Cessar-fogo entre Israel e Hamas é vitória para o povo palestino, porém “relativa e triste”, avalia docente da Unesp

Para Héctor Luis Saint-Pierre, vice-coordenador do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, resistência do povo árabe inseriu a questão da Palestina na agenda internacional. Reconhecimento do papel-chave desempenhado por Donald Trump para o acordo é boa notícia em momento em que seu governo enfrenta controvérsias e queda de popularidade.

O presidente dos EUA, Donald Trump, assinou nesta segunda-feira, 13/10, no Egito, o acordo de cessar-fogo em Gaza durante a cúpula que discute os próximos passos do processo de paz na Faixa de Gaza. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não estava presente. Dentre as lideranças que acompanharam a assinatura estavam o presidente da França, o chefe do governo espanhol, o primeiro-ministro do Reino Unido e a primeira-ministra da Itália, além de líderes da Alemanha, Turquia, Catar, Indonésia e do próprio Egito.

No mesmo dia, os vinte reféns israelenses ainda em poder do grupo Hamas foram libertados após 738 dias de cativeiro na Faixa de Gaza, e também foram entregues os corpos de quatro reféns falecidos. Israel, em contrapartida, libertou também palestinos que estavam presos em prisões em seu território. Também foi iniciado o processo de devolução dos corpos de reféns mortos e de prisioneiros palestinos libertados, sob acompanhamento de equipes médicas e do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

As etapas seguintes após o cessar-fogo e a libertação dos respectivos prisioneiros preveem a criação de um comitê internacional de supervisão humanitária e a retirada gradual das tropas israelenses que estão em Gaza, abandonando a Cidade de Gaza e Khan Younis.

Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, o Estado judeu e o povo palestino vivem em conflito, que resultou em diversas guerras. A guerra atual teve início em 7 de outubro de 2023, quando um ataque surpresa do Hamas resultou na morte de aproximadamente 1.200 israelenses e na tomada de 251 reféns.

Especialista em segurança internacional e vice-coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, Héctor Luis Saint-Pierre analisa o acordo que Israel e o Hamas assinaram sob pressão do governo dos Estados Unidos e do presidente Donald Trump.

“Não se trata de um acordo de paz, mas de um cessar-fogo. Há uma suspensão de um combate que pode prosseguir a qualquer momento. O conflito é permanente, já dura mais de 70 anos. Mais do que uma guerra, é um genocídio, como definido pelo Tribunal Penal Internacional. Pode ser algo transitório como uma chuva de verão, mas é um alívio. Estava morrendo muita gente inocente, muita gente passando fome”, diz.

Ele enumera a destruição causada pela ofensiva israelense, que inclui a morte de milhares de mulheres e crianças, o ataque a centros de culto religioso, hospitais, universidades e escolas. E pondera que os palestinos estão animados. “Eles estão bastante contentes com a possibilidade de retornar, ainda que, como se pode ver pelas fotos, a Faixa de Gaza tenha ficado reduzida a ruínas”, diz.

Saint-Pierre pensa que o líder israelense poderá aproveitar a trégua, que será vigiada e controlada, para operar em outras frentes. “A questão de Netanyahu é expandir a guerra para o Oriente Médio. Já houve ataques na Cisjordânia, é possível que continuem. Estão bombardeando a Síria e estabelecendo bases para isolar o Irã, que, na visão de Netanyahu, seria o inimigo principal de Israel”, diz.

Saint-Pierre diz que a assinatura do cessar-fogo ocorreu em um momento politicamente difícil para Donald Trump, cuja popularidade vem caindo vertiginosamente. Trump vem de uma série de decisões extremamente controversas, como a mobilização de tropas para intervir em cidades norte-americanas. “A maioria das Forças Armadas norte-americanas é legalista. A recente reunião entre os generais dos EUA, Trump e o secretário de Defesa foi patética”, diz.

O fato ocorreu porque Trump pressionou Netanyahu. “O objetivo de Netanyahu era levar a cabo o genocídio contra o povo palestino. Trump precisava resolver a questão palestina devido à forte pressão, externa e interna. Ele está cortando financiamentos de universidades por atitudes consideradas antissemitas, quando, na realidade, os palestinos são um povo semita. Toda essa situação precisava chegar a um fim para que Trump se recomponha para as próximas eleições, satisfazendo um pouco as críticas externas”, diz.

Entre os presos cuja soltura foi solicitada como parte do acordo, mas que Israel não atendeu, estão lideranças políticas expressivas, que poderiam reunir a Cisjordânia e a Faixa de Gaza numa mesma administração e, talvez, chegar a um Estado palestino, algo que Netanyahu já disse considerar inadmissível.

Para o docente, o cessar-fogo representa uma vitória palestina, ainda que relativa e triste. “Relativa porque ainda não está constituída como uma vitória total. Triste porque resultou na morte de talvez mais de 100 mil pessoas nesta guerra estúpida”, diz. Um elemento de vitória está na projeção global alcançada pela causa palestina, reconhecida por países como França e Inglaterra. “A causa palestina foi, inequivocamente, colocada na agenda internacional. Mas não significa uma vitória feliz”, avalia.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast Mundo e Política.

Imagem acima: Donald Trump e demais líderes presentes em cerimônia de assinatura do cessar-fogo entre Israel e Hamas, no Egito. Crédito: Casa Branca.