Após meses de trabalho no âmbito de um grupo técnico criado no Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), Unesp, USP e Unicamp construíram uma proposta conjunta para garantir a manutenção da autonomia financeira conquistada pelas instituições há 35 anos depois que a reforma que simplificará a tributação no país acabar com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS).
A proposta foi apresentada nesta quarta-feira, 28 de agosto, pelo professor Sebastião Guedes, da Unesp, durante a segunda edição do ciclo nacional de seminários sobre autonomia universitária, realizada no Instituto de Estudos Avançados da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo. De acordo com Guedes, um dos nove integrantes do grupo técnico criado no Cruesp, o percentual de 8,63% da receita tributária líquida do estado seria o equivalente aos atuais 9,57% do ICMS destinados às universidades.
O modelo utilizado considerou as arrecadações estaduais de 2013 a 2022 e a vinculação à receita tributária líquida do estado repete a fórmula da Fapesp, a fundação de amparo à pesquisa paulista criada em 1962 e financiada com 1% da receita tributária estadual. A proposta será apresentada ao governo estadual em uma reunião nesta sexta-feira.
“É o modelo ideal. As universidades estariam bastante protegidas com este novo modelo (de financiamento), feito com base em um estudo aprofundado”, diz o reitor Pasqual Barretti, da Unesp, ciente de que a autonomia financeira das universidades não é ponto pacífico no governo estadual. “Sabemos que existe uma crítica (por parte do governo estadual) ao sistema que temos hoje (de vinculação de receitas). Agora vai ser um trabalho nosso, como reitores, convencer o governo do estado de que estamos no caminho certo”, afirma.
Conquistas da autonomia
Barretti foi o moderador do painel “Caminhos da autonomia”, que apresentou a proposta de repactuação tributária construída pelo Cruesp e trouxe também uma visão jurídica a respeito do tema central do seminário, apresentada pela professora Nina Ranieri, da USP. A autonomia universitária foi estabelecida pelo artigo 207 da Constituição Federal de 1988 e reafirmada nacionalmente pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação brasileira, em 1996. No âmbito estadual, a autonomia plena foi alcançada por meio do decreto estadual 29.598, de 1989, assinado pelo ex-governador Orestes Quércia, que criou a vinculação de receitas com o ICMS e forjou aquele que se tornaria um modelo para o país.
“Participei da gestão (da USP) antes da autonomia e vi as dificuldades de administrar a Universidade de São Paulo, pois se esbarrava na incerteza do seu equilíbrio financeiro e principalmente das suas ações administrativas. Tínhamos, sim, muitas dificuldades de gestão e a autonomia foi um divisor de águas”, afirma Vahan Agopyan, secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação e ex-reitor da USP.
Os 35 anos da autonomia universitária em São Paulo projetaram USP, Unesp e Unicamp ao topo da produção científica nacional, lembra o presidente da Fapesp, o professor Marco Antonio Zago, também ex-reitor da USP. “Há que se enfatizar então que o povo e os governos paulistas se distinguem porque, há mais de 35 anos, conduzem uma política de estado, de respeito e promoção às suas universidades. Ao lhes conceder uma real autonomia didática, administrativa e financeira, o governo de São Paulo implantou uma política exemplar para o país e para o mundo”, diz Zago.
O presidente da Fapesp alertou para o que chamou de “abusos” contra a autonomia universitária, definindo-a como um instrumento a favor das sociedades democráticas. “O abuso contra a autonomia universitária pode tomar muitas vezes formas sutis, mas nem por isso menos deletérias à sociedade. Porque, sim, o abuso contra a autonomia universitária é deletério para a sociedade. A autonomia não é um privilégio para beneficiar a universidade, é um instrumento de proteção da sociedade para garantir que a universidade possa cumprir o seu papel de pensar criticamente a sociedade, para garantir que seus estudantes tenham liberdade de aprender”, diz Zago.
O painel dedicado à história da conquista da autonomia em São Paulo teve a participação de Carlos Vogt, ex-reitor da Unicamp, e de dois secretários estaduais do governo Quércia (1987-1991), Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Frederico Mazzucchelli. Ambos lideraram o processo que culminou no decreto da autonomia universitária assinado em 1989 e demonstraram preocupação com o ambiente político atual. “A autonomia foi fruto de uma articulação política muito peculiar na época. As condições de autonomia atuais são muito precárias”, alerta Frederico Mazzucchelli. “Existe uma movimentação positiva dos atuais reitores, mas a autonomia corre risco”, afirma.
Os reitores da USP e da Unicamp também participaram do seminário. Carlos Gilberto Carlotti Júnior, da USP, destacou a responsabilidade que os reitores das três universidades estaduais paulistas passaram a assumir com a autonomia financeira, lembrando que todas conseguiram resolver seus problemas ao longo das últimas décadas sem ter que recorrer ao governo. Antonio José de Almeida Meirelles, da Unicamp, ressaltou as inovações desenvolvidas a partir dos trabalhos feitos nas universidades e também lembrou de como as instituições passaram a gerir com responsabilidade os próprios orçamentos.
Para Carlos Vogt, o decreto da autonomia em São Paulo foi “o gesto de política pública mais importante da história das universidades” no país, mas o projetado fim do ICMS coloca à mesa o principal desafio do momento: debater a manutenção daquela conquista.
Imagem acima: Sebastião Guedes (Unesp), Nina Ranieri (USP) e o reitor da Unesp Pasqual Barretti durante painel apresentado no Instituto de Estudos Avançados da USP.