A Unesp está organizando a 5ª edição da Olimpíada Brasileira de Biologia Sintética (OBBS). A competição, voltada a estudantes de Ensino Fundamental e Médio, ocorre em duas etapas. A primeira fase consiste em quarenta questões de múltipla escolha respondidas online entre os dias 1 e 8 de setembro. As inscrições, inclusive, permanecem abertas até o último dia — acesse o site oficial para mais informações. A segunda fase, entre 6 e 13 de outubro, tem 25 questões. Em ambos os casos, os concorrentes têm 24h para completar a prova após iniciá-la.
As questões não exigem quaisquer conhecimentos prévios sobre a área. Toda a informação necessária para respondê-las está disponível nos próprios enunciados e textos de apoio, e basta aos estudantes mobilizarem suas capacidades de interpretação de texto e de raciocínio lógico para acharem as respostas certas.
O objetivo dessa iniciativa, criada em 2021 por alunos de graduação da Escola de Engenharia de Lorena da USP, é apresentar a biologia sintética aos adolescentes e interessá-los na área.
A turma de Lorena teve a ideia após participar da competição anual iGEM, uma organização internacional que promove diversas iniciativas sobre o tema. O concurso nasceu em 2003 no MIT, e hoje conta com a participação de estudantes de graduação e pós de mais de 40 países.
Até 2024, os próprios alunos da USP organizavam a Olimpíada em parceria com a Associação Brasileira de Biologia Sintética (SynBioBR). A edição de 2025 é a primeira sob a batuta da Unesp. Também é pioneira em dispor de uma equipe fixa, formada por pesquisadores, professores, pós-graduandos e outros colaboradores de diversas instituições brasileiras. Além da SynBioBR, a Universidade Federal do ABC, a Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto Vertere são apoiadores.
Douglas Mendel, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp que encabeça a organização do evento, explica que o quadro fixo ajuda na obtenção de dinheiro e assegura a manutenção do evento nos próximos anos.
“O estudante de graduação ou de pós vai se formar um dia, e pode ser que não haja um sucessor para continuar a proposta. Além disso, os recursos de editais e de agências de fomento requerem a participação de pessoas que estejam no quadro permanente de instituições de pesquisa e ensino.”
A edição atual conta com um número inédito de inscritos: mais de 10 mil, contra o recorde anterior de 4 mil. Todos os candidatos que acertarem no mínimo 18 questões na primeira fase receberão um certificado de participação. Para chegar à segunda etapa, é preciso acertar no mínimo 28 questões na primeira — os classificados serão anunciados em 22 de setembro. Na segunda prova, os cem melhores candidatos de cada uma das cinco regiões do país receberão medalhas de honra ao mérito.
Os vencedores receberão dez bolsas de Iniciação Científica Júnior (ICJ) no valor de R$ 300 mensais, distribuídas pelo Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), para que os agraciados conduzam um projeto de pesquisa ao longo do ano letivo de 2026. Serão duas por região do país.
O que é a biologia sintética
No final dos anos 1970, a fabricação de meio quilo de insulina — o equivalente a um estoque de um ano para 750 pessoas com diabetes — demandava 3,6 mil kg de glândulas pancreáticas, extraídas de 23,5 mil porcos e vacas. O rendimento modesto e as flutuações nos preços desses animais ameaçavam a manutenção dos estoques.
Em 1978, a empresa de biotecnologia Genentech e o Centro Médico City of Hope, ambos na Califórnia, começaram a investigar métodos para inserir o gene da insulina humana em bactérias da espécie E. coli, de modo a torná-las capazes de produzir o hormônio para nós. Em 1982, a versão sintética foi aprovada pela FDA, a equivalente americana da Anvisa, e chegou às gôndolas.
Esse avanço foi revolucionário para a saúde pública na época, se tornou um exemplo pioneiro de como podemos modificar as sequências de reações bioquímicas dentro de uma célula — ou até projetá-la do zero — com a finalidade de produzir substâncias ou realizar tarefas úteis para nós.
A biologia sintética leva essa ideia além. Hoje, não estamos mais limitados à inserção ou remoção de genes individuais. Usando princípios da engenharia e das ciências da computação, tornou-se possível escrever e reescrever trechos inteiros de genoma do zero. Já existem sistemas vivos análogos a circuitos eletrônicos — capazes, por exemplo, de detectar luz.
“Às vezes, para que uma molécula de interesse seja produzida em larga escala, pode ser necessário reprimir algum gene, expressar algum outro gene, trabalhar com circuitos genéticos um pouco mais complexos”, explica Mendel. “Você pode reprogramar boa parte do metabolismo de um organismo e desviá-lo para a produção dessa substância”
As possibilidades vão do estritamente prático, como bactérias que degradam plástico e outros poluentes, até robôs de 1 milímetro fabricados com células-tronco de sapo, que nadam com auxílio de cílios (como o flagelo de um espermatozoide, mas curtinhos e numerosos) e sabem trabalhar em grupo. O movimento dessas criaturinhas de laboratório também depende da contração muscular rítmica de células que, normalmente, fariam parte do coração desses anfíbios.
Em 2010, a equipe do biólogo-empresário americano John Craig Venter montou uma longa molécula de DNA contendo todo o código genético de uma bactéria da espécie Mycoplasma mycoides. Ao inserir esse cromossomo artificial em uma célula de outro microrganismo, ela passou a se comportar de acordo com as instruções do genoma enxertado.
A criação de um ser vivo inédito, do zero, abre caminho para respondermos questões sobre os limites da simplicidade da vida como a conhecemos. “Você pode começar a se perguntar qual é a quantidade de informação mínima para que um sistema biológico opere de forma funcional”, explica Mendel. “Qual é o número mínimo de genes que ele precisa para desempenhar todas as funções biológicas necessárias, se replicar de forma autônoma e sintetizar as proteínas que ele precisa para sobreviver?”
A biologia sintética está por trás de muitos avanços científicos recentes que tiveram impacto midiático, como a criação de hambúrgueres com carne cultivada a partir de células bovinas, sem abate de animais, e a terapia Kymriah da farmacêutica Novartis, que envolve coletar e modificar o genoma de células do sistema imunológico de pacientes de câncer para “ensiná-las” a combater o tumor. Nas provas da Olimpíada, os adolescentes terão um vislumbre de como é possível programar seres vivos para alcançar fins como esses.
Acima, uma imagem de um xenobô, nome dado a um organismo concebido primeiro nas pranchetas dos pesquisadores. Este aqui, mostrado em uma imagem de 2020, é formado por células cardíacas (vermelho) e células da pele (verde) de um sapo, e é o produto do trabalho dos cientistas Sam Kriegman, Douglas Blackiston, Michael Levin e Josh Bongard, que desejavam compreender melhor o funcionamento das céulias vivas. Crédito:
. de vida que Um organismo projetado por computador. Esquerda: o projeto descoberto pelo método de busca computacional em simulação. Direita: o organismo físico implantado, construído inteiramente a partir de tecido biológico (pele de sapo (verde) e músculo cardíaco (vermelho)). Crédito: Wikimedia Commons/Sam Kriegman – https://cdorgs.github.io