Na manhã desta quinta-feira (9), o húngaro László Krasznahorkai entrou para a célebre lista de laureados do Nobel de Literatura. No anúncio oficial, a Academia Sueca, responsável pela premiação, chamou a atenção para “sua obra envolvente e visionária que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”.
Autor de 21 livros, entre contos, romances e novelas, Krasznahorkai é conhecido por seus romances distópicos e melancólicos, e por ser um expoente da literatura épica dentro da tradição centro-europeia — comumente citado ao lado de grandes nomes como Kafka e Thomas Bernhard. O autor também é reconhecido por imprimir em suas produções um olhar apocalíptico sobre o mundo moderno, aliado a uma profunda reflexão sobre a condição humana.
“Krasznahorkai era um candidato vitalício. Seu nome era cotado e mencionado há muitos anos”, diz Zsuzsanna Spiry, tradutora do livro O Retorno do Barão Wenckheim, com lançamento previsto pela Companhia das Letras para o início de 2026. “Acho que emplacou este ano exatamente porque a sua obra discute e escancara o absurdo de situações como as que estão acontecendo em Gaza”, diz.
Por enquanto, no Brasil, a única obra do autor é Sátántangó (O tango de Satanás, em tradução livre), seu romance de estreia publicado em 1985 e editado pela Companhia das Letras. A narrativa se concentra em uma vila húngara decadente, onde a chuva não para de cair e cujos habitantes estão praticamente isolados do mundo exterior. O personagem principal, Irimiás, um vigarista que se faz passar por salvador, chega à propriedade e conquista um poder quase ilimitado sobre os moradores.
“Sempre pensei em Sátántangó como um ‘Grande Sertão’ húngaro no qual, em vez de seca, chove o tempo todo. O livro é uma magnífica alegoria sobre a armadilha dos regimes populistas”, diz Paulo Schiller, tradutor do romance para o português. O trabalho ganhou o Prêmio Paulo Rónai de melhor tradução em 2023.
Em 2015, o autor foi premiado com o Man Booker International Prize, honraria que reconhece a influência de escritores vivos no campo da literatura. Em 2018, o autor voltou a ser indicado ao prêmio, chegando à posição de finalista. Por isso, Schiller não se surpreendeu com a nomeação. “Um prêmio merecidíssimo. Depois do Booker Prize, sempre acreditei que László ganharia o Nobel”, diz.
Além da melancolia distópica, outro traço marcante nas obras do laureado é sua técnica. O autor muitas vezes subverte a escrita tradicional e insere, no decorrer do texto, frases longas, sem pontuação, que podem se estender por páginas inteiras. “Logo no começo de O Retorno do Barão Wenckheim, aparecem frases de sete páginas. É uma loucura, você não consegue respirar, e a leitura não é uma tarefa fácil. Vejo isso como uma forma de transpor no papel uma leitura tão árdua quanto as situações sobre as quais ele trata”, diz Spiry.
Outro exemplo é o livro HERSCHT 07769, previsto para ser publicado pela Companhia das Letras em data ainda não divulgada, descrito como “um romance monumental de mais de 400 páginas escrito em uma só frase”.
“Em uma primeira leitura, o que chama a atenção nos romances de Krasznahorkai é a forma, enquanto exercício bastante autoconsciente”, diz Claudimar Pereira da Silva, doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Araraquara, que acompanha a produção do húngaro. Soma-se como diferencial também o teor político que impregna suas obras, recheadas de conflitos existenciais, políticos e sociais. Publicado quatro anos antes da queda do Muro de Berlim, Sátántangó é considerado um retrato do colapso de uma comunidade rural pouco antes da queda do comunismo, e evidencia a vulnerabilidade das populações à mercê do populismo e de difíceis transições políticas.
Apesar das quatro décadas que separam a primeira edição do livro e a indicação ao Nobel, suas frases permanecem atuais e ganham novas camadas de sentido diante das tensões sociais contemporâneas. “Seus romances foram descritos como apocalípticos e isso, eu diria, faz com que ele esteja, de forma surpreendente, mais sintonizado com os tempos atuais do que talvez estivesse em 1985”, comentou Steve Sem-Sandberg, membro do comitê do Nobel de Literatura, durante a cerimônia de anúncio.
“A Academia Sueca, famosa por um apelo humanista criterioso na escolha de seus prêmios Nobel de Literatura, parece ter escolhido Krasznahorkai como um alerta sobre os impulsos populistas e totalitários que pululam na extrema direita”, reforça Silva. Nesse sentido, Schiller lembra que, quando perguntaram a Krasznahorkai por que alguém leria um livro tão demandante como Sátántangó, o autor respondeu: “porque o livro fala sobre você, e sobre cada um de nós”.
Literatura pautada por viagens
Krasznahorkai nasceu em 1954, na cidade de Gyula, na Hungria. Sua produção sempre esteve profundamente ligada às viagens que empreendeu em busca de inspiração.
Deixou a Hungria pela primeira vez em 1987, quando passou um ano na Berlim Ocidental com o auxílio de uma bolsa de estudos. Mais tarde, visitou a Mongólia e a China, onde encontrou inspiração para obras como The Prisoner of Urga (1992), que acompanha a jornada de um homem pela ferrovia transiberiana, da Mongólia à China, e Sorrow Beneath the Heavens (2004), na qual o narrador viaja pela China buscando compreender como a sociedade contemporânea chinesa se relaciona com a cultura clássica do país.
A escrita de War and War (1999) demandou viagens extensas pela Europa e incluiu uma temporada no apartamento do poeta Allen Ginsberg, em Nova York. O livro retrata a obsessiva missão de um húngaro de preservar a obra de um escritor esquecido, que narra a história de dois irmãos de armas lutando para retornar para casa após uma guerra desastrosa. Com essa missão, o personagem decide viajar para Nova York e digitalizar o manuscrito, como forma de eternizar o achado na internet.
Em três temporadas, nos anos de 1996, 2000 e 2005, Krasznahorkai passou seis meses em Kyoto, no Japão, e atribui a essas estadias uma influência significativa sobre seu estilo de escrita e seus temas de preferência. O período no país nipônico inspirou a escrita do livro Saiobo There Below (2013), que narra a história de uma deusa japonesa que visita o mundo mortal repetidas vezes, em busca de perfeição.
Já no começo de 2026, os leitores brasileiros poderão conferir O Retorno do Barão Wenckheim. O romance narra a história do barão Béla Wenckheim, que retorna à sua cidade natal, no interior da Hungria, no fim da vida, na esperança de reencontrar um antigo amor. Em vez disso, é recebido por moradores que acreditam que ele carrega uma grande fortuna capaz de transformar o destino da cidade. Assim como em Sátántangó, The Melancholy of Resistance e War and War, O Retorno do Barão Wenckheim apresenta uma pequena cidade húngara que espelha a cidade natal de Krasznahorkai, Gyula.
A semana de premiações terá continuidade amanhã (10), com o anúncio dos laureados do Nobel da Paz. Até o momento, já foram divulgados os vencedores do Prêmio de Medicina ou Fisiologia, de Física e de Química. A cerimônia de entrega dos prêmios será realizada no dia 10 de dezembro.
Acima: ilustração de László Krasznahorkai. Crédito: Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach