Sondas espaciais, telescópios gigantes, radares. A cada ano, a tecnologia para exploração espacial avança, trazendo consigo mapas cada vez mais detalhados do universo e a descoberta de novos exoplanetas – mundos que orbitam estrelas distantes, fora do conhecido Sistema Solar. Com tamanha imensidão sendo continuamente desvendada, podemos ter a falsa impressão de que a nossa vizinhança espacial já está totalmente mapeada e, até mesmo, reconfigurada após o rebaixamento de Plutão para planeta anão em 2006. No entanto, mesmo “em casa”, no nosso Sistema Solar, ainda existem mistérios que continuam a intrigar cientistas.
Um desses enigmas é a possível existência de um nono planeta, até hoje invisível aos telescópios. Cientistas começaram a suspeitar de sua existência após a descoberta de Netuno, em 1846, acreditando que deveria haver algum planeta capaz de influenciar as órbitas de Urano e Netuno. A formulação desta hipótese levou a uma corrida entre os astrônomos, que resultou na descoberta de Plutão, em 1930. Porém, o acúmulo de observações sobre Plutão revelou que não se poderia atribuir a ele os efeitos observados sobre Urano e Netuno. O resultado foi a retomada da busca pelo nono planeta. Hoje, acredita-se que ele deva estar situado para além do Cinturão de Kuiper — um vasto disco de objetos espaciais, como asteroides, cometas e planetas anões — em uma região mais externa, fria e escura do Sistema Solar, seguindo uma órbita que talvez esteja 600 vezes mais distante do Sol do que a Terra.
O fato de estar situado tão distante do Sol e da Terra torna desafiadora a tarefa de registrar sua existência. Por isso, para aumentar as chances de uma observação de algum tipo, astrônomos vem envidando esforços para compreender melhor quais características o hipotético nono planeta poderia apresentar, incluindo aí o seu tamanho, a trajetória de sua órbita e o tempo necessário para percorrê-la e o tipo de influência gravitacional que exerceria sobre outros corpos menores. Todos esses detalhes, são pistas que permitem aos astrônomos determinar, por exemplo, em que região do espaço o suposto planeta pode estar em dado momento, proporcionando uma orientação para que os astrônomos possam apontar para lá seus telescópios.
Somando-se a este esforço, pesquisadores da Unesp, em colaboração com cientistas dos Estados Unidos e da França, estudaram a influência do eventual Planeta-9 na formação e na trajetória de cometas que já foram observados no Sistema Solar. No estudo, publicado na revista científica Icarus, o grupo relata o resultado de uma simulação de um modelo do sistema Solar contendo um nono planeta. O experimento permitiu monitorar a evolução da nossa vizinhança espacial ao longo de um período equivalente a bilhões de anos. Os resultados mostraram que a existência do planeta 9 afetaria a formação de duas áreas do sistema solar que abrigam reservatórios de cometas: a área expandida do cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort.
A hipótese do planeta 9
Embora as predições teóricas sobre a sua existência remontem ao século 19, as buscas pelo planeta ganharam força há pouco mais de uma década. Graças à evolução das técnicas observacionais, entre 2004 e 2013 foram descobertos seis objetos transnetunianos, que se classificaram como os mais distantes já registrados no Sistema Solar. A análise das órbitas destes corpos identificou um alinhamento singular. Todas parecem apontar para uma mesma direção, como se sentissem os efeitos gravitacionais de algum objeto.
Por conta das distâncias, sabia-se que Netuno não teria força suficiente para exercer essa influência gravitacional, o que corroborou com a ideia de um planeta orbitando aquela região. Essa hipótese foi divulgada pela primeira vez em 2016, pelos astrônomos Konstantin Batygin e Michael E. Brown e, desde então, é considerada a mais forte evidência quanto a sua possível existência. “A ideia é que esse planeta forneceria uma força gravitacional forte o suficiente para alinhar esses objetos”, diz Rafael Ribeiro de Sousa, pesquisador da Faculdade de Engenharia e Ciências da Unesp, câmpus de Guaratinguetá. “Esse tipo de fenômeno ajudou a descobrir outros planetas do Sistema Solar, como Netuno e Urano, porque a influência gravitacional entre planetas, cometas e asteroides é algo que conhecemos bem dentro da física. Por isso, conseguimos fazer previsões bastante refinadas.”

Ainda que a constatação do alinhamento das órbitas dos seis objetos transnetunianos ofereça um indício importante, não é suficiente para que um eventual nono planeta seja encontrado. Devido ao seu imenso distanciamento do Sol, a luz que chega à sua superfície e é refletida por ela possui pouca intensidade, e não consegue chamar a atenção dos observadores terrestres. Além disso, sua órbita é extremamente longa, demandando 10 mil anos para que se complete uma volta em torno do Sol. Tudo somado, o resultado é que, a menos que sejam encontradas novas quanto à região em que ele possa ser encontrado num dado momento, os pesquisadores ficam limitados a buscar o objeto “às cegas”, sem uma indicação precisa para onde apontar os telescópios.
Cometas podem indicar o caminho
“O que os seis objetos transnetunianos indicam é que é preciso descobrir mais objetos assim, para conseguir uma precisão maior da órbita e do local do Planeta 9”, explica Sousa. Porém, os empecilhos para a localização de novos objetos distantes são os mesmos que existem para encontrar o próprio Planeta 9. “A dificuldade de encontrar objetos distantes no Sistema Solar se deve, basicamente, à distância. Eles precisam ser refletidos, ou seja, a luz do Sol precisa incidir nesses objetos para que apresentem um brilho que possibilite sua observação”, conta o pesquisador.
Para contornar pelo menos parcialmente estas dificuldades, Sousa e os demais colaboradores envolvidos na pesquisa, voltaram-se para outro grupo de corpos celestes, este mais conhecido e mapeado: os cometas. No Sistema Solar existem duas fontes principais de cometas: o Cinturão de Kuiper — e sua região expandida — e a Nuvem de Oort. Esta última está localizada a distâncias que variam entre mil Unidades Astronômicas e mais de 20.000 Unidades Astronômicas – uma Unidade Astronômica corresponde à distância entre a Terra e o Sol. As evidências obtidas pelos seis objetos transnetunianos indicam que o Planeta 9 esteja localizado dentro da região expandida do Cinturão de Kuiper. O raciocínio é que, se o corpo influencia por meio da interação gravitacional a órbita dos objetos transnetunianos, deve ser possível observar também algum efeito sobre os cometas que se formaram e saem daquela região do espaço.
Partindo dessa ideia, o grupo se questionou se a configuração atual do Sistema Solar se mostraria compatível com a existência do hipotético Planeta 9, e dos efeitos gravitacionais que ele desencadearia. O caminho para responder a essa perguntava passava por simular a evolução de um modelo do Sistema Solar que abrigasse o suposto planeta. Para que a hipótese se mantivesse de pé após o experimento, o resultado final do experimento deveria resultar em uma configuração do Sistema Solar semelhante à que conhecemos hoje, incluindo as posições do Cinturão de Kuiper e da Nuvem de Oort, e com os cometas apresentando as mesmas órbitas que podemos observar atualmente.
O experimento simulou a história dos últimos 4,5 bilhões de anos do Sistema Solar, com o Planeta 9 incluído no modelo. O ponto de partida era um disco de planetesimais — corpos rochosos e gelados que são remanescentes da formação de asteroides e cometas, situado logo após a órbita de Netuno. Com o passar dos anos, esse disco, bastante massivo, teria se dispersado devido às influências gravitacionais, e formado as regiões do Cinturão de Kuiper e da Nuvem de Oort.
Os resultados mostraram que a introdução de um hipotético Planeta 9 resultava na formação de ambas estruturas. Porém, a simulação também resultava no surgimento de uma segunda nuvem, na região expandida do Cinturão de Kuiper, alinhada com a órbita do planeta. Essa nuvem funcionaria como um reservatório adicional de cometas, influenciando diretamente a produção e a distribuição dessas órbitas.

Nas simulações, os pesquisadores calcularam as trajetórias dos cometas que surgiram a partir desses reservatórios. Em especial, se detiveram sobre um grupo de quatro cometas que existem no Sistema Solar, e que também surgiram no experimento, que medem mais de 10km de diâmetro e que levam menos de 20 anos para completar suas órbitas. “Isso garantiu uma maior precisão dos resultados, porque são órbitas que já estão bem mapeadas”, diz Sousa, que assinou como autor principal do estudo.
“Descobrimos que houve um match, uma coincidência. Nossas simulações foram consistentes com as observações das órbitas dos cometas”, diz o pesquisador. Além do fato de que as simulações do modelo com o nono planeta apresentaram as mesmas órbitas que podem ser observadas nos cometas conhecidos, a equipe conseguiu reunir evidências adicionais, relacionadas ao número de cometas. “Produzimos uma estimativa sobre o número de cometas com mais de 10 km de diâmetro que seriam produzidos, e comparamos com os cerca de quatro já observados. Sem a presença do planeta 9 na simulação, o número não chega a um. Com ele, pode chegar a 3,6 — o que é muito mais próximo da realidade”, completa.
Outro avanço proporcionado pela pesquisa foi uma clareza maior quanto às possíveis dimensões do hipotético Planeta 9. Até então, pesquisas apontavam para um astro de grandes proporções, com cerca de 15 massas terrestres, entretanto, para que a evolução do Sistema Solar e as órbitas dos cometas fossem compatíveis com a realidade, o grupo de pesquisadores descobriu que o Planeta 9 deve medir cerca de 7,5 massas terrestres (a título de comparação, a massa de Urano, o menor dos planetas exteriores, é de pouco mais de 14 vezes a massa terrestre).
“Por meio das simulações também confirmamos o resultado de um estudo muito recente que indica que objetos localizados na região expandida do Cinturão de Kuiper, cujas distâncias de periélio (menor distância em relação ao Sol) sejam inferiores a 30 UAs e inclinação inferior a 40 graus, também podem servir como são evidências do planeta 9. Esse resultado pode contribuir para uma melhor caracterização da órbita do Planeta hipotético em um tempo menor, pois esses objetos são mais fáceis de observar”, diz o pesquisador. “Nosso trabalho fornece alguns pontos que se mostram consistentes com a formação dos cometas, com o alinhamento e com a produção de objetos com baixo periélio”, diz Sousa.
O próximo passo dos pesquisadores é refinar ainda mais a simulação, desta vez focando os chamados cometas de longo período, que levam centenas e até milhares de anos para completar uma volta ao Sol. “O estudo desses cometas pode proporcionar ainda mais pistas sobre o Planeta 9, porque a origem deles é a Nuvem de Oort. Por isso, será o nosso próximo desafio”, diz o astrônomo.
O pesquisador também chama a atenção para a importância de que a pesquisa continue a identificar mais cometas e objetos transnetunianos. Quanto mais se expande o conhecimento sobre estes corpos celestes, maiores serão as chances de identificar sinais da influência gravitacional do Planeta 9 e, consequentemente, delimitar a região do espaço em que ele pode estar. E o futuro trará um importante aliado para esta busca: o Observatório Vera Rubin. O megaempreendimento está sendo construído no Cerro Pachón, no Chile, e a previsão é que as operações comecem ainda este ano. Entre os objetivos, está o mapeamento do Sistema Solar, com a perspectiva de descobrir cerca de 6 milhões de novos objetos na nossa vizinhança espacial.
Imagem acima: representação artística do possível Planea 9, pairando na borda do nosso sistema solar. A órbita de Netuno é mostrada como um anel brilhante ao redor do Sol. Crédito: ESO/Tom Ruen/nagualdesign