Juliane Gamboa: o abraço entre o samba, o jazz e a ancestralidade

Cantora se iniciou na música pelas rodas de samba, e aos poucos expandiu seu universo artístico e chegou ao primeiro álbum apresentando-se como “JAZZWOMAN”.

A cantora, intérprete e compositora Juliane Gamboa já nasceu em berço musical. Em sua casa na cidade de Petrópolis, no interior do estado do Rio de Janeiro, convivia com o pai percussionista e a mãe que gostava de levá-la a shows. Logo a música se tornou sua brincadeira preferida, bem antes de se tornar profissão.

“Cresci no Morro da Cocada. Nesse período de primeira infância, a música estava sempre presente, fosse nos encontros de família, nos churrascos ou por meio do rádio. Logo depois, minha família se tornou católica, então a música católica se fez muito presente. O samba, porém, era minha principal referência na época, especialmente o grupo Fundo de Quintal”, lembra.

Embora reconhecesse sua verve musical, Juliane não pensava em viver profissionalmente da música. “O bichinho da música sempre esteve ali. Mas confesso que ser profissional era uma coisa meio utópica e me causava um pouco de medo. Meu pai foi músico, mas não me recomendou muito a carreira porque tinha muita preocupação comigo”, lembra. O que a levou à frente artisticamente foi seu próprio desejo de se aprimorar. Frequentou cursos livres de música e mergulho no computador, onde passava horas aprendendo a tocar as músicas de que gostava no violão.

Juliane cantou na igreja por dois anos. Depois começou a gravar vídeos e áudios e postar na internet, buscando se conectar com pessoas que tinham as mesmas referências. “Essas postagens de vídeo, e o uso do Sound Cloud, eram um meio de me expressar por meio da música, e de me conectar com outras pessoas. Mas eram um hobby, um grande hobby que me ocupava bastante”, diz. O medo de assumir uma carreira profissional manteve-a ao largo de uma faculdade de música. Mas, escondido sob o sentimento de insegurança estava o desejo de se libertar destas limitações.

Posteriormente, Juliane mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro e cursou graduação em História da Arte na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesse período, começou a frequentar um espaço no Centro da cidade chamado de “Casa do Nando”, próximo à região conhecida como Pedra do Sal. O espaço era, literalmente, a residência de um homem apelidado de Nando, que, graças às suas conexões pessoais, recebia jovens talentos da cena musical da cidade, formando o que a cantora chama de “rodas de samba do Lado B”.

“Músicos e pessoas chegavam à Casa do Nando para tocar e fazer um som alternativo, tanto durante as rodas quanto nos intervalos. Passei a frequentar esse lugar, me tornei amiga de todo mundo. Comecei a cantar lá. As pessoas gostavam de me ouvir, e recebi um convite para fazer meu primeiro show. Eu ainda era bastante inexperiente, nunca tinha feito um show meu. Depois, sem que eu buscasse, vieram naturalmente outros convites”, lembra.

Neste ritmo natural, começou a cantar profissionalmente em 2017. No ano seguinte largou o emprego de carteira assinada, como arte educadora, para viver só da música. “Ainda sentia que estava tateando, entendendo o que queria fazer. Achava que queria cantar samba, mas, ao mesmo tempo, não era um lugar em que me sentisse 100% confortável. E também gostava de cantar outras coisas”, diz.

Em busca do tipo de cantora que queria ser, em 2018 participou, pela primeira vez, de um festival, o ” Mississipi Delta Blues Bar”. O evento, um jantar regado a Blues, ocorre na cidade de Caxias do Sul, RS, mas também possui um braço no bairro Gamboa, no Centro do Rio. “Foi nesse ano que falei:  bom, agora sou cantora, é isso mesmo”, diz.

Em 2020, Juliane lançou os singles Vambora, com a Banda Boom, e No Espelho,  com Ananda Jacques. No ano seguinte, colaborou com Josiel Konrad em Mulher Força e, em 2023, juntou-se a Zélia Duncan e Ana Costa no projeto “Sete Mulheres pela Independência do Brasil”.  Entre os anos de 2020 e 2022, integrou o Medusa Samba Jazz Trio e foi residente do programa MARES do Instituto Oi Futuro, no qual participou de um disco coletivo com 25 musicistas. Também atuou como backing vocal para a cantora Preta Gil e foi entrevistada pelo programa “Um café lá em casa”, referência em Jazz na internet brasileira.

Desde que começou a trilhar o caminho da profissionalização, Juliane se apresentou em diversos palcos, interpretando repertórios variados e estabeleceu conexões. A trajetória desembocou em seu primeiro álbum, JAZZWOMAN.

A obra ecoa seu projeto “JAZZWOMAN”, que apresentou no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em 2024 lançou pela gravadora Biscoito Fino o single Lote XV. No mesmo ano saiu, também pela Biscoito Fino, o álbum JAZZWOMAN. A obra celebra a ancestralidade e o rompimento do silêncio por meio da linguagem do jazz, mas trazendo referências a diferentes mulheres negras. Entre elas, ícones como Billie Holiday e Jovelina Pérola Negra.

O álbum enfatizou a centralidade do jazz para a personalidade musical de Juliane. “JAZZWOMAN já é um sonho realizado, por ter surgido de dentro para fora. E por ser uma narrativa sobre o rompimento do silêncio da mulher preta e da busca pela libertação através da cura, do autoamor”, diz. “Nesse balaio poético e vital, o jazz é o ponto de partida e chegada, como linguagem musical, espiritual, estética e filosófica.”

A pesquisa artística que resultou nesse álbum teve início ainda durante a pandemia, quando a cantora começou a refletir sobre autoconhecimento, e os significados mais amplos deste termo.

 “Particularmente, autoconhecimento significava romper com estigmas e dores muito antigas, que vem desde muito antes de mim. O cuidado é uma coisa muito negada a mulheres negras, e por conta disso a gente também não aprende a se cuidar. E estávamos durante a pandemia, que era um momento de muito medo, de morte, tudo podia acontecer” diz. Ela passou a pesquisar sobre as mulheres no jazz, e a mapear o estilo particular com que cada uma das grandes vozes femininas se expressava musicalmente neste estilo. “Passei a imaginar um universo onde a mulher preta tem total domínio sobre o que ela cria. Ela não tem medo de falar, de levantar a voz, de romper com o silêncio”, diz.

Enquanto vai aos poucos esculpindo sua obra, Juliane Gamboa tem se apresentado principalmente no eixo Rio – São Paulo. “Estou ainda tateando a minha arte. Toco o jazz porque gosto muito de música, é meu trabalho. Mas sinto um enorme prazer em fazer isso. Esse despojamento é um lugar de intimidade que estou sempre buscando. Quero estar dentro da música, e isso é algo diário”, diz.

Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.