Desde domingo, 19, o país se despede de uma das maiores referências da história da TV brasileira, o empresário e apresentador Silvio Santos, e celebra sua história e seu legado. Sílvio, como era chamado intimamente pelos milhões de fãs que conquistou ao longo de seis décadas de carreira na telinha, faleceu aos 93 anos, em decorrência de uma broncopneumonia após infecção por influenza A (H1N1), em 17/8, na cidade de São Paulo.
Silvio Santos, nome artístico de Senor Abravanel, nasceu no bairro da Lapa, na região central do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, em 12 de dezembro de 1930. Era filho primogênito de um casal de imigrantes judeus que veio em 1924 para o Brasil. Foi sua mãe que passou a chamar o jovem Senor de Sílvio, porque achava mais fácil para decorar. E o sobrenome artístico apareceu quando, no início de sua carreira, foi participar de um programa de calouros e, pouco antes de entrar no ar, disse “que todos os santos me ajudem”.
Trabalhando como camelô, vendedor e também locutor de rádio, Silvio estreou na televisão no início da década de 1960 como apresentador do Vamos Brincar de Forca, exibido pela TV Paulista. Posteriormente, a atração tornou-se o Programa Silvio Santos. Mais tarde, tornou-se o proprietário do Grupo Silvio Santos, conglomerado que inclui entre suas empresas o Sistema Brasileiro de Televisão, a Jequiti e a TV Alphaville. Seu patrimônio líquido foi estimado em US$ 1,3 bilhão em 2013. Silvio nunca se aposentou oficialmente, porém afastou-se da televisão em 2022, quando, em setembro, fez sua última gravação como apresentador, exibida no ano seguinte.
Ana Silvia Lopes Davi Medola, especialista em comunicação televisual e professora no Curso de Comunicação Social: Rádio, Televisão e Internet da Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru, analisa o legado de Silvio Santos para a história da televisão brasileira.
Ela destaca o paralelismo entre o desenvolvimento profissional do comunicador e o do meio de comunicação que lhe tornaria famoso. “A televisão foi instalada no nosso país em 1950. Ele cresce junto com ela, com essa televisão que era feita ao vivo nesse período dos anos 1950 e início dos anos 1960. E vai aprendendo de forma muito, muito astuta. Ele observa o que se faz fora do Brasil, o que é sucesso lá fora, E entende que a nossa televisão tinha esse caráter comercial, segundo o modelo da televisão americana. Participava das feiras internacionais, onde são apresentados os novos formatos, e aprendia para depois produzir suas próprias versões, em sua televisão”, diz.
Essa busca pelo que era feito fora do Brasil permitiu a Sílvio desenvolver suas próprias concepções sobre o veículo. “Ele vai adquirir produções de empresas latinas de televisão, que oferecem programação com um traço de melodrama. E percebe que existe uma estética muito, muito circense, em programas como Chaves ou Chapolin Colorado. É uma percepção muito aguçada sobre as necessidades do seu público, que pertencia às classes C e D. Esse público precisava de uma comunicação mais direta, que as outras televisões não ofereciam. Ele possuía essa característica singular de conseguir compreender esse público”, diz.
Ana Silvia diz que as pesquisas na academia brasileira tendo o apresentador como foco iniciaram-se ainda nos anos 1980. Desde então, ele já foi objeto de investigações dos mais variados graus de complexidade, que vão de trabalhos de conclusão de curso a teses de doutorado e artigos científicos. Essas pesquisas, no entanto, tardaram a se iniciar porque a academia tinha uma implicância e preconceito contra a produção televisiva do Brasil.
“A academia, no Brasil, via no início a televisão como algo indigno de ser estudado. Esse preconceito com os meios de comunicação de massa era algo muito evidente. Penso que o Silvio Santos está quase nesse escopo. Talvez agora, com o seu falecimento, possam surgir novos trabalhos dando a devida relevância para esse interessante objeto de estudo”, diz.
E ela pontua os fatores presentes na atuação de Sílvio como comunicador que podem ser objeto de estudos. “Podem ser feitas análises sobre conteúdos que mostram uma certa visão preconceituosa quanto a determinados gêneros, determinados segmentos da população. Que apontam para uma relação, entre o apresentador e os seus convidados, que pode ser entendida como quase um assédio, envolvendo uma linguagem mais autoritária. Todos esses elementos estão presentes nos programas, e vale a pena serem estudados”, diz. “Talvez, o passar do tempo e o distanciamento sejam interessantes para que sejam feitas estas observações”, diz.
Esta sintonia com o público é parte do legado que ele deixa para a TV brasileira, avalia a pesquisadora. “Penso que o legado que ele deixa está atrelado a um caráter mais simbólico, no imaginário coletivo, de se relacionar com um segmento da população muito carente de atenção. E cujo imaginário ele compreendia, até mesmo do ponto de vista da chacota, com brincadeiras como “Quem quer dinheiro?”. Veja que um dos maiores problemas dessas classes menos favorecidas é que não tem dinheiro para as suas necessidades básicas, certo?”, diz.
“Então, ele criou um contraponto entre a vida real e o escape proporcionado pelo lazer. Um momento de distensão para algo tão difícil. Não sei se ele agia conscientemente ou não. Mas era uma ligação muito direta, muito rápida com coisas que eram importantes para essas pessoas, gerando esperança, perspectiva e possibilidades para elas. Inclusive, por meio dos seus negócios”, diz. “Ele oferecia um discurso que prioriza o bem-estar, a leveza, um olhar mais positivo sobre as coisas. E fazia isso justamente no dia de domingo. O Silvio Santos, ele é um visionário.”
Ouça a seguir a íntegra da entrevista.
Imagem acima: Silvio Santos aos 90 anos. Crédito: Wikimedia Commons.