Brasil, país da… tilápia. Aos poucos, este é um dos apelidos que estamos ganhando devido à crescente importância da espécie Oreochromis niloticus, natural da África e do Oriente Médio, para nossa dieta e nossa indústria de proteína animal. Entre 2013 e 2023, o consumo per capita do peixe pulou de 1,84 kg para 2,47 kg, e no ano passado respondeu por 64% das 580 mil toneladas de peixe produzidas pela indústria de piscicultura. Num distante segundo lugar na lista ficaram, simplesmente, todas as espécies nativas, com 29,7% do total. Atualmente, somos o quarto maios produtor mundial da iguaria. Os dados são da Associação Brasileira da Piscicultura.
Agora, um novo estudo, conduzido por pesquisadores ligados à Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira da Unesp, campus de Registro, pode ajudar a produção brasileira a dar um salto, sem exigir o consumo de mais insumos como rações ou espaço. A metodologia emprega seleção genética. Os resultados foram publicados em artigo publicado na revista Aquaculture.
Em condições adequadas, a tilápia se reproduz naturalmente durante todo o ano e pode gerar até 3 mil ovos por desova. Mas o ciclo reprodutivo natural, sem intervenção genética, pode afetar a produção por causa da produção irregular de ovos.
A garantia do fornecimento de alevinos (filhotes de peixes em sua fase inicial) é crucial na cadeia de cultivo de tilápias e sua interrupção pode acarretar prejuízos. Por isso, a obtenção de matrizes de tilápia mais férteis é um benefício para a piscicultura. “Programas de melhoramento de tilápia têm avançado rapidamente na seleção de linhagens para crescimento e resistência a doenças. Mas características reprodutivas raramente são incluídas nessa avaliação”, explica Rafael Reis Neto, da Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira da Unesp de Registro.
O trabalho foi conduzido como parte da pesquisa de mestrado em aquicultura de Thais Gonçalves, sob orientação de Reis Neto, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Unesp de Jaboticabal, que é ligado ao Centro de Aquicultura da Unesp (CAUnesp). Thais e Neto são autores do artigo. Ela é proprietária de uma piscicultura comercial na cidade de Registro, SP. A empresa produz alevinos e juvenis de tilápia desde 2009,e possui um banco de dados com mais de 6.000 registros de características reprodutivas de 2.675 matrizes microchipadas, entre 2009 e 2021.
“Como a base de dados era completa, conseguimos identificar as fêmeas com desovas em intervalos mais curtos, e que produziram mais ovos em cada desova”, explica Thais. Ao usar estes indivíduos, ela experimentou um salto de eficiência. A mesma produtividade obtida por 950 fêmeas, que desovavam seus ovos a cada 45 dias, foi alcançada por 150 fêmeas, que se mostraram capazes de apresentar uma desova em períodos menores, de 10 a 12 dias.
A possibilidade de redução do período entre desovas sucessivas, portanto, tende a tornar a oferta de alevinos mais constante e, consequentemente, as fêmeas desovarão mais vezes por ciclo reprodutivo, resultando em um maior volume final de ovos à disposição. Além do setor produtivo, animais que desovam com maior frequência são interessantes para programas de melhoramento genético, pois o longo período necessário para gerar as famílias de irmãos completos e meios-irmãos torna mais complexa a análise de dados, dificultando a seleção de exemplares mais eficientes.
De acordo com os cientistas da Unesp, alguns fatores são determinantes para regular o intervalo entre as desovas, desde condições ambientais como temperatura e intervalo de sol até a nutrição dos reprodutores. Os tipos de manejo, como a forma de coletar os ovos na boca das fêmeas e a proporção de machos e fêmeas nos tanques, também são importantes. Os fatores genéticos, como ficou provado agora, passam a ser igualmente relevantes. “Como o banco de dados era bem completo, conseguimos verificar, por meio da ‘repetibilidade’, que as fêmeas poderiam manter sua alta eficiência reprodutiva por vários anos, adiando a reposição das matrizes”, diz Reis Neto.
Do ponto de vista global, a tilápia é uma das espécies continentais mais importantes da piscicultura, principalmente na Ásia. Em 2010, a produção mundial bateu 2,7 milhões de toneladas. Uma década depois, segundo dados da FAO, os números quase duplicaram, chegando a 4,5 milhões de toneladas. Número que representa 8,3% da produção total de peixes em aquacultura de água doce. A tilápia é a terceira espécie da lista mundial das mais comercializadas, atrás apenas de duas espécies de carpas. Mas as estimativas indicam que a tilápia deve atingir o topo em breve. “Até por isso, avançar a seleção genética de fêmeas reprodutivas da espécie, em busca de maior eficiência, passa a ser importante” explica o professor.
Thais agora continua com seus estudos durante o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da Unesp de Jaboticabal. Ela conta que é difícil encontrar funcionários para atuar nesta indústria. “O uso das fêmeas mais eficientes interfere tanto no espaço usado para produção, que pode ser menor, quanto na mão de obra, que pode ser bastante reduzida neste contexto”, explica Thais. “Os ganhos ocorrem em várias frentes”, diz.
Imagem acima: tanque de criação de tilápias. Crédito: Toa55/Deposit Photos.