No último dia 19, o Banco Central anunciou que estava elevando em um ponto a Taxa Selic, que alcançou 14,25% ao ano. Foi a quinta alta consecutiva, o que estabeleceu a taxa básica de juros em seu maior patamar desde 2016. A nova elevação, a primeira a ocorrer no mandato do economista Gabriel Galípolo como presidente do Banco Central, já estava prevista e foi descrita por alguns analistas como uma herança de seu antecessor no cargo, Roberto Campos Neto.
Dois dias depois, o governo Federal iniciou o programa Crédito do Trabalhador, que visa oferecer empréstimos no modelo consignado a trabalhadores da iniciativa privada contratados no sistema CLT e que possuem FGTS. Em apenas três dias, foram realizados 22.545 contratos, e a estimativa é que o novo programa injete até R$ 120 bilhões apenas nos primeiros meses de negociação.
A adoção de uma medida extrema para combater a inflação está em flagrante contradição com o esforço do governo federal para dinamizar a economia. Gustavo Pereira Serra, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras do câmpus da Unesp em Araraquara, analisa o que está por trás destas contradições e discorre acerca dos possíveis efeitos sobre a economia brasileira.
“É importante a gente lembrar que, no ano passado, a inflação já superou o teto da meta. E este ano, dificilmente a inflação atingirá a meta novamente. A meta tem centro de 3%, com teto de 4,5%. A expectativa média de analistas do mercado para 2025 já está em 5,6%. Se olharmos para 2026, a expectativa de inflação é de 4,5%. Ou seja, exatamente o teto. E, se olharmos para os próximos anos, nem em 2028 espera-se que o centro dessa meta de 3% seja atingido”, diz Serra.
A reação do Banco Central a este cenário é elevar a taxa de juros para tentar controlar tanto a inflação quanto as suas expectativas. Isso acaba por encarecer o crédito, desestimular o consumo e o investimento. Essa busca pela desaceleração, no entanto, ocorre em um momento muito delicado para o governo federal, que observa uma queda em sua popularidade embora os indicadores de atividade e de emprego ainda estejam aquecidos.
Queda de braço
“Essa situação de desaceleração da economia pode prejudicar ainda mais a imagem do governo. O governo reage e anuncia medidas como essa do crédito consignado privado para compensar esse maior custo do crédito”, diz Serra. O Banco Central, por sua vez, eleva a taxa de juros, e o governo segue tentando reduzir o custo do crédito, o que prejudica a eficácia da política monetária do BC.
“Se o governo atua na posição contrária, barateando o crédito, a política do Banco Central torna-se inócua. Aquilo que o Banco Central projetava, o aumento do custo do crédito, não se concretizou. Ou seja: o efeito dessa política foi anulado. Se o Banco Central considerar que a inflação não desacelerou conforme esperado e identificar que isso ocorreu devido à atuação do governo na posição contrária do custo do crédito, o Banco Central pode sim considerar elevar ainda mais a taxa Selic.”
“Em linhas gerais, existe uma queda de braço. Uma ação descoordenada entre governo e banco Central”, diz o economista. “E a falta de coordenação entre governo e Banco Central é prejudicial à economia.”
Governo mantém arrecadação alta
Mas o governo federal tem outras razões. Um menor nível de atividade econômica implica menos arrecadação de impostos. Por outro lado, a taxa de juros mais elevada encarece a dívida pública, aumentando os desembolsos com os juros da dívida. O resultado é uma pressão maior sobre a esfera fiscal do governo, seara em que este já é alvo de críticas, tanto por analistas de mercado como por parte do Banco Central.
“Se pegarmos os comunicados do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o que se anuncia é que o ritmo de alta da taxa de juros, e no futuro a sua redução, tem relação com as sinalizações que o governo apresenta quanto à parte fiscal. Essa expectativa de um fiscal pressionado afeta as decisões do Copom quanto a elevar ou reduzir a taxa básica de juros. E, pensando para o ano que vem, a expectativa é que essa situação não vá mudar. Sobretudo porque teremos eleições, e em anos eleitorais não se espera que o governo faça um corte de gastos significativo”, diz o economista. “Ou seja, ao avaliar que o governo não irá se comprometer com um aperto fiscal, o Banco Central deverá continuar a manter taxas de juros elevadas para controlar a inflação.”
Por fim, o docente da Unesp em Araraquara aponta um terceiro elemento para a atuação do governo: a busca por implementar sua própria política econômica e distanciar-se daquela proposta pelo BC.
“Penso que o governo esteja tentando se desvencilhar da imagem dessa de política econômica induzida pelo Banco Central, adotando políticas contrárias e tentando mostrar que não concorda com a desaceleração da economia que o Banco Central está tentando causar. E por que o governo faz isso? O que o eleitorado espera do governo? Ele deseja uma combinação de baixa inflação e emprego elevado. E nos últimos tempos, nós tivemos vários fatores que pressionaram a inflação, entre eles uma desvalorização significativa do câmbio. Tivemos aumentos dos preços de alguns alimentos importantes, como café e carnes, além de uma política fiscal do governo que contribui para esse cenário”, analisa.
“Esse cabo de guerra entre o fiscal e a política monetária deve se estender para os próximos anos’, avalia.
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