O Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Unesp organizou, no último dia 26 de novembro, um evento que reuniu algumas das participações da Unesp na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) e propôs uma reflexão sobre o papel das universidades na crise climática. Se, do ponto de vista geopolítico, a avaliação foi de que, apesar de um cenário global conturbado, a Conferência foi capaz de avançar em alguns pontos relevantes para o enfrentamento da crise climática, no âmbito local a passagem por Belém estimulou os pesquisadores a repensarem a atuação da universidade, sugerindo a aproximação com comunidades tradicionais e indígenas e a elaboração de projetos que ajudem na manutenção da floresta em pé.
As diferentes formas de participação de pesquisadores e docentes unespianos no âmbito da COP 30 e dos eventos paralelos que ocorreram em Belém foram abordados durante a fala de abertura dos trabalhos, realizada pelo vice-reitor Cesar Martins, que também esteve na capital paraense durante alguns dias da Conferência.
Na sua visão, a ciência perpassou diversas discussões técnicas e políticas que foram travadas na COP, mas é inegável que a Conferência também desempenhou um papel menos científico, e ainda assim importante, de humanizar o debate climático. “O cuidado com a natureza, e a ideia de que somos parte dela, é um pressuposto muito básico para que a gente possa, de fato, avançar nessas metas e discussões”, afirmou.
Martins citou algumas medidas administrativas adotadas recentemente pela Unesp que estão em sintonia com temas debatidos em Belém. Um deles é o Escritório de Sustentabilidade, recém-criado, que tem entre seus objetivos realizar um balanço de emissões de carbono da instituição e elaborar um plano para a descarbonização das atividades. Outro exemplo é a portaria que exige que a frota de veículos da universidade seja abastecida apenas com etanol.
O vice-reitor congratulou a comunidade pela participação de diversos pesquisadores da Unesp nas atividades científicas que foram realizadas em paralelo à COP 30, que alcançaram uma dezena de eventos. Entre as discussões que, direta ou indiretamente, dialogavam com as principais discussões presentes na COP 30, com as quais dialogaram incluem-se a atuação das universidades diante da crise climática, a elaboração de políticas para o manejo integrado do fogo e de incêndios em um cenário de aquecimento do planeta, os impactos das mudanças climáticas na biodiversidade, metodologias para o cálculo do carbono estocado no solo florestal, as contribuições da química verde para a bioeconomia, entre outros assuntos.
“Acho que essa é uma das tarefas da universidade diante do desafio climático: buscar conhecimento, fomentar discussões e apresentar respostas para que a gente consiga viver em harmonia com todos os seres vivos”, disse Martins.

O encontro de avaliação dedicou atenção especial ao projeto Casa da Floresta, idealizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Unesp em parceria com o Instituto Peabiru, uma organização com quase trinta anos de atuação na região da Grande Belém em projetos socioambientais.
À frente da PROEC, o professor Raul Borges Guimarães explicou o conceito do projeto, que tem como princípio fundamental o estabelecimento da floresta em pé no centro da política de desenvolvimento do país.
O docente recordou que, historicamente, a destruição da floresta fez parte da formação territorial do Brasil. Esse processo incluiu ações violentas de eliminação e invisibilização dos povos originários e de seus saberes ancestrais. A Casa da Floresta, portanto, se estabeleceu sob a proposta de viabilizar ações práticas para a visibilidade e o intercâmbio com esses saberes, a partir de um diálogo horizontal entre academia e povos tradicionais.

Tal experiência, acredita Guimarães, pode ser replicada em outros municípios, regiões e biomas em que a Unesp tenha projetos extensionistas, abrindo inclusive a possibilidade para a submissão de projetos conjuntos em chamadas e editais públicos.
Assessora na PROEC, a professora Juliana Cortez se aprofundou na descrição a Casa da Floresta, detalhando a localização, que inclui um percurso de 12 minutos por barco até chegar ao município de Acará, vizinho a Belém, onde está localizada a sede do projeto.
Com o auxílio de imagens e apresentações, a docente apresentou a estrutura geodésica que abrigou a programação de painéis e rodas de conversa, bem como o projeto expográfico elaborado especialmente para a iniciativa, e que foi realizado com ajuda de artistas e artesãos locais. “Nossa intenção era trazer o conhecimento científico, mas sem imposições. A ideia era dialogar com as instituições que já estavam ali, como a UFPA, comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, pensando junto com eles sobre as demandas e as contribuições que eram possíveis”, explicou Cortez.
Docente do Departamento de Relações Internacionais da Unesp, no câmpus de Franca, Marília Carolina Pimenta também discorreu sobre o potencial da COP 30 para estimular a universidade brasileira a repensar sua atuação, de forma a incluir temas como a preservação da floresta e os saberes ancestrais.
Nos últimos anos, Pimenta tem se dedicado ao tema da segurança e da governança nas fronteiras amazônicas, pesquisando, por exemplo, o garimpo e a extração ilegal de madeiras, o assassinato de ativistas ambientais e a respectiva resposta estatal, com ações militarizadas de desintrusão.
Embora estas ações governamentais tenham sido importantes, a docente pondera que, transcorridos alguns meses, é provável que os garimpeiros retornem a esses locais. Para evitar esse retorno, será necessário escutar o que têm a dizer os povos da região. “Nós já temos os códigos e as dimensões de desenvolvimento e de soberania territorial criados por essas comunidades indígenas. Precisamos ouvi-las e fazer uma co-constituição desse conhecimento para repensar a soberania dessas regiões”, disse.
Analisando a COP 30, Pimenta contextualizou o momento geopolítico conturbado em que o evento foi realizado, destacando especialmente a ausência dos Estados Unidos, mas celebrando o papel do Brasil como mediador das demandas entre o Sul e o Norte Global, e a proposta de levar o principal fórum de debate climático para uma cidade amazônica.
“O resultado é um texto final mais fragmentado que os anteriores e que descentraliza a agenda climática, mas que, ao mesmo tempo, abre espaço para negociações bilaterais”, destaca a pesquisadora, traçando um paralelo com as negociações realizadas no âmbito das rodadas da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Uma vez que não estamos conseguindo chegar a um consenso macro, então abre-se a agenda para as negociações acontecerem ao livre desejo dos atores. Talvez não seja a saída ideal, mas é uma saída ótima dentro de um contexto adverso”, disse.
Coordenador-executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI), o professor Davis Sansolo relatou suas impressões sobre a COP 30, destacando que a Conferência reforçou a necessidade de uma transição da matriz fóssil para uma renovável, mas que seja feita de forma justa, citando exemplos de comunidades no litoral nordestino que têm sido negativamente impactadas por projetos de geração eólica e fotovoltaica.
Outro ponto fundamental, segundo Sansolo, foi a importância atribuída à preservação das florestas tropicais em pé como estratégia de fixação de carbono e regulação climática. “Para esse objetivo existem várias propostas, inclusive dentro da lógica capitalista. Vemos várias indústrias de cosméticos se relacionando com as comunidades amazônicas em relações muitas vezes questionáveis, e que merecem ser objetos de pesquisa antes de fazermos algum juízo de valor”, afirmou. Por fim, o professor também enfatizou o protagonismo indígena no processo de conservação das florestas.
Sansolo, que também esteve presente na Casa da Floresta, traçou um paralelo entre o projeto estabelecido no município de Acará e o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL), principalmente pela capacidade de ambos de se articularem com comunidades que não costumam estar contempladas na academia e, a partir dessa relação, construir coletivamente respostas para suas demandas. “Participar dessas ricas experiências nos ajudou a refletir sobre a universidade que queremos para o futuro. Uma universidade que dialogue com essas outras realidades e construa com essas comunidades o conhecimento”, disse.
Imagem acima: Belém – Indígenas participam da abertura da Aldeia COP durante a 30ª Conferência das Partes (COP30). Crédito: Aline Massuca/COP30
