Um exemplo da Força de Magnus é quando um jogador de futebol chuta uma bola com efeito em direção ao gol, fazendo com que ela faça uma curva e não siga uma trajetória reta. Esse mesmo efeito ocorre na movimentação dos skyrmions. “O problema é que, por conta desse ângulo, os skyrmions acabam saindo das race tracks e, quando isso ocorre, eles são destruídos, ou seja, a informação se perde”, completa o pesquisador.
Direcionando a informação
Em sua tese, intitulada “Dynamic behavior of Skyrmions under the influence of periodic pinning in chiral magnetic infinite thin films” (Comportamento dinâmico dos Skyrmions sob a influência de aprisionamento periódico em filmes magnéticos quirais infinitamente finos), Vizarim buscou maneiras de controlar o movimento dessas estruturas.
“O que fizemos foi, basicamente, posicionar alguns defeitos artificiais nos materiais das race tracks, onde estavam os skyrmions, com a intenção de guiar o movimento deles”, explica Vizarim. “A ideia era que, ao bater no defeito, o skyrmion não conseguiria seguir naquela direção, e é então desviado. Então, se conseguimos posicionar esses defeitos da forma correta, considerando o tamanho do skyrmion e seu ângulo natural de movimentação, nós podemos controlar a trajetória deles”, conclui.
Alguns dos defeitos que a dupla trabalhou são as ilhas magnéticas, que contêm cargas que repelem os skyrmions quando eles se aproximam dessas regiões. “À medida que o skyrmion bate nos defeitos, o ângulo dele é levemente desviado”, afirma Vizarim. Assim, quanto mais defeitos são posicionados, maior é o controle que se tem sobre a movimentação das estruturas e os caminhos que elas irão seguir.
O tamanho dos defeitos também mostrou ser uma característica importante. “Nós demonstramos que o tamanho do defeito também influencia na movimentação. Defeitos menores vão fazer com que o skyrmion interaja menos com eles, então faz sentido que a estrutura siga mais ou menos seu caminho natural, mas, se posicionamos defeitos grandes, abre-se um leque de possibilidades de diferentes controles de movimento”, diz o recém-doutor.
“Nós analisamos quais eram os tamanhos, as distâncias e os posicionamentos ideais dos defeitos para controlar os skyrmions. Com isso, quando um cientista experimental ler o estudo ele vai saber quais parâmetros podem ser utilizados para encontrar determinados resultados nos experimentos”, explica Urenda.
Uma década de pesquisas
A dupla recebeu com alegria a notícia da menção honrosa no Prêmio CAPES de Teses. Vizarim afirma que, apesar de não estar muito confiante, tinha alguma esperança quanto à possibilidade de premiação. “Encontramos resultados muito interessantes e conseguimos estabelecer parcerias internacionais, nos Estados Unidos e na Bélgica, que foram essenciais para encontrar os resultados”, diz o jovem pesquisador. “Sabíamos que a concorrência era grande e que muitas pessoas boas submeteram trabalhos. Quando deu tudo certo eu não consegui acreditar, fiquei muito feliz”, conclui.
Para Urenda, o prêmio significa também o reconhecimento por décadas de esforços na concretização do programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais. O pesquisador lembra que quando começou a trabalhar como docente na Unesp, em 1993, o Departamento de Física e Meteorologia resumia-se a uma licenciatura em física. “Foram 10 anos sem um programa de pós-graduação. Até que foi organizada uma comissão com três professores, eu sendo um deles, que desenvolveu o projeto que deu origem ao programa”, diz. Uma vez instaurado, o grupo passou outros 10 anos planejando a criação de um curso de bacharelado em física de materiais, com a ideia de formar estudantes com uma base voltada para a pesquisa acadêmica. “Faz apenas 10 anos que alcançamos uma situação competitiva, com infraestrutura e alunos com formação acadêmica, algo que outras universidades têm há décadas. Receber um prêmio como esse tendo decorrido tão pouco tempo é muito gratificante”, diz Venegas.
Imagem acima: representação artística de um skyrmion, conhecidos por parecerem redemoinhos magnéticos. Crédito: Rudolf Simon | Wikimedia Commons