Academia abraça as mesmas propostas que critica

Deputado federal que apresentou sugestões a presidência da Capes para potencializar o impacto das pesquisas conduzidas no Brasil recebeu críticas e ataques pessoais. Mas críticas ignoraram o fato de que muitas das propostas já são adotadas em diversos programas pelo país. Iniciativa tem o mérito de convidar gestores a refletir sobre quais elementos caracterizam efetivamente a produção de ciência de alta qualidade.

No dia 9 de outubro, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou requerimento do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) que sugere à presidente da Capes “a adoção de medidas para promover pesquisas de maior impacto nos programas de pós-graduação stricto sensu no país”. Não demorou para que o texto circulasse no meio universitário e se espalhasse pelas redes sociais, gerando manifestações em defesa da pós-graduação e também ataques pessoais ao autor do requerimento.

Embora frequentes, críticas ad hominem são inapropriadas e só costumam enfraquecer qualquer argumentação. Uma lida mais cuidadosa do requerimento mostra, porém, uma peculiaridade: várias das sugestões apresentadas já estão presentes no âmbito das principais agências de fomento do país e de alguns programas de pós-graduação.

A primeira sugestão do requerimento pede para que seja incorporado o seguinte artigo à Portaria Capes 122/2021:

“Para fins de avaliação do programa, somente serão consideradas produções concebidas que tenham sido publicadas em periódicos internacionais indexados que possuam valor de parâmetro de impacto dentro do primeiro tercil entre os que constam na plataforma Web of Science”.

A portaria citada consolida os parâmetros e os procedimentos gerais da avaliação quadrienal de permanência da pós-graduação stricto sensu no Brasil. A suposta (e errônea) relação direta entre qualidade e fator de impacto já é amplamente utilizada por agências de fomento e universidades.

No relatório de seminário de meio termo de 2023 da área de Física e Astronomia da Capes, a seção de sugestões de mudanças da ficha de avaliação quadrienal 2025 e 2029 coloca no item 3.1 que: “Será também avaliada a produção discente e dos docentes considerando a produção em revistas com fator de impacto intermediário e fator de impacto alto”. Os fatores de impacto intermediário e alto são, respectivamente, 2,5 e 9.

O Fator de Impacto (FI) é um indicador bibliométrico que atribui um número ao periódico com base na quantidade de citações dos artigos que publica. O cálculo é feito tomando-se o total de citações, em determinado ano, dos artigos publicados nos dois anos anteriores, dividido pelo número de artigos publicados nesse mesmo período. Por exemplo:

A = Total de citações em 2020

B = Citações, em 2020, dos artigos publicados em 2019 e 2018 (subgrupo de A)

C = Artigos publicados em 2019 e 2018

D = B/C = FI de 2020

De maneira semelhante à Capes, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) também associa o FI à qualidade das pesquisas, além de usar esse critério numérico para desconsiderar outros artigos. Comitês de área como o de Física e Astronomia informam que “tipicamente, são considerados somente artigos com fator de impacto acima de 1,5 nessa avaliação”. Embora haja a ressalva de que “áreas com revistas de baixo parâmetro de impacto […] são tratadas de forma diferenciada”, na prática, não é bem isso que acontece.

Dessa forma, ainda que a proposta do requerimento seja formalmente mais restritiva do que aquilo que aparece nas regras das agências de fomento e universidades, na prática já acontece o que está sendo sugerido pelo deputado – neste caso, a leitura da proposta apenas mostra que a Academia adota os mesmos critérios equivocados de Nikolas Ferreira, já que o FI pode ser definido por apenas uns poucos artigos que receberam muitas citações.

Quando se adota o FI como representativo da qualidade de uma revista (pressupondo, por um momento, que o número de citações seja um indicador válido de qualidade, algo em si discutível) incorre-se em erro, pois boa parte dos artigos publicados em qualquer periódico nem sequer recebe uma única citação.

A segunda proposta do requerimento consiste em uma série de itens que visam a criação de uma política pública para a melhoria da qualidade da pós-graduação. Dentre elas: cadastro de docentes com produção equivalente à de um pesquisador de produtividade CNPq; exigência de publicação de artigo em revistas científicas para a obtenção de título de mestre ou doutor; incentivar que as apresentações e as aulas sejam em inglês; e convidar pesquisadores de países da OCDE para visitar o país, com exigência de contrapartida de produção em coautoria com estudantes locais.

Embora as sugestões se apliquem a algumas áreas – na área de Física, por exemplo, todas já podem ser encontradas em diversos programas de pós-graduação –, elas não são facilmente aplicáveis a programas que têm maior aderência a temas locais ou que tenham uma tradição de publicação em livros, em vez de artigos. Alguns cursos de excelência, principalmente da área de Humanas, têm essas características, mostrando que a definição daquilo que deve se tornar política pública precisa ser discutido com os especialistas de cada curso. Não é possível fazer uma generalização como a proposta.

Por fim, a justificativa para pautar o requerimento manifesta uma posição que não pode ser atribuída exclusivamente a setores políticos que se notabilizaram por atacar as universidades. Membros da própria Academia costumam fazer afirmações similares ao que está no texto do deputado: “partindo da premissa que a pós-graduação deve servir aos interesses do povo brasileiro, e não se constituir em um fim em si mesmo, pode-se dizer sem sombra de dúvidas que o impacto da pesquisa produzida por um programa é a medida mais estreitamente correlacionada com a qualidade”.

O caráter servil atribuído à pesquisa científica é completamente inadequado. De acordo com a lógica da serventia, a pesquisa básica de Max Planck, um dos precursores da mecânica quântica lá no início do século 20, nunca teria sido fomentada. Vários conceitos estudados lá atrás, sem nenhuma aplicação naquele momento, hoje dão suporte para o desenvolvimento de lasers e aparelhos de ressonância magnética para a medicina, por exemplo. Nos anos 2000 estimava-se que um terço do Produto Interno Bruto dos Estados Unidos estava diretamente relacionado a produtos oriundos do desenvolvimento da mecânica quântica.

Dizer que o “impacto” de uma pesquisa está relacionado à sua qualidade é uma afirmação vazia, porque “impacto” é, nesse contexto, uma palavra mal definida. Se tomada como sinônimo do quociente gerado no cálculo do “Fator de Impacto”, a afirmação passa de vazia a falaciosa. Se “impacto” for tomado como significando a importância da contribuição para o avanço da ciência, da tecnologia e da sociedade, é simplesmente impossível definir o prazo que deve ser considerado para dizer qual o “impacto” de uma pesquisa.

As ondas gravitacionais, previstas por Albert Einstein em 1916, foram detectadas experimentalmente somente 100 anos depois. A colaboração LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) anunciou oficialmente a medição dessas ondas gravitacionais em fevereiro de 2016. A detecção do bóson de Higgs, previsto por Peter Higgs e colaboradores em 1964, deu-se somente em 2012. Não é possível, portanto, estabelecer a priori o “prazo de validade” de uma pesquisa científica.

Apesar do histórico político do deputado que preside a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o requerimento, embora inadequado ao aplicar as sugestões de forma generalizada a todas as áreas do conhecimento, tem o mérito de incentivar os gestores a refletirem sobre as propostas. Muitas dessas sugestões já são aplicadas em diversas pós-graduações. Nesse contexto, tanto concordar quanto discordar do texto de Nikolas Ferreira pode gerar um debate construtivo.

Marcelo Takeshi Yamashita é assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp. Foi diretor do Instituto de Física Teórica (IFT) no período de 2017 a 2021.

Publicado originalmente na revista Questão de Ciência.