A construção civil é um setor de alto impacto quando se trata de emissões de gases de efeito estufa. Isso porque alguns dos principais materiais usados no desenvolvimento de casas e de obras de infraestrutura, como o cimento ou o aço, emitem grandes quantidades de carbono em sua produção. Dados de um relatório publicado pela Agência de Avaliação Ambiental da Holanda, em 2015, aponta a indústria do cimento como responsável por 8% das emissões globais causadas pelo homem, em virtude de reações químicas necessárias a fabricação do cimento, chamada calcinação, e do calor necessário para aquecer os fornos onde essas reações ocorrem.
Da mesma forma, a produção do aço foi responsável, em 2020, por 7 a 9% das emissões de gases do efeito estufa, segundo a WorldSteel, associação industrial que representa cerca de 8% dos produtores mundiais da liga metálica. As emissões na siderurgia, em grande parte, estão relacionadas ao uso dos altos-fornos e do carvão no processo de redução do minério de ferro. Para se ter uma ideia do impacto, se fossem países, as indústrias tanto do cimento quanto do aço, seriam o terceiro e quarto maiores emissores de gases do efeito estufa do planeta, atrás apenas de Estados Unidos e China.
Buscar processos e materiais construtivos que substituam ou consigam reduzir o consumo desses materiais pode colaborar para a redução das emissões de carbono. Um artigo publicado em 2020 na Nature Sustainability, por exemplo, argumenta que a construção de edifícios de médio porte em madeira engenheirada poderia servir como uma opção para o armazenamento de carbono e reduziria o uso de materiais como cimento e aço. O artigo, assinado por pesquisadores dos Estados Unidos, Alemanha e China, defende uma nova política de planejamento e projeto de construção que considerem estratégias de baixo carbono fóssil, centradas na incorporação de novas e sofisticadas formas de produtos de base biológica.
O Brasil, embora tenha uma produção florestal relevante, ainda não tem uma indústria que priorize a madeira serrada para a construção. “O que nós vemos muito são toras de árvores de vinte anos que poderiam virar viga para uma residência serem picadas para virar caixa de tomate, por exemplo”, lamenta a professora Juliana Cortez Barbosa, do Instituto de Ciências e Engenharia da Unesp, no câmpus de Itapeva. Segunda docente, a indústria madeireira ainda opera com máquinas obsoletas que dificultam e encarecem o corte de madeira voltada para a construção, enquanto o uso para lenha, papel ou celulose são mais comuns.
O cenário local, comenta Barbosa, é de praticamente um monopólio do cimento. Diferente do que se vê, por exemplo, no mercado norte-americano, em que a madeira já é plantada e colhida pensando na aplicação para construção de residências e existe um mercado voltado para este fim, com materiais industrializados, cadeias produtivas estabelecidas e produtos acessíveis para a população em geral. “A falta de padronização na indústria da madeira faz com que muitas vezes os arquitetos e engenheiros abram mão de projetos com madeira e optem pelo trabalho com cimento”, aponta. “Os profissionais muitas vezes não entendem de madeira e ficam inseguros para usar um material diferente nos projetos. É preciso avançar tanto na capacitação quanto no fornecimento da matéria prima”.
Bambu como opção de material construtivo
Para além da madeira, uma opção promissora para o desenvolvimento de aplicações na construção é o bambu, uma gramínea extremamente versátil, de crescimento vertiginoso e de fácil adaptação e cultivo, uma vez que não necessita replantio: à medida que a planta cresce, novos ramos brotam da própria moita. Essas e outras qualidades têm despertado o interesse de pesquisadores da Unesp como Barbosa, que lidera o grupo de pesquisa Ligno – Desenvolvimento de Produtos Lignocelulósicos. “O bambu tem uma primeira vantagem que é o fato de ele não estar concorrendo com o papel e a celulose”, afirma a professora do câmpus de Itapeva, ao enumerar as vantagens da planta. Além disso, explica, a gramínea possui um sistema radicular muito forte capaz de combater a erosão do solo e colaborar no abastecimento de água nas nascentes.
Nos últimos anos, o grupo do câmpus de Itapeva tem se dedicado a pesquisas relacionadas especialmente à produção de compósitos de madeira reforçados com lâminas de bambu para aplicação na indústria moveleira e da construção. Esta linha de pesquisa trabalha com as madeiras engenheiradas, que recebem esse nome porque saíram da floresta e foram selecionadas para passarem por um processo industrial de corte na forma de tábuas, lâminas ou partículas, de modo a facilitar a sua colagem e, consequentemente, a formação de um novo produto, cujas propriedades físicas são reforçadas.
Entre os trabalhos realizados pelo grupo, painéis engenheirada conhecido como CLT (madeira laminada cruzada) fabricados a partir da madeira de pinus foram colados com resina de poliuretano à base de óleo de mamona e reforçados externamente com tiras de bambu da espécie Dendrocalamus asper. Os testes de rigidez e de resistência para o uso dos painéis como paredes foram publicados na revista Bioresources e apontaram um significativo ganho de resistência do material.
“Uma das conclusões que tivemos é que incluindo duas camadinhas de bambu em cima e embaixo do painel de pínus você quintuplica a resistência mecânica dessa peça”, destaca Barbosa, que por enquanto testou apenas um reforço da madeira com bambu. “Nós ainda não temos uma disponibilidade muito grande de bambus e por isso começamos a trabalhar com peças de madeira engenheiradas. Assim que tivermos mais bambus disponíveis testaremos as vigas todas em bambu”.
A professora explica que ao longo das pesquisas realizadas com estes produtos compensados e laminados, o formato cilíndrico do bambu acabou gerando uma quantidade grande de resíduos. Para aproveitar esse material, o grupo realizou outro estudo, publicado na Pesquisa Agropecuária Tropical, em que esse resíduo em pó é reaproveitado na forma de painéis particulados. Na ocasião, os pesquisadores também substituíram o formaldeído usado para dar unidade à peça por elementos mais sustentáveis, como a resina à base de óleo de mamona ou ácido cítrico.
Os resultados apontaram que a maioria dos painéis de partículas de bambu desenvolvidos no laboratório atendeu às normas internacionais aplicadas aos painéis de partículas de madeira, em especial no que se refere às propriedades mecânicas, embora o texto destaque que a absorção de água e a dilatação da espessura ainda precisam ser melhoradas. O artigo conclui que o processo de produção mais simples e o fato de a diversidade de espécies de bambu indicarem baixos custos e recursos abundantes para a fabricação dos painéis tornam o bambu uma alternativa adequada para o uso em moradias e móveis.
Valorizando o bambu pelo design
O interesse por aplicações de bambu entre laboratórios e grupos de pesquisa também foi objeto de um levantamento realizado em 2021 pela designer Silvia Sasaoka em sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Design da Unesp, no câmpus da Unesp. No total, Sasaoka encontrou 66 laboratórios de pesquisa com bambu no Brasil, 24 deles na região sudeste. “A maioria dos grupos são da área da Agronomia e da Engenharia Civil, com alguns laboratórios ligados à Engenharia Florestal. Já no Design e na Arquitetura os grupos ainda são muito poucos”, aponta.
Para a ex-aluna que defendeu sua tese em 2022, a cultura do bambu no Brasil ainda está muito ligada ao ambiente rural e ao uso improvisado em cercas, balaios ou telhado para pequenas estruturas, como galinheiros. “Nesse sentido, o design pode ser importante para ajudar a construir valor sobre o bambu”, destaca.
Orientador de Sasaoka, o professor Marco Antonio Pereira vem há 30 anos trabalhando com o bambu no câmpus de Bauru, onde plantou centenas de moitas de diferentes espécies, que hoje são exploradas principalmente pelos alunos do curso de Design. O trabalho, que também já viabilizou um projeto de extensão de dez anos com a comunidade de assentados de Horto de Aimorés, no município de Pederneiras, vizinho a Bauru, foi reunido na página Projeto Bambu Unesp, em que é possível acessar as publicações e os produtos desenvolvidos pelos estudantes.
Em princípio, as publicações do projeto analisaram as características físicas e mecânicas de diferentes espécies de bambus, como a resistência de tração, resistência de compressão ou flexibilidade. Os trabalhos ajudaram a orientar a aplicação da planta para diferentes finalidades que foram exploradas pelos alunos, como mobiliário, peças de design, material construtivo e até mesmo próteses de baixo custo.
Na avaliação do professor, o interesse pelo bambu tem crescido nos últimos anos, estimulando o surgimento de associações de profissionais e empresas ligadas ao bambu. “A cadeia produtiva está crescendo, está se desenvolvendo, e existe uma gama de produtores e pesquisadores envolvidos com o tema. Mas o Brasil é um país grande e a formação dessas cadeias é complexa”, avalia. Ainda que Pereira concorde que o Brasil é um país culturalmente adepto do cimento para construções em geral, a experiência do eucalipto no país pode servir como um modelo para o uso do bambu. “O eucalipto foi introduzido no Brasil apenas no início do século 20, vindo da Austrália. Naquele momento não havia uma cadeia produtiva para essa planta. Ao longo dos anos foram realizadas pesquisas que estimularam uma série de aplicações, em um processo que levou tempo, demandou estudos, mas hoje o eucalipto é uma indústria robusta”, compara.
Imagem acima: floresta de bambu na cidade de Kamakura, no Japão (Crédito: Depositphoto)