Novo trabalho de Cristina Guimarães mergulha na obra de Luiz Melodia

Cantora apresenta álbum que foge do óbvio e garimpa gemas do repertório do compositor “maldito” carioca. Zeca Baleiro e Cida Moreira brilham em participações especiais.

Conhecida pelo tom grave e singular de sua voz, a cantora paulistana Cristina Guimarães vem desenvolvendo uma carreira promissora, que já conta com um EP e quatros singles. Em março, ela lançou o álbum Presente & Cotidiano, que mergulha na obra de um dos mais ilustres “malditos” da MPB, o carioca Luiz Melodia (1951-2017).

Cristina Guimarães é psicóloga e atende como psicanalista, mas em paralelo cultiva o amor pela música desde a juventude, quando cantava nos bares de Campinas. Foi aluna de canto da célebre cantora e pianista Cida Moreira, que lhe deu o empurrão para se jogar profissionalmente no mundo da voz. O passo veio com o EP Em Canto, de 2023, um trabalho de voz e piano que a introduziu como uma intérprete de timbre aveludado e identidade própria.

Essa busca por uma estética pessoal está por trás da escolha do carioca como inspiração para este trabalho. “Sempre fui apaixonada pela obra do Melodia”, diz a cantora. “Antes de gravar o meu EP, já tinha vontade de interpretar suas canções. Entretanto, as coisas enveredaram por outro caminho, algo que vejo como um amadurecimento que me proporcionou mais bagagem para poder lançar este álbum”, diz. Nessa trajetória, ela conheceu os músicos Bedurê e Rovilson Pascoal, que já haviam tocado como acompanhantes na banda de Zezé Motta. “E as coisas fluíram de forma natural e estruturada, no sentido do conhecimento do que estávamos produzindo”, conta Cristina.

Um dos méritos do trabalho, que já pode ser encontrado nas plataformas digitais,  é apostar na fuga do óbvio. Essa aposta aparece, de cara, na seleção das faixas. Estão lá dois clássicos do “maldito” do Estácio:  Magrelinha e Estácio, Eu e Você, ao lado de outras menos famosas, mas igualmente inspiradas, como Retrato do Artista Quando Coisa, Começar pelo Recomeço, Giros de Sonho, Dias de Esperança e Feras que Virão. Complementando o repertório estão peças realmente pouco conhecidas: Um Toque, O Sangue Não Nega e a faixa que dá nome ao álbum, Presente Cotidiano.

Segundo a cantora, diante da riqueza da obra de Melodia, a escolha das faixas foi um desafio à parte. “Eu fiz um desenho das canções pensando num show. A gente tinha 16 ou 18 músicas preparadas. Dessas, dez eu escolhi para o álbum”, conta.

Os músicos que tocaram no álbum Presente & Cotidiano também formam o trio que acompanha a artista nos shows. São eles os próprios  André Bedurê (baixo, violão de nylon e vocal) e Rovilson Pascoal (guitarra, cavaquinho e violão de aço e nylon), além de Gustavo Souza (bateria e percussão). Quem também participa dos shows é o violoncelista convidado Jonas Moncaio.

Bedurê ressalta a importância dos músicos na elaboração do trabalho: “Os arranjos foram concebidos e delineados por mim. Mas o resultado traz a criação de cada músico, a contribuição individual de cada um”, diz.

Grande incentivadora da carreira de Cristina, Cida Moreira participa em Feras que Virão (esta também foi lançada em single). A letra imagina o morro descendo para o asfalto, e diz: “Vou fazer lenha queimar”.

“A Cida é uma mestra com quem aprendi muito além das aulas de canto. Não havia outra pessoa melhor para interpretar esses versos”, diz Cristina. A canção flerta com a estética “maldita” da MPB, encontrada também nas obras de nomes como Walter Franco e Itamar Assumpção, e oferece um sedutor e contrastante dueto entre as cantoras, que possuem não apenas timbres distintos, mas também modos bem diferentes de interpretar.

O cantor e compositor Zeca Baleiro é convidado especial na faixa Giros de Sonho (lançada também no formato single). “Eu não conhecia esta música, e me encantei pela forma como foi concebida. É uma construção perfeita, um deleite para o cantar. Além disso, cantar com o Zeca foi sensacional,  é um cara com uma bagagem enorme e se dispôs gentilmente a ir ao estúdio gravar. Os timbres casaram, ficou um dueto muito bacana.”

Cristina diz que a conclusão do trabalho equivaleu a “um sonho realizado, o de gravar um álbum que transita pelas ondas e nuances da música e da poesia de Luiz Melodia. Seu trabalho é moderno, sua poesia é provocante, as letras e as canções são desafiadoras para se interpretar. O resultado muito me agrada, pois abraça tanto a cantora quanto o autor, de forma delicada e intensa”, diz.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.