Como parte da programação oficial da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30), que começa no próximo dia 10 de novembro, em Belém, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vai organizar a Casa da Ciência do Brasil em Mudanças Climáticas, um espaço para debates entre cientistas e estudiosos de diferentes áreas. A Casa funcionará de 11 a 21 de novembro no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém. Entre os convidados pelo MCTI para participar das palestras e debates estão os docentes da Unesp Enner Herenio de Alcântara, do Instituto de Ciência e Tecnologia de São José dos Campos, e Leonor Patrícia Cerdeira Morellato, do Instituto de Biociências de Rio Claro, que dirige o Centro de Pesquisa da Biodiversidade e Mudança do Clima (CBioClima).
Alcântara participará de uma mesa-redonda com a apresentação “Da previsão à compreensão: GeoAI integrada para sistemas de alerta e risco”. O professor, que pesquisa modelagem preditiva aplicada a eventos extremos e leciona no programa de pós-graduação em Desastres Naturais, abordará o potencial da inteligência artificial geoespacial (GeoAI) e dos dados de satélite para aprimorar os sistemas de alerta precoce de desastres.
“Pretendo discutir a transição de modelos puramente preditivos para abordagens capazes de compreender os mecanismos físicos e sociais que geram os desastres, identificando limiares críticos e padrões espaciais de risco”, explica. Esse recurso permite compreender como fatores climáticos, hidrológicos e territoriais se combinam para gerar riscos múltiplos e amplificar eventos extremos.
“O foco é demonstrar que prever não basta: é preciso compreender as causas e interconexões que tornam certos territórios mais suscetíveis, contribuindo para políticas de adaptação, planejamento urbano e gestão sustentável diante de um clima em rápida transformação”, diz.
Em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Alcântara conduziu estudos que utilizaram inteligência artificial (IA) para mapear zonas de risco de deslizamento em São Sebastião, município de São Paulo. De acordo com o pesquisador, essa nova abordagem, que integra ciência de dados, engenharia ambiental e políticas públicas, é fundamental para apoiar a gestão de riscos em um contexto no qual enchentes, secas, deslizamentos e ondas de calor se tornam mais frequentes e intensas.
“Nos estudos que desenvolvemos na Unesp, observamos que esses desastres não são apenas consequência de fenômenos naturais, mas sim o resultado das interações entre fatores climáticos, ambientais e sociais”, diz o docente. Ocupações irregulares, infraestrutura precária e degradação ambiental são fatores que, alinhados ao clima e à dinâmica hidrológica, representam um grave risco às populações. Por isso, a condução de pesquisas nesse sentido é essencial para reduzir os efeitos de eventos extremos.
Além de discutir tecnologias de prevenção e alerta, o docente pretende enfatizar a formação de novas gerações de engenheiros e cientistas ambientais, preparados para lidar com grandes volumes de dados e incertezas decorrentes da crise climática. “Essa é uma agenda estratégica para o Brasil, que precisa fortalecer sua capacidade científica e tecnológica diante de riscos cada vez mais complexos”, diz.
Plantas como indicadores das mudanças climáticas
A botânica Leonor Morellato participará de uma mesa-redonda em que apresentará as redes de monitoramento de fenologia de plantas e seu papel na detecção de mudanças climáticas. Fenologia é o campo da biologia que estuda o desenvolvimento das plantas, desde a germinação, emergência, crescimento e desenvolvimento vegetativo, florescimento, frutificação, até a formação das sementes e maturação, e as relações com o ambiente externo.
O acompanhamento do ciclo das plantas ao longo das estações permite identificar mudanças relacionadas à temperatura e à precipitação, que impactam a captação e emissão de carbono e a dinâmica das vegetações. “Com esses estudos, temos uma noção mais acurada de quais são os gatilhos que determinam o início, a duração e o fim dessas estações de crescimento, que estão relacionadas à produção de folhas”, diz a docente.
Morellato colaborou com um estudo que detectou alterações nos gatilhos ambientais do Cerrado, que encurtaram as estações de floração e frutificação devido à diminuição da precipitação e ao aumento da temperatura. “É o primeiro trabalho a mostrar, de forma mais contundente, o efeito das mudanças climáticas na reprodução da flora do Cerrado”, diz.
Mudanças nos gatilhos climáticos podem gerar um efeito em cascata nas vegetações e afetar todo o ecossistema. “Se esse cenário de gatilhos [ambientais] muda, a planta pode perder seus botões – como já detectamos – ou então florescer mais tarde. Nesse processo, o animal polinizador pode não ser afetado pelo mesmo gatilho. Nesse caso, ao chegar à floresta, ele não encontrará as flores que costuma polinizar”, explica a professora. Morellato ressalta que o monitoramento do desenvolvimento da vegetação pode ser importante indicador para monitorar os impactos das mudanças climáticas não apenas sobre a flora, mas também sobre a fauna do planeta. No Hemisfério Norte, fenômenos semelhantes estão levando à antecipação das estações do ano e da floração das plantas. “Há também casos alterações envolvendo a migração de aves, o canto de anfíbios e outros efeitos que afetam não só as plantas”, diz.
Expectativas para a COP30
Para Morellato, a COP30 trará grandes desafios, devido à ausência de avanços significativos nas últimas conferências, e ela aponta o mercado de carbono e o controle das emissões de gases de efeito estufa como exemplos de medidas que não alcançaram o impacto desejado. Mesmo assim, ela se diz otimista diante de iniciativas recentes, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, aprovado pelo Banco Mundial, que visa captar recursos para a preservação de biomas.
“As mudanças no clima estão totalmente associadas à conservação da biodiversidade. É importante ressaltar isso, porque talvez uma das nossas falhas como pesquisadores e ambientalistas tenha sido dissociar demais essas duas esferas. Elas caminham juntas e dependem uma da outra. Acredito que o ano de 2024 foi muito esclarecedor quanto aos impactos das mudanças climáticas. Espero que possamos avançar, de alguma maneira, para conter essas mudanças”, diz.
Alcântara destaca o valor simbólico, científico e histórico do fato de que a COP30 seja realizada em Belém, no coração da Amazônia. Para ele, o evento representa uma oportunidade para que o Brasil reafirme seu protagonismo na agenda climática global, conectando o conhecimento científico produzido nas universidades com as decisões políticas dos países das Nações Unidas.
“Minhas expectativas são de que essa COP amplie o diálogo entre ciência, sociedade e políticas públicas, valorizando a pesquisa nacional e fortalecendo compromissos concretos com a redução de emissões, adaptação climática e proteção dos ecossistemas tropicais”, diz. Alcântara espera que o evento valorize a educação científica e tecnológica como um meio de transformar o mundo, tornando-o mais sustentável. “A Unesp, com sua forte atuação em pesquisa ambiental e inovação, tem muito a contribuir nesse processo, mostrando que a ciência brasileira é parte fundamental das soluções climáticas globais”, diz.
Ambos consideram que um bom resultado da COP30 seria a realização de pactos de implementação e acordos de compromisso com ações concretas e mensuráveis, que incluam investimentos, metas claras e promovam a cooperação entre governos, universidades e comunidades locais. Para o estabelecimento desses acordos, é essencial que a ciência forneça dados, informações e subsídios baseados em pesquisas para orientar as decisões. Além disso, os docentes também afirmam que os governos precisam se comprometer com os acordos já firmados para combater os efeitos das mudanças climáticas.
“Os países precisam avançar efetivamente em seus compromissos, como o Acordo de Paris ou o programa Desmatamento Zero. É óbvio que ocorreu um revés muito grande, porque um dos maiores poluidores, os Estados Unidos, adotou uma postura negacionista ao dizer que a mudança climática não existe. É um trabalho difícil, e qualquer passo que dermos para frente, que não seja dois passinhos para trás, como aconteceu nas últimas COPs, será muito importante”, diz Morellato.
“Do ponto de vista científico e social, um bom resultado seria também o reconhecimento da Amazônia como um laboratório natural de soluções climáticas, onde o conhecimento tradicional e a pesquisa acadêmica possam caminhar juntos para construir estratégias sustentáveis de convivência com o clima extremo”, diz Alcântara.
Imagem acima:CBioClima
