Durante parte da Guerra Fria, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, a disputa entre URSS e EUA transcendeu a Terra e alcançou o espaço. Além de desenvolver foguetes e naves, os pesquisadores dos dois países se preocupavam com os possíveis malefícios do ambiente espacial na saúde dos astronautas e a possibilidade de que eles sofressem eventual contaminação por parte de alguma forma de vida extraterrestre. A competição entre as duas superpotências arrefeceu, mas o interesse pela busca de formas desconhecidas de vida permaneceu fomentando pesquisas durante as décadas de 1980 e 1990, que se consolidaram na forma de uma área legítima de estudos: a astrobiologia.
Um dos pioneiros nos estudos em astrobiologia no Brasil é Douglas Galante, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista ao podcast Prato do Dia, Galante conta que essa ciência se caracteriza por empregar modernos estudos de caráter multidisciplinar para responder a algumas das questões humanas mais antigas, incluindo “de onde viemos?” e “estamos sozinhos no universo?”. Embora seja recente, a área vem se desenvolvendo num ritmo rápido, principalmente desde meados dos anos 1990, e o Brasil já possui a Sociedade Brasileira de Astrobiologia, cujo vice-presidente é o próprio Galante.
O pesquisador explica que o bom momento para as pesquisas na área está ligado ao novo boom que se verifica na exploração espacial. “Atualmente, existe um movimento chamado New Space, que é uma nova corrida espacial. Não mais como uma disputa bélica tecnológica, nos moldes que ocorreram durante a guerra fria. Mas muito mais nas esferas financeira e econômica, a fim de mostrar quem manda no espaço”, diz. Segundo relatório da empresa de investimentos britânica, Seraphim, a indústria aeroespacial movimentou US $1,2 bilhão no segundo trimestre de 2023, demonstrando assim a potência do setor.
O número de nações interessadas em explorar o espaço aumentou, justificando o aumento do investimento nas tecnologias espaciais. “No passado, havia basicamente dois protagonistas, a NASA, a agência espacial dos EUA, e a Roscosmos, a agência espacial russa. Hoje temos várias outras, como as agências dos chineses, japoneses, indianos, israelenses, da Arábia Saudita e a Agência Espacial Europeia. Graças a isso, neste momento temos vários países lançando missões para diferentes recantos do Sistema Solar”, explica Douglas. Também há um grande número de empresas privadas realizando lançamentos para fora do planeta, como a SpaceX, Blue Origin e AST Space Mobile. Segundo a Union of Concerned Scientists, as instituições públicas e privadas lançaram mais de 150 novos instrumentos no espaço só em 2022.
O novo momento da exploração espacial tem permitido aos astrobiólogos aprimorarem suas pesquisas e ampliarem seus objetos de estudo. Galante diz que Marte é o foco de seu trabalho, mas destaca a existência de outros pontos de interesse. “Missões estão sendo planejadas para Vênus e para Europa e Encélado, as luas geladas de Júpiter e Saturno. Esses satélites são alvos muito interessantes do ponto de vista astrobiológico, porque têm, em suas superfícies, capas de gelo sob as quais estão oceanos líquidos gigantescos. Eles possuem centenas de quilômetros de profundidade, muita água, atividade geotermal e toda a possibilidade de originar a vida. Então, o Sistema Solar possui vários ambientes muito interessantes para a astrobiologia. Acho que os estudos só tendem a aumentar”, explica o professor.
Durante a entrevista, Douglas Galante falou também sobre terraformação, a possibilidade de expansão da vida terrestre para outros planetas e a teoria de que a própria vida terrestre tenha se originado em outro lugar e chegado até aqui de carona em um meteoro. Ouça a entrevista completa com Douglas Galante no podcast Prato do Dia, já disponível em todas as plataformas de áudio.