Uso de madeira é o caminho para virada sustentável na construção civil, defendem pesquisadores da Unesp

Setor é um dos recordistas no emprego de energia produzida por meio de combustíveis fósseis. Em artigo, docentes defendem que políticas globais que fomentem o uso do material orgânico podem contribuir para a redução de emissões e até para o sequestro de carbono.

Os combustíveis fósseis são os grandes vilões do aquecimento global. Seu uso com fins de geração de energia, bem como para atividades industriais e de transporte, responde por quase 80% das emissões globais de gases causadores de efeito estufa, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2023. Desses 80%, 35% resultam das atividades ligadas ao setor da construção civil. Trata-se de uma atividade transversal, praticada em escala global, que demanda grandes quantidades de combustíveis fósseis para gerar energia para a fabricação e o transporte de materiais, as atividades de construção propriamente ditas e até a eventual demolição de empreendimentos.

Segundo o Relatório de Status Global sobre Edificações e Construção da ONU, lançado em 2023, para que seja possível atingir as metas estabelecidas no Acordo de Paris, será necessário alcançar reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Essas reduções, por sua vez, exigirão “triplicar a capacidade de energia renovável globalmente e dobrar a taxa média anual de melhorias na eficiência energética até 2030”.

E já se sabe que o setor de edificações terá um papel fundamental a desempenhar para que tais mudanças se efetivem: até 2030, será preciso alcançar uma redução de 37% na intensidade energética do setor da construção em comparação aos níveis de 2015.

Um caminho para estimular o setor da construção civil a se tornar mais sustentável e menos dependente do uso de combustíveis fósseis pode ser o uso de materiais biológicos. Esta é a temática de um artigo publicado recentemente na revista Nature Reviews Materials, de autoria de Victor de Araújo, professor de pós-graduação do Departamento de Engenharia Civil da Unesp de Ilha Solteira; Maximilian Pramreiter, docente da Universität für Bodenkultur, em Viena, na Áustria; e André Christoforo, também professor de pós-graduação do Departamento de Engenharia Civil da Unesp de Ilha Solteira. No artigo, os autores defendem políticas globais para facilitar e ampliar o uso de materiais biológicos, em especial a utilização da madeira.

“Atualmente, as estratégias e as políticas para o uso de materiais sustentáveis têm sido desenvolvidas de forma mais regionalizada, como no Brasil ou no âmbito do bloco europeu”, diz Araújo. “Isso faz com que essa atuação seja mais voltada para os territórios, e não para o todo. Por isso, pensamos nessa ideia de um plano global, baseado em soluções compartilhadas e interconectadas.”

Avanços ainda são pontuais

Apesar dos esforços para promover o uso de insumos sustentáveis na construção civil e da conclusão de vários projetos emblemáticos (como os grandes edifícios Mjøstårnet, na Noruega; o Ascent MKE, nos EUA; e o 25 King, na Austrália), a aceitação global da madeira como principal material de construção ainda está bem abaixo dos materiais tradicionais.

O ediífico Mjøstårnet, que fica em Brumunddal, Noruega, é uma das maiores construções em madeira do mundo, com 85,4 metros de altura.

Os autores do artigo projetam diferentes cenários para o ano de 2030 e estimam que a participação da madeira no mix de materiais de construção da União Europeia permaneça entre 5,8% (em um cenário designado como de estagnação) e 9,5% (em uma projeção identificada como de alta ambição).

O texto apresenta um conjunto de legislações e projetos governamentais que, ao longo das últimas décadas, incentivaram construções mais sustentáveis em diversos países, incluindo Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Brasil, Chile, Áustria, Finlândia e Suécia, dentre outros. Além disso, sustenta que, apesar dos avanços em temas como marcos regulatórios, incentivos fiscais e outros benefícios, permanecem “grandes lacunas”.

Por exemplo, alguns países com vocação florestal subutilizam a madeira como material para construção. Também faltam ações dedicadas ao uso e à promoção do bambu em edificações sustentáveis – até mesmo em continentes onde o vegetal é abundante e amplamente utilizado em outras aplicações, como na Ásia e na América Latina. As leis e políticas nacionais também ainda falham ao exigir o uso de madeira de origem responsável e na regulamentação de seu aproveitamento, especialmente quando proveniente de florestas nativas.

O artigo também ressalta o fato de que as atividades ilegais de extração prosseguem em escala global, inclusive na Europa. “Uma postura rigorosa por parte dos governos, aliada a programas conectados globalmente para incentivar o manejo florestal sustentável, é essencial para garantir a disponibilidade de madeira legal, atendendo a movimentos e iniciativas verdes”, afirmam os autores.

Recuperar, plantar e construir

Ainda que a extração ilegal de árvores nativas para a construção civil, a fabricação de móveis e outros usos continue a pleno vapor no Brasil e em outros países do mundo, o mercado global de madeira engenheirada utiliza, basicamente, duas espécies: pinus (os populares pinheiros) e eucaliptos. Tais plantas têm uma velocidade de maturação muito rápida (em comparação com outras árvores), podendo ser plantadas e utilizadas em ciclos de 10 a 15 anos.

O conceito de madeira engenheirada engloba cerca de 20 produtos estruturais confeccionados industrialmente. São painéis de diferentes tamanhos, blocos, vigas, lâminas para revestimentos de pisos e paredes, dentre outros. Além disso, há cerca de uma dezena de sistemas construtivos com madeira engenheirada, que podem ser utilizados de forma isolada, combinados ou mesmo de forma híbrida — incorporando aço e concreto às construções em madeira. Essa versatilidade permite a construção de casas simples até obras grandes e complexas, como prédios, anfiteatros, museus, equipamentos esportivos, terminais de ônibus, pontes e outras grandes estruturas.

Neste cenário, os pesquisadores dizem que, para ampliar o uso de madeira engenheirada na construção civil, não é preciso derrubar nenhuma árvore nativa ou expandir fronteiras agrícolas. “Nós temos, no Brasil, na África, na Ásia e até nos EUA, muitas áreas improdutivas ou degradadas. Basta reflorestar essas áreas para aumentar exponencialmente a produção de madeira para a construção civil”, conta Araújo. Os pesquisadores avaliam que novas áreas com pinus e eucaliptos não prejudicariam a produção de alimentos e ainda ajudariam o meio ambiente, ampliando a retirada de carbono da atmosfera.

“Tudo se resume a sequestrar o máximo de carbono possível enquanto se fornecem bens e serviços necessários para uma população crescente. As árvores sequestram carbono durante seu crescimento, por meio da fotossíntese, capturando naturalmente o CO₂ da atmosfera. Ao criar produtos de construção à base de madeira a partir de árvores maduras, podemos estender esse armazenamento por várias décadas”, relata Pramreiter. Esse processo se repete a cada novo ciclo de plantio e colheita.

Modelo para uma política global

Para os três pesquisadores, a discussão fragmentada sobre estratégias para o uso da madeira e o debate contínuo sobre a origem responsável da biomassa florestal são “obstáculos críticos” para o pleno aproveitamento do potencial de materiais sustentáveis em uma bioeconomia circular. O desafio é ainda maior devido à necessidade de conectar um recurso regionalizado a cadeias de valor globalizadas.

Embora isso também ocorra com outros recursos primários (como carvão, gás natural ou minérios), a diferença é que a biomassa florestal – embora não seja infinita – pode ser sustentável se proveniente de florestas manejadas. Assim, o artigo afirma que “é crucial equilibrar a expansão rápida de processos e produtos com a preservação de longo prazo da fonte da matéria-prima”.

Além disso, para evitar a liberação precoce do carbono armazenado na madeira, é preciso implementar a circularidade desde o design inicial dos materiais, estendendo-a à reutilização e reciclagem antes que o carbono se torne insumo para o replantio florestal ao término da vida útil. Com base em matérias-primas sustentáveis, a transição para uma maior eficiência energética e o sequestro de carbono em materiais circulares devem ser o objetivo central de políticas futuras nesta área.

“A construção civil tradicional ainda é muito dependente de um consumo desordenado, impulsionado por práticas e atividades ineficientes que geram impactos duros e até mesmo irreversíveis ao meio ambiente, devido aos passivos relacionados à poluição nas áreas de extração e à geração de resíduos nos centros urbanos durante as obras”, diz Christoforo. “Levando-se em conta que esses problemas se repetem mundo afora, colocar em prática um plano estruturado de abrangência global é a saída para que todos os países ajustem estratégias e políticas locais baseadas em soluções menos impactantes, favorecendo a formação de cidades mais sustentáveis.”

Imagem acima: O ediício Ascent MKE, que fica no estado de Wisconsin, EUA, também é um dos mais altos do mundo, com 87 metros de altura.