Pesquisadores da Unesp descobrem nova espécie de bagre no bioma amazônico

A partir da taxonomia integrativa, que combina análises físicas e genéticas de organismos, um grupo liderado por pesquisadores do câmpus de Botucatu descreveu a espécie Imparfinis arceae, um pequeno representante dos bagres, endêmico da bacia do rio Xingu

Encontrados em todo o mundo, os bagres formam um grupo de peixes cuja diversidade impressiona. Não fosse pelos característicos “bigodes” — o que rendeu ao animal o nome de “peixe gato” em alguns países — seria difícil afirmar, apenas pela aparência externa, que as mais de 4.200 espécies conhecidas pertencem ao mesmo grupo de peixes. Além das diferenças de comportamento, habitat e dos variados padrões de coloração, os bagres também apresentam grande variação de tamanho, indo de minúsculos exemplares, medindo poucos milímetros, até espécies gigantes, como o Pangasianodon gigas, um dos maiores peixes de água doce já identificados.

A grande variedade de locais onde é possível encontrar esses peixes também faz com que muitas espécies ainda permaneçam desconhecidas. Algumas dessas pertencem ao gênero Imparfinis, que reúne representantes espalhados nos rios de água doce de toda a América do Sul, desde a Costa Rica até a Argentina passando, evidentemente, pelo Brasil. Foi nos rios da bacia do rio Xingu, no norte do Mato Grosso, que um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp, no câmpus de Botucatu, descobriu uma nova espécie de Imparfinis, adicionando mais um elemento da rica biodiversidade latino americana. 

O achado foi divulgado no artigo “Integrative Taxonomy Reveals a New Species of Imparfinis (Siluriformes: Heptapteridae) from the Upper Xingu River Basin”, e publicado na revista científica Ichthyology & Herpetology em abril deste ano. No trabalho, o grupo descreve as características morfológicas, relacionadas à aparência, e genéticas dos exemplares encontrados, evidenciando as diferenças existentes entre outras espécies de Imparfinis e, também, o grau de proximidade da nova espécie com as outras conhecidas. 

Uma década de espera até a descoberta

Nomeada Imparfinis arceae, a primeira característica que chamou a atenção dos pesquisadores para a possibilidade de se tratar de uma espécie ainda não descoberta é uma faixa preta presente em toda a lateral do peixe. “Existem algumas espécies de bagres que apresentam essa faixa lateral escura, mas elas não são tão amplas como essa, o que despertou nossa desconfiança”, conta Gabriel de Souza da Costa e Silva, que liderou a investigação e atualmente realiza pós-doutorado no IB-Unesp.

O ictiólogo (nome dado aos especialistas em peixes) explica que a busca por novas espécies não é linear e nunca é possível prever o que será encontrado. Por isso, o primeiro sinal, para um olhar mais cuidadoso, são sempre as características físicas: um padrão diferente, uma coloração que varia, o formato da cauda que é levemente distinto dos demais. A partir disso é que os pesquisadores irão aprofundar, ou não, a investigação.

No caso da I. arceae, a espécie conta com uma história de espera de mais de uma década para ser descrita. Os exemplares foram coletados em 2012, durante uma expedição do professor Claudio Oliveira, líder do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes do IB-Unesp, à região do Alto Xingu, na Amazônia, e foram armazenadas na coleção do laboratório, sem receber atenção naquele momento.

Em 2022, Gabriel, durante a pesquisa de pós-doutorado que tinha como foco o estudo do grupo Imparfinis, decidiu trabalhar com os exemplares que integravam a coleção do grupo e percebeu que, entre os animais, haviam alguns pequenos exemplares, que mediam entre 27mm e 67mm e apresentavam uma estranha faixa preta na lateral do corpo. “Foi apenas nesse momento que começamos as análises e percebemos que se tratava de uma espécie nova”, diz o pesquisador.

Análise morfológica detalha as diferenças físicas 

Na biologia, a área responsável por descrever, nomear e classificar os seres vivos é chamada de taxonomia. Graças aos estudos nessa disciplina — que envolvem desde a identificação de diferenças físicas entre os organismos até a determinação do grau de parentesco entre eles —, toda a biodiversidade conhecida atualmente está organizada em uma hierarquia de grupos: reino, filo, classe, ordem, família, gênero e espécie. Essa classificação permite compreender a evolução dos animais e vegetais, bem como as conexões que mantêm entre si ao longo do tempo.

Portanto, para que uma nova espécie seja reconhecida, ela deve apresentar características suficientemente semelhantes às de outras espécies do mesmo gênero — como Imparfinis —, de modo a justificar sua inclusão nesse grupo. Ao mesmo tempo, deve exibir diferenças significativas que a distingam das demais espécies que integram esse grupo, garantindo seu reconhecimento como uma espécie única.

Com a suspeita de uma nova espécie, o grupo realizou uma análise morfológica na qual foram coletadas diversas informações físicas dos vinte indivíduos coletados: padrões de coloração, número de vértebras, comprimento, diâmetro dos olhos, tamanho da cabeça, etc.

Fotografia de um exemplar de I. arceae, utilizada para destacar e comparar características morfológicas do animal. (Crédito: Silva et al. 2025) 

Esse primeiro passo permitiu demarcar algumas diferenças em relação a espécies Imparfinis hasemani, que também conta com uma faixa escura lateral e que poderia levar a confundir um exemplar com outro. Além dos padrões das faixas apresentarem tamanhos distintos, outras diferenças emergiram: a I. arceae possui 39 vértebras, enquanto a I. hasemani conta com 40; os olhos da nova espécie também são menores e, além disso, o comprimento da cabeça é maior.

Comparação genética comprova nova espécie de bagre

Combinado com as análises morfológicas, o grupo realizou, também, análises genéticas para conseguir um detalhamento maior das características do animal. “Nós fizemos um sequenciamento de um fragmento de DNA das diferentes espécies, o que permite que a gente compare os DNAs entre si”, explica Gabriel. Isso faz parte de um ramo chamado de taxonomia integrativa, que combina dados morfológicos e moleculares para entender melhor a história evolutiva e a classificação de organismos que estão sendo estudados.

Para a análise genética, o grupo extraiu o DNA dos peixes a partir de um pedaço da musculatura dos animais. A ideia por trás desse processo é adquirir uma mesma parte da sequência genética de cada indivíduo, que consiste na ordem específica dos nucleotídeos, as “letras” do código genético (A, T, C e G) que compõem o DNA. Com essa sequência de letras, é possível alinhar as diferentes sequências e ver em quais pontos houve alguma mutação.

Por exemplo, se temos três indivíduos com as sequências “A-C-C-T-G”; “A-C-C-T-G” e “A-C-T-T-G”, é possível perceber que o terceiro indivíduo sofreu uma mutação na terceira base, que passou de “C”, para “T”. Esse é o mesmo processo feito pelo grupo para analisar as diferenças genéticas dos peixes coletados e identificar aqueles da mesma espécie, porém, com sequências muito maiores.

Além disso, para garantir que será extraída a mesma parte da sequência genética de cada um dos peixes, os pesquisadores vão atrás de um gene marcador chamado COI (citocromo c oxidase). Para encontrar esse gene específico, após a extração do DNA, são utilizados primers que se ligam as extremidades do gene COI e promovem a amplificação desse fragmento, tornando possível o seu sequenciamento. 

Ao obter e comparar as sequências dos diferentes peixes, os pesquisadores puderam comprovar que além de compartilharem um código genético semelhante, os exemplares estudados apresentavam mais de 6% de divergência genética em relação a outras espécies do gênero Imparfinis. “Isso evidenciou o fato de que esses animais correspondem a uma nova espécie”, afirma Gabriel.

Descoberta é um apelo pela conservação

O grupo optou por nomear o achado em homenagem à uma colega de profissão: a ictióloga Mariangeles Arce Hernández. A pesquisadora é diretora do Centro de Biologia Sistemática e Evolução da Academia de Ciências Naturais da Universidade Drexel, nos Estados Unidos, onde Gabriel realizou parte do seu pós-doutorado entre 2023 e 2024, quando estava trabalhando na descrição da espécie.

Para o pesquisador, um dos pontos mais importantes quando se fala sobre a descoberta e a descrição de novas espécies reside na conservação da biodiversidade – inclusive daquela que ainda não é conhecida. O grupo não realizou um levantamento para saber o quão comuns são os representantes de bagre recém encontrados, entretanto, com base nas coletas realizadas, Gabriel acredita que eles não são um grupo tão abundante. “Essa é uma espécie endêmica do Alto Xingu, o que significa que ela só ocorre naquela região. Igual a ela, existem outras espécies que também são restritas a essa área”, afirma. “Nós sabemos que o sul da Amazônia vem sofrendo com muito desmatamento e, se eliminarmos o habitat dessas espécies endêmicas, elas serão completamente extintas”, completa.

Para Gabriel, a importância de descobrir mais espécies e sua ocorrência vai ao encontro dos objetivos de conservação e preservação de habitats naturais. “A medida que a gente vai estudando, nós também descobrimos que a maioria dos peixes de água doce são endêmicas. Por isso a necessidade de conservar esses ambientes, porque se nós destruirmos esses espaços, essas espécies não vão estar em outro lugar”, diz.

Imagem acima: Imagem radiográfica de Imparfinis arceae, espécie de bagre descoberta por pesquisadores da Unesp (Crédito: Silva et al. 2025)