Avanço de partidos de extrema direita na União Europeia deve afetar pautas de governança ambiental mundial, avalia pesquisadora da Unesp

Especialista em política ambiental internacional vê riscos ao papel de liderança do bloco europeu na articulação de acordos globais e a implementação de metas climáticas nos países membros. “Esses partidos devem procurar barrar medidas e reverter regulações hoje adotadas. Mas sucesso vai depender das negociações com forças políticas de centro”, avalia.

Os resultados das eleições para as 720 cadeiras do Parlamento Europeu, finalizadas em 9 de junho, colocaram a direita como a principal vitoriosa do processo eleitoral. O Partido Popular Europeu, de centro-direita, manteve a bancada mais ampla no Legislativo da União Europeia e conquistou 8 cadeiras novas, ficando com 184 deputados.  Outros grupos nacionalistas avançaram no parlamento. Ganharam assentos o Identidade e Democracia e os Reformistas e Conservadores Europeus, que terão peso maior em uma possível coalizão do grupo. Com a nova composição, os deputados de direita e centro-direita serão 395 do total de 720 legisladores, consolidando um domínio de 54,9% do total. É ao Partido Popular Europeu que pertence Ursula von der Leyen. Ela é a atual presidente da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, cargo eleito pelo Parlamento Europeu.

Porém, as forças de extrema direita tiveram desempenho inédito e extremamente significativo nas eleições, ficando com cerca de um quarto das 720 cadeiras. Esse resultado lhes dá a possibilidade de influenciar decisivamente as políticas da União Europeia inclusive em áreas extremamente sensíveis, como imigração, segurança e mudanças climáticas.

O bom desempenho dos grupos de extrema direita representou uma derrota, principalmente, para os governos francês e alemão, países que dispõem das maiores bancadas no Parlamento (81 deputados e 96 deputados, respectivamente). Em resposta aos resultados, o presidente da França, Emmanuel Macron, dissolveu o parlamento e convocou novas eleições. Já o primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, anunciou a sua renúncia ao cargo. Há pressão da direita espanhola sobre o presidente do governo da Espanha, Pedro Sanchez, para que adote iniciativa semelhante.

Formada em 1992, a União Europeia é um bloco formado por 27 países do continente, cujas origens remontam à busca pela reconstrução do continente no pós-guerra.  Desde o pós-guerra, os grupos políticos associados à extrema direita nacionalista têm sido excluídos dos governos nacionais, e também das decisões políticas de maior impacto.

Presidentes e primeiros-ministros de nações da União Europeia vão se encontrar em uma reunião de cúpula no dia 17 de junho para fazer um balanço da votação, e também para discutir estratégias de recondução de Ursula von der Leyen à liderança da Comissão Europeia. As primeiras sessões com a nova composição do novo Parlamento se iniciam no mês de julho, na França. Com a chegada dos deputados de partidos de extrema direita, o parlamento passará a contar também com visões divergentes em relação as políticas atuais para diversos assuntos, da agricultura à mudança climática, o que deve, no mínimo, tornar mais lenta a tomada de decisões.


Fernanda Mello Sant’Anna, especialista em relações internacionais da Unesp em Franca e coordenadora do Grupo de Estudos em Política e Direito Ambiental Internacional da Unesp, avalia que o avanço dos partidos de extrema direita compromete a atuação da União Europeia em relação às pautas de governança ambiental global e implica riscos na redução de investimentos em programas destinados a combater as mudanças climáticas.

“Existem vários riscos relacionados à redução da atuação da UE nas pautas ambientais”, diz ela. “Principalmente em relação à redução de investimentos. A UE tem sido uma liderança importante na governança global, inclusive no âmbito do regime internacional de mudanças climáticas, que são as negociações relacionadas à Convenção das Nações Unidas para Mudança Climática. Um exemplo é o Pacto Verde Europeu, que tem como um dos objetivos tornar a Europa o primeiro continente climaticamente neutro, zerando as emissões de gases de efeito estufa até 2050. E, para isso, há uma série de medidas a serem adotadas ao longo dos próximos anos. Porém, muitos partidos e lideranças políticas de extrema direita se colocam publicamente como céticos climáticos. Ou, em outros casos, são lideranças que sinalizaram que não apoiarão todas as iniciativas que a União Europeia está encabeçando”, diz.

Sant’Anna  diz que muitas pesquisas já indicam uma tendência de os partidos de extrema direita a enxugarem a pauta e os investimentos em políticas ambientais. “Recentemente, tivemos no Brasil o governo de Jair Bolsonaro que gerou uma tentativa de acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Não conseguiu, mas estabeleceu uma redução muito grande da atuação da pasta e do seu orçamento, e de órgãos ligados a ela, como o IBAMA”, diz. Algo semelhante ocorreu nos Estados Unidos, onde o governo Trump reduziu drasticamente a atuação dos órgãos ambientais e, principalmente, o compromisso com os acordos climáticos.

“No entanto, a gente precisa pontuar que, apesar de ter ocorrido esse avanço da extrema direita, houve também a redução dos partidos de esquerda e dos chamados partidos verdes que visam pautas ambientais explícitas. Os parlamentares da extrema direita devem exercer pressão para barrar medidas ou tentar reverter regulações ambientais da União Europeia, ou mesmo seu papel como investidora na área ambiental. Mas isso vai depender também da coalizão que se formar, e da negociação com esses partidos de centro”, diz.


A docente acha que a situação de Alemanha e França, os países detentores dos maiores números de parlamentares e consideradas grandes lideranças no Parlamento, será essencial para estabelecer os rumos futuros do bloco.
“A Alemanha, por exemplo, sempre teve um histórico de avanços em políticas ambientais e energias renováveis, e atua no financiamento de importantes programas ambientais, inclusive no Brasil. Se houver um avanço desses grupos contrários a essa pauta, o resultado pode ser um retrocesso dessas políticas no âmbito da União Europeia, e isso vai prejudicar a governança ambiental de forma global”, diz.

No caso das mudanças climáticas, a União Europeia sempre atuou como uma das principais lideranças, impulsionando medidas importantes. “A gente pode pensar que o próprio Protocolo de Kyoto foi resultado dessa liderança que a União Europeia e alguns países exerceram dentro da Convenção de Mudanças Climáticas. Se a União Europeia deixar de exercer essa liderança, nós vamos ter um vácuo dentro desse regime internacional de mudanças climáticas. Não existe, no momento, nenhum outro bloco com a mesma força política que possa impulsionar as negociações para medidas mais efetivas. Principalmente quando a gente pensa que China e Estados Unidos, que são grandes emissores de gases de efeito estufa, não exercem esse tipo de liderança, e já foram muito contrários a medidas adotadas na própria Convenção de Mudanças Climáticas”, diz.

Em relação ao crescimento do número de deputados associados à extrema direita, a pesquisadora diz que é um fenômeno global. “Ocorre em várias partes do mundo, inclusive América Latina, Estados Unidos e em vários países europeus. Os especialistas têm levantado muitos fatores que contribuem para esse cenário.Eles (os grupos radicais) se inspiram também em alguns elementos do fascismo clássico, utilizando retórica populista para promover os valores autoritários e também trazem uma política de exclusão. A gente vê muito claramente na União Europeia esse discurso sendo empregado no caso da imigração, ou seja, contrária à imigração. Isso também é resultado do movimento de avanço da própria hegemonia neoliberal com seus valores, idealismos, fragilidade econômica, enfim são muitos fatores. A gente pode colocar também o impacto da guerra da Ucrânia e Rússia, que ocorre lá, e gera preocupações com a segurança. Penso que é algo ligado ao avanço das políticas neoliberais, e não exatamente contra as candidaturas ligadas ao ambientalismo. Creio que seja importante elaborar mais estudos para entendermos o cenário de forma mais ampla.”

Segundo a especialista em relações internacionais, dentre os aspectos que envolvem a ascensão e a postura mais cética desses grupos extremistas em relação ao meio ambiente, são os meios pelos quais eles são financiados e quais setores são beneficiados. “Creio que é importante pensar quem está por trás desses grupos. Quem se beneficia com a ascensão deles? Muitos pesquisadores que se apresentam como céticos do clima são financiados por empresas ligadas, de certa forma, à indústria do petróleo e à indústrias altamente poluidoras. No caso de países como o Brasil, nós temos grupos econômicos também e setores da população ligados ao financiamento desses grupos de extrema direita e que têm interesses políticos e econômicos. No caso da União Europeia, provavelmente também há grupos e interesses políticos e econômicos que vão se beneficiar da atuação dos partidos de extrema direita e visam o retrocesso das pautas ambientais para conseguir atender os seus interesses”, alerta.

Confira abaixo a entrevista para o Podcast Unesp.

Imagem acima: presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyden, discursa no parlamento europeu em 2019. Crédito: Ale_Mi/Depositphotos