“Mozamba” é o nome artístico da percussionista, cantora, compositora e atriz mineira Josiane Lopes da Silva. Natural de Belo Horizonte, a artista de 36 anos tem construído uma obra autoral calcada nos timbres dos tambores afro-mineiros, na cultura do Reinado Mineiro (também conhecido como Congado) e em seu trabalho como pesquisadora da diáspora africana em Minas.
Ela diz que sua formação musical se relaciona à suas buscas pessoais. “Sou a única artista da família, e me lembro de cantar desde pequena. Lembro de ouvir Jovelina Pérola Negra, James Brown, Fundo de Quintal, artistas semelhantes. Mais tarde, vim a conhecer um pouco mais da MPB tradicional, e fiquei apaixonada por Elis Regina, por exemplo. Por volta dos 16 anos, meu tio decidiu levar-me para um coral lá em BH. Aí se iniciou mesmo a minha relação com a música”, rememora.
Posteriormente, Josy.Anne, como também é conhecida, fez curso de extensão em canto lírico na Universidade Federal de Minas Gerais. Quando teve contato com o Centro Cultural Tambor Mineiro, passou a fazer aulas do instrumento. “Por volta de 2008, quando ingressei no Centro Cultural e comecei a tocar tambor, pirei no instrumento. Foi uma virada de chave para mim. Vi que poderia tocar, cantar e me expressar por meio daquela arte. Foi tocando tambor que me senti artista pela primeira vez”, diz.
A música abriu-lhe as portas para ingressar no universo do teatro. Formou-se como atriz e integrou o elenco de musicais de grande sucesso, como “O Rei Leão”, “Mudança de Hábito” e “Ghost”. “O teatro sempre está atrelado a música em minha trajetória artística, e era nas coxias dessas produções que eu buscava inspiração para desenhar minha carreira autoral. Inclusive, foi no teatro que ganhei o apelido de Mozamba. Não tem um significado específico. Se refere ao meu jeito de ser, um jeito ‘Mozamba’ (risos). Mas, sem dúvida, remete a Moçambique. Pegou, e eu gostei”, diz.
Em 2016, ela lançou seu primeiro single, Espelho. Logo depois, saiu o primeiro EP, Essência. Desde então, a multiartista vem tecendo um repertório de ritmos e poesias que tem como referência o espectro da música afro-mineira. O mergulho na cultura do Reinado Mineiro lhe trouxe mais entendimento sobre o território musical no qual optou por se inserir. A trajetória de shows e apresentações foi importante para entender seu processo de composição e os modos de expressão com que mais se identifica.
Seu nome artístico também batizou seu álbum de 2022, Mozamba, muito bem recebido pelas críticas. A partir desse repertório, ela protagonizou o show “Mozamba – Jikula Onjira”. A expressão Jikula Onjira faz parte do vocabulário das línguas sagradas faladas no Reinado Mineiro, e significa “abrir caminhos”. O espetáculo, dirigido pelo renomado músico e produtor Curumin, passou por diversos espaços culturais (incluindo o Sesc Pompeia) e feiras musicais importantes.
Com direção artística da própria cantora, o disco álbum foi produzido em parceria com Ipori Art Project, Bendito Ofício e Sinergia Projetos Cultura, e contou com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. A obra saiu pelo selo YB Music.
“Praticamente tudo foi gravado e produzido de forma remota, ainda no período da pandemia de Covid-19. Entretanto, houve muita pesquisa e busca de elementos para a montagem da obra. Ancoradas na perspectiva das mulheres sobre o universo do Reinado, as canções do álbum foram gestadas a partir da inspiração e diálogo com as capitãs Pedrina e Ester Antonieta, a atriz Kátia Aracelle e a rainha konga Ana Luzia da Silva Moraes, todas do Massambique de Nossa Senhora das Mercês, da cidade de Oliveira, em Minas Gerais, e da poeta, ensaísta e dramaturga Leda Maria Martins”, relata.
O tambor mineiro é fiel companheiro de Mozamba. “Para elaborar as faixas do álbum, busquei fundamentos nesse território bantu, com autenticidade e respeito à ancestralidade. É assim que busco me firmar como artista, ao abordar a diáspora Africana presente no Brasil com gosto de mineiridade, construindo uma obra peculiar com a minha cara.”
Disponível nas plataformas digitais, o trabalho conta com a participação de Babadan Banda de Rua, Júlia Tizumba e o mestre Maurício Tizumba. A voz e o tambor mineiro regem a dramaturgia rítmica das canções, enquanto a percussão e beats eletrônicos se fundem a timbres de piano, violão e guitarra.
Reconhecida como artista transdisciplinar, Mozamba diz que a abordagem independente que adotou para sua carreira tem assegurado liberdade criativa. “Ser artista independente no Brasil é bem difícil. Principalmente no que diz respeito a encontrar espaços para sonoridades novas como as minhas, bem peculiares, porém tenho obtido bons resultados. Entretanto, encontrei meu som: meu território musical contemporâneo, da negra ressonância mineira, de forma festiva, reflexiva e polifônica”, diz.
Confira abaixo a entrevista completa ao Podcast MPB Unesp.