Teve início esta manhã em Belém a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que se estenderá até 21 de novembro. A conferência, organizada anualmente pela ONU, reúne chefes de Estado, diplomatas, cientistas e organizações civis para negociar caminhos de mitigação e adaptação à crise climática. Entre os temas que devem dominar as negociações estão a redução das emissões de gases de efeito estufa, a adaptação às mudanças já em curso, o financiamento climático destinado a países em desenvolvimento e o avanço de tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono, além de debates sobre preservação das florestas, proteção da biodiversidade, justiça climática e os impactos sociais.
Como anfitrião do evento, o Brasil chega hoje ao encontro em meio a uma controvérsia que extrapola o debate ambiental: a recente liberação do Ibama para que a Petrobras investigue a possibilidade de exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Em entrevista à Rádio Unesp, a pesquisadora em Relações Internacionais e especialista em política ambiental global Fernanda Mello Sant’Anna, analisou o panorama político e diplomático que cerca as negociações durante esta edição da COP.
Sant’Anna, que é docente do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, câmpus de Franca, reconhece que a recente autorização obtida pela Petrobras afeta a imagem do Brasil, que ocupa uma posição de destaque no campo da diplomacia ambiental. Ressalta, entretanto, que a contradição não é exclusivamente brasileira. “Todos os países que podem explorar petróleo em seu território nunca deixam de explorar”, pontua.
Sant’Anna observa que o governo atual tenta usar a conferência como forma de recuperar protagonismo diplomático após o isolamento verificado nos anos anteriores, abordando a agenda ambiental como ferramenta de política externa. Entretanto, essa abordagem esbarra em dificuldades internas. A pesquisadora ressalta que o país ainda enfrenta os efeitos do desmonte das políticas ambientais ocorrido no governo anterior, o que fragiliza a capacidade de avançar em metas climáticas. O distanciamento entre o Executivo e o Congresso, marcado pelo fortalecimento da bancada ruralista, torna mais difícil consolidar políticas de fiscalização e mitigação de danos ambientais, comprometendo a coerência da atuação brasileira no exterior.
As dinâmicas diplomáticas que se desdobraram entre a COP do ano passado e a deste ano também revelam mudanças graduais. Para a docente, as diferenças não são profundas quando comparadas ano a ano. Mas a escolha de Belém como sede brasileira do evento introduziu uma alteração importante no foco do debate.
A cidade, situada no coração da Amazônia, devolve visibilidade às populações, às cidades e às complexidades que envolvem as florestas tropicais. Por outro lado, observa a pesquisadora, a intensificação de um processo de financeirização das negociações climáticas tem ofuscado a discussão de outras pautas. “Desde o Protocolo de Kyoto e seus mecanismos de desenvolvimento limpo, a preocupação passou a concentrar-se cada vez mais nos instrumentos financeiros, enquanto outras questões, como a justiça climática, foram sendo deixadas em segundo plano”, diz.
Nesse sentido, a especialista observa que a presidência brasileira oferece um contraponto às edições anteriores, ao colocar as desigualdades no centro das discussões da conferência. “Quando tratamos de justiça social, justiça ambiental e justiça climática, estamos nos referindo a como pessoas marcadas por diferentes formas de desigualdade serão impactadas por essa transição energética e ecológica”, explica ela.
A presença dos povos originários deve ganhar destaque na COP 30, especialmente por ocorrer em território amazônico. Sant’Anna acredita que haverá grande visibilidade internacional para essas comunidades, embora isso não signifique que suas demandas serão incorporadas aos documentos finais da conferência. Ela destaca que os movimentos indígenas, como a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), atuam de forma autônoma e apresentam críticas aos instrumentos de mercado e ao impacto das políticas ambientais sobre seus territórios. “Esses grupos desempenham um papel fundamental quando falamos em transição ecológica e energética. No entanto, são também grupos que foram, e continuam sendo, profundamente marginalizados”, ressalta.
Outro ponto que deve marcar as relações diplomáticas na conferência é a ausência dos Estados Unidos e da Argentina. No caso norte-americano, a docente aponta que o impacto seria significativo, já que o país sempre ocupou um lugar central no regime climático. “O fato de os Estados Unidos não terem entrado no Protocolo de Kyoto sempre serviu como um elo fraco do regime internacional de mudança climática, já que um dos maiores emissores permaneceu de fora”, diz a docente. A ausência de Donald Trump da COP 30 reforçaria o afastamento dos EUA desse debate.
No caso da Argentina, que está na lista de credenciamento, mas cuja participação ainda não foi confirmada, Sant’Anna observa que a postura negacionista do governo Milei e o desmonte das políticas ambientais internas seguem uma lógica semelhante à vista no Brasil durante o governo Bolsonaro. Embora não tenha o peso geopolítico dos Estados Unidos, a ausência do vizinho argentino também é esperada.
Ouça a entrevista completa na na Unesp FM.
Imagem acima: O Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Simon Stiell (esquerda), e o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, durante coletiva de imprensa após a abertura da 30a. Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, na COP30. Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil
