Uso de postagens de redes sociais pode ser aliado para a previsão de eventos climáticos extremos e o envio de alertas de segurança antecipados

Experimento demonstra que análise de mensagens postadas on-line em dias de chuva intensa pode aumentar a precisão no monitoramento de inundações na região metropolitana de São Paulo. Sistema semelhante já está sendo desenvolvido em caráter experimental para a cidade de Mumbai, na Índia.

Quando nuvens escuras e carregadas de chuva se aproximam de São Paulo e de sua região metropolitana, os celulares de milhões de seus habitantes emitem um sinal sonoro diferente. No display, surge uma mensagem de alerta mais ou menos assim: “Alerta severo. Fortes chuvas espalham-se, com rajadas de vento e risco de alagamentos. Mantenha-se em local seguro.” Inaugurado em janeiro deste ano, o sistema da Defesa Civil de São Paulo tem funcionado bem e está ajudando muitas pessoas a se precaverem dos riscos provocados por tempestades.

Trata-se de uma inovação bem-vinda para enfrentar uma realidade cada vez mais desafiadora. De acordo com a Defesa Civil de São Paulo, as chuvas do verão de 2024-2025 deixaram seis mortos e quinze feridos na capital, um crescimento em relação às três vítimas fatais e sete feridos registrados no verão anterior.

O uso dos onipresentes aparelhos celulares para receber informações sobre o tempo e alertas já é uma realidade global. Agora, eles estão sendo utilizados também como ferramenta auxiliar para aprimorar a previsão de fortes chuvas. O objetivo é diminuir o impacto sobre a população dos efeitos negativos que costumam ocorrer após as tempestades, como alagamentos, quedas de grandes árvores e ruas e avenidas intransitáveis. “É para essa direção que a pesquisa caminha”, diz Rogério Galante Negri, docente do Departamento de Engenharia Ambiental do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp em São José dos Campos, e também do Programa de Pós-Graduação em Desastres Ambientais da Unesp.

Negri é um dos autores de um artigo relatando a possibilidade de incorporar as redes sociais como uma fonte de dados extra para prever tempestades, alagamentos e outros desastres provocados por chuvas. O primeiro autor do artigo é Vitor Yuichi Hossaki, graduado em Engenharia Ambiental pelo ICT, que conduziu a pesquisa sob orientação de Negri durante sua iniciação científica no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e a aperfeiçoou em seu Trabalho de Conclusão de Curso.

Complementam o time de autores o pesquisador Leonardo Bacelar Lima Santos, especialista em modelagem de desastres naturais do Cemaden, e os professores da Unesp Tatiana Sussel Gonçalves Mendes e Adriano Bressane. O artigo foi publicado na revista Earth Science Informatics neste ano.

Estudo retrospectivo

Os estudiosos buscaram avaliar a possibilidade de coordenar os dados de sensores físicos com as informações coletadas paralelamente pelas redes sociais, com o objetivo de elaborar modelos mais precisos para a previsão de eventos climáticos emergenciais. A pesquisa teve caráter retrospectivo, tendo como ponto de partida um banco de dados contendo mensagens postadas na rede social X, antigo Twitter, por pessoas que estavam na bacia do rio Tamanduateí, na região metropolitana de São Paulo, durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2019.

O rio Tamanduateí nasce no município de Mauá e deságua no Tietê, passando pelos municípios de São Caetano do Sul, Santo André e São Paulo. Nos três meses avaliados pelo estudo, que teve caráter retrospectivo, houve 166 eventos de interrupção do tráfego devido às chuvas na região da bacia do Tamanduateí. Destes, 89 ocorreram a uma distância de 2 km dos sensores. Em apenas um dia, 11 de março, a chuva gerou alagamentos em 11 diferentes pontos nessa região.

A partir de uma base total de 17,5 bilhões de tuítes, foram selecionados cerca de 80 mil mensagens, postadas antes, durante e depois dos episódios de chuva forte registrados naquele período, por pessoas que estavam a até 2 km de distância dos pluviômetros. Estes posts foram filtrados pelas palavras-chave “chuva”, “chove”, “chuvarada” e “chuvoso”, resultando em cerca de 1.180 mensagens selecionadas.

Os dados sobre chuva e alagamentos foram obtidos de diferentes sensores meteorológicos e de monitoramento dos níveis dos rios. As informações sobre pluviômetros vieram do Cemaden, os históricos de enchentes vieram do Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE), e o nível dos rios, do Sistema de Alerta de Inundações de São Paulo (SaiSP). Também foram coletados parâmetros obtidos por um radar meteorológico, que indicaram o índice pluviométrico nas regiões analisadas.

O cruzamento dos dados geoespaciais com os tuítes identificou correlações entre o aumento do número de tuítes sobre chuvas em uma determinada região e o acontecimento de alagamentos no mesmo local. O grau de correlação variou de acordo com o dia analisado, classificando-se entre “média” e “forte”.

“A abordagem destaca o potencial das redes sociais como uma fonte adicional de dados para o gerenciamento de enchentes, coletando tuítes  individuais relacionados à chuva para melhorar a percepção situacional”, diz Negri.

“Sensores humanos”

Em recente entrevista ao podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo, o climatologista José Marengo, coordenador do Cemaden, disse que as mudanças provocadas pelo aquecimento global estão dificultando a tarefa de prever o tempo, com um aumento na frequência de eventos severos que se desencadeiam de forma repentina. Para lidar com essa nova realidade, disse Marengo, é preciso investir em pesquisa e novas tecnologias. Mas o que o novo trabalho sugere é que há um potencial ainda intocado em tecnologias universalmente disponíveis, como os telefones celulares.

Hossaki explica que os sensores climatológicos hoje disponíveis — pluviômetros, radares, birutas e câmeras — apresentam limitações, podendo falhar ou apresentar leituras incorretas. Por outro lado, instalar um pluviômetro ou uma câmera em uma região remota implica dificuldades operacionais e custos. Além disso, há a possibilidade de que a região não tenha a conectividade com a internet, um elemento essencial para que se possa captar as informações em tempo real. Nestes casos, a coleta de dados fica seriamente comprometida. “O que acaba acontecendo na cidade de São Paulo, e em outros locais, é que os sensores não têm um raio de abrangência completo. Isso resulta em lacunas e em áreas descobertas em muitas regiões”, diz Hossaki.

Já os aparelhos celulares, hoje em dia, são onipresentes e não dependem da existência de uma rede física de internet, pois operam pela rede aérea mantida por antenas e satélites. Outra vantagem vem do fato de que, ainda que a rede de uma operadora de telefonia móvel venha a apresentar problemas ou mesmo a falhar, haverá outras que continuarão a operar normalmente. É raríssimo acontecer uma pane geral, na qual todas as operadoras deixem de funcionar ao mesmo tempo.

“As pessoas que usam redes sociais começam a escrever no ambiente em que estiverem. Se cair uma chuva, por exemplo, elas já postam algo, quer estejam na rua, num prédio ou no ônibus”, diz Hossaki. “Quando compartilham a percepção delas na rede, essas pessoas atuam como se fossem sensores humanos”, compara ele.

O próximo passo

Na Índia, país de clima tropical, de monções e muito chuvoso, um sistema que combina dados meteorológicos com conteúdos de redes sociais já está sendo testado de forma experimental na capital Mumbai desde 2023. Uma inteligência artificial capta mensagens do X e as usa como fonte auxiliar de dados para previsão e alerta de inundações. O plano indiano é aprimorar o sistema e expandi-lo para toda a região metropolitana da cidade com 21 milhões de pessoas. O problema para a implementação de algo similar em São Paulo é o alto custo.

“Aqui no Brasil, ainda precisaríamos dispor de um aparato computacional bem refinado e potente para conseguir pegar os posts nas redes sociais, filtrar, quantificar e compartilhar em tempo real”, avalia Negri. Ele conta que hoje, com o advento das inteligências artificiais generativas (como ChatGPT, Deepseek e Gemini), muito hábeis em interpretar a linguagem humana, a captação e interpretação das mensagens tornaram-se bem mais precisas.

Hossaki diz que já há trabalhos recentes de pesquisadores usando modelos de IA generativa. “Eles programam alguma API para extrair os posts automaticamente das redes sociais e a IA os interpreta.” API é a sigla em inglês para Application Programming Interface, que em português significa Interface de Programação de Aplicações. É um conjunto de regras e protocolos que permitem a comunicação entre diferentes ferramentas e aplicativos digitais. Todo o sistema é automatizado, extrai os dados das redes e cria alertas para chuvas e enchentes em tempo real. “Isso já é perfeitamente possível”, diz o engenheiro ambiental.

Imagem acima: Agência de Noticias do Governo de Mato Grosso do Sul