Professor emérito da Universidade de Cambridge, o historiador britânico Peter Burke é autor de mais de 30 livros e considerado referência na área de História Moderna Europeia. Também possui laços com o Brasil, país em que residiu e lecionou por mais de um ano, e no qual publicou 15 de suas obras por meio da Editora Unesp.
Burke será o próximo participante da série Encontro com Escritores, que é fruto de parceria entre a Editora Unesp, a Universidade do Livro, a Biblioteca Mário de Andrade e a Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. O britânico vai falar sobre seus estudos que abordam as raízes históricas das fake news, e sua relação com os meios de comunicação contemporâneos.
A palestra do historiador mostrará como a manipulação da informação e a desinformação não são fenômenos recentes. Sua análise abrange desde os “relatórios falsos” do século 19 e a dissimulação no período barroco até os rumores e mentiras que permeiam civilizações antigas.
Em entrevista ao Jornal da Unesp, ele explica as razões do seu interesse pelo tema, e analisa as estratégias que podem vir a ser mais úteis para combater as notícias falsas.
A palestra de Peter Burke ocorre quarta-feira, 7/5, das 19h às 21h na Biblioteca Mario de Andrade. Para participar faça sua inscrição aqui.
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Por que estudar o tema das fake news sob uma perspectiva histórica? Está escrevendo um livro sobre esse assunto?
Peter Burke: Para começar pela segunda parte da sua pergunta, não pretendo escrever um livro sobre fake news. Meu próximo livro será um estudo sobre mal-entendidos na história, um tópico obviamente conectado.
Quanto à primeira parte da sua pergunta, minha decisão de estudar fake news a partir de uma perspectiva histórica exemplifica um fenômeno comum: à medida que o presente muda e tais transformações são discutidas publicamente, os historiadores passam a enxergar o passado sob novos ângulos. A ascensão da história ambiental ilustra claramente esse ponto, e o mesmo ocorre com a história das fake news.
No meu caso, eu estava, de certa forma, preparado para o tema, pois já havia escrito uma história social da mídia em parceria com um historiador mais experiente, Asa Briggs, que, por sua vez, já havia produzido uma história da BBC. Eu escrevi sobre a Europa antes da Revolução Francesa, enquanto Briggs abordou o período de 1789 até o presente – incluindo o telégrafo, o telefone, o rádio, a TV e a internet.
Na quarta edição do nosso livro, contamos com a colaboração de um sociólogo norueguês, que escreveu o capítulo final sobre a ascensão das mídias sociais.
O que a história pode nos ensinar sobre o fenômeno das fake news?
Peter Burke: O ponto principal que eu e outros historiadores queremos destacar é que, embora a expressão fake news tenha se difundido apenas recentemente, o fenômeno é muito antigo.
Por exemplo, na década de 1950, os serviços secretos russos estavam envolvidos no que chamavam de “desinformação”. Antes disso, era comum falar em “propaganda”. Poderíamos, é claro, usar uma palavra muito mais simples: “mentira”, que provavelmente é tão antiga quanto a própria fala humana.
Se você me perguntasse se estamos vivendo uma nova era, que alguns jornalistas chamam de era da “pós-verdade”, eu responderia sim e não. Eu responderia “não” porque mentiras têm sido disseminadas deliberadamente há séculos. E diria “sim” porque os meios de comunicação mudaram, permitindo que tanto informações verdadeiras quanto falsas se espalhem mais rápida e amplamente do que nunca.
É comum ver muitas notícias falsas associadas a algum tipo de teoria da conspiração. Os dois fenômenos estão historicamente relacionados?
Peter Burke: As teorias da conspiração oferecem um exemplo vívido do poder das fake news. Na Europa medieval, rumores conspiratórios eram comuns, especialmente quando ocorriam desastres e surgia a necessidade de culpar alguém, ou seja, de encontrar um bode expiatório.
Durante a Grande Peste do século XIV, o principal bode expiatório era a comunidade judaica, acusada de envenenar os poços. Séculos depois, os principais bodes expiatórios dos desastres eram as chamadas “bruxas”, geralmente mulheres idosas e pobres que, assim como os judeus, eram vistas como estranhas à comunidade. Acreditava-se que essas bruxas conspiravam com o diabo e matavam bebês para depois comê-los.
Quando Hillary Clinton era candidata à presidência dos EUA, espalhou-se o boato de que ela fazia parte de um grupo que conspirava para matar e comer bebês. Em outras palavras, algumas notícias falsas tiveram uma vida muito longa!
Quais estratégias historicamente se mostraram eficazes no combate ao fenômeno das fake news?
Peter Burke: É extremamente difícil, senão impossível, medir a eficácia dessas estratégias, mas pelo menos posso falar sobre quais foram e ainda são utilizadas.
Após a invenção da imprensa, algumas fake news se espalharam na forma de panfletos e, posteriormente, de jornais. A principal estratégia para combater essa disseminação era publicar refutações para “desmascarar” a mentira. O problema dessa abordagem é que, ao refutar uma notícia falsa, muitas vezes se contribui para sua propagação.
Hoje, novas estratégias são empregadas, incluindo sites de checagem de fatos, como o Aos Fatos, aqui no Brasil. O desafio, agora, é persuadir o público a utilizar essas plataformas. Outra estratégia adotada por emissoras, como a BBC, é informar aos telespectadores e ouvintes se uma determinada notícia foi ou não verificada por seus repórteres.
A longo prazo, acredito que a estratégia mais eficaz seja a educação crítica. Nossos futuros cidadãos precisam aprender a distinguir entre informações confiáveis e não confiáveis. Eles devem se perguntar: “Quem está me enviando esta mensagem? Por que estão fazendo isso? Como sabem o que dizem saber?”
Imagem acima: Ricardo Matsukawa