A certidão de nascimento diz Rafael Galhardo, mas é como Eu Galhardo que o cantor, compositor e produtor musical carioca vem construindo uma trajetória plural que perpassa arte, música, inclusão social, bem-estar e até saúde mental.
Galhardo nasceu de um casal pais adolescentes cujo gosto musical regulava com o de tantos jovens brasileiros dos anos 1980, ouvindo frequentemente artistas como Celso Blues Boy, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Dire Straits – aliás, um álbum clássico dessa banda, o multiplatinado Brothers in Arms, foi o primeiro disco que ganhou de presente, aos cinco anos de idade. Por volta dos 14 anos começou a se interessar pelo violão, e iniciou seus estudos no instrumento. Na sequência, vieram as primeiras experiências musicais, tocando com amigos do bairro do Grajaú, zona norte da cidade. Desde o começo já gostava de escrever as próprias letras e aos poucos foi desenvolvendo sua musicalidade. Mas foi um processo que exigiu trabalho.
“Naquela época, o acesso à Internet ainda era restrito. A gente recorria aos classificados dos jornais para ver se encontrava guitarrista, baterista, enfim, músicos que estavam afim de tocar numa banda. E também estúdios, para poder ensaiar. Falando assim, me sinto um dinossauro, mas na verdade isso foi ontem, 1996 e 1997”, lembra. Ele conta que certa vez, quando faziam um ensaio para testar um possível novo baterista para uma banda, o novato simplesmente sumiu. “Aí o baterista que trabalhava no estúdio acabou entrando para a banda. Comprou a ideia, começou a fazer parte da turma e começamos a escrever e criar juntos músicas e letras que tinham a ver com a nossa realidade. Ele se tornou um grande amigo meu. Então, as coisas rolavam na raça, e pelas oportunidades da vida”, conta Galhardo.
O primeiro trabalho de maior projeção foi a banda Rockted. “A Rockted foi minha banda por muito tempo, e contribuiu de formas curiosas para a minha profissionalização musical”, diz. “O primeiro EP, por exemplo, foi gravado na minha casa, pois não tínhamos recursos financeiros para gravar num estúdio legal. Enfrentamos limitações no aspecto do equipamento, mas, por outro lado, havia tempo para ajustar timbres e arranjos, e dar uma roupagem mais ajustada para gravar uma fita K7, que usamos para fazer divulgação”, diz.
A fita rodou e chegou umas principais rádios jovens do Rio, a Rádio Cidade, onde começou a ser executada. “Começamos a fazer shows no Rio, em São Paulo, em Curitiba. E também em eixos diferentes, como o Mato Grosso. Inclusive, chegamos a tocar na MTV”, diz. Posteriormente, gravaram um segundo EP, também de forma independente, que foi bastante elogiado pela imprensa carioca. “Isso para nós foi muito importante. Com o processo da banda acontecendo, resolvi abrir um estúdio no Rio de Janeiro. Ele ganhou novos rumos e decidi seguir minha trajetória pessoal”, diz.
Nasce o projeto Vila Musical
Além de proprietário desde 2005 dos Estúdios Vila Musical, ele canta, toca, compõe e produz, tendo trabalhando com artistas como Elza Soares e Cidade Negra. Também é guitarrista e backing vocal de uma das principais bandas de reggae do país, a Ponto de Equilíbrio. Mas seu projeto de maior destaque é a Vila Musical. Idealizada por Eu Galhardo, e há 19 anos em funcionamento, é um empreendimento multifacetado, servindo como centro cultural e oferecendo prestação de serviços especializados em áudio e vídeo. Sua reputação no meio musical é a de uma empresa plural, criativa e inclusiva. Suas três unidades, situadas nos bairros cariocas Grajaú, Maracanã e Cosme Velho, oferecem salas para ensaios e gravações, aluguel de equipamentos para shows, ensino de música, e salas para dublagem, locuções, jingles, produções e lives. Seus serviços são contratados por artistas como Lulu Santos, Maria Rita, Maria Bethânia e Mart’nália, entre outros.
A decisão de montar um estúdio, compartilhada por Galhardo e alguns colegas de banda, foi o início do projeto. Motivados, investiram todas as economias para adquirir instrumentos e equipamentos, e meteram a mão na massa para erguer tijolos, pintar paredes etc. Posteriormente, o músico decidiu prosseguir no ramo e se tornou o proprietário.
“O Vila Musical se tornou um antagonismo da minha vida. Quando a gente pensa em montar um estúdio, sonha em viver 24 horas por dia tocando e respirando música, mas não é assim. As nossas responsabilidades não permitem, temos contas para pagar como toda empresa”, diz. “Mas, de certa forma, ela também me aproximou da música. Lá, conheci uma série de pessoas, artistas e amigos, que passaram e passam pela minha vida pessoal e profissional”, diz.
Hoje, com mais de 100 alunos, a Vila se tornou muito mais do que uma escola de música e que disponibiliza estúdios; é um espaço de encontro para pessoas que pensam e refletem além da música. “A minha ideia é que as pessoas possam se tornar amantes da cultura, da música, de valores humanos, por meio do entretenimento, da satisfação de poder tocar um instrumento, e compartilhar esse sentimento de bem-estar. Celebrar coletivamente, sem disputa, sem ego, num contexto terapêutico”, diz. Um fator a mais de inclusão no projeto está na abertura do espaço para atender crianças PCD (Pessoa Com Deficiência). “Usamos esses pensamentos e práticas como componentes catalisadores para que as pessoas que estão ali possam se relacionar de uma forma melhor e mais humana com o mundo”, diz.
Como Produtor Musical, produziu o single Batidão Bonito, do compositor Rodrigo Maranhão, e também produziu trilhas sonoras para a Cruz Vermelha Brasileira. Realizou shows por todos os estados do Brasil, além de apresentações internacionais pela África, América Latina, Europa e Estados Unidos. Em 2021 compôs músicas para o Instituto Incluir baseado nos livros infantis para crianças PCD, criando a turma Incluídos e Misturados. Começou também a gravação de seu primeiro trabalho solo, com composições autorais e participações, com lançamentos desde de 2023. Seu trabalho solo inclui quatro singles, que estão disponíveis no Youtube, e também nas redes sociais e nas plataformas digitais.
“Creio que a minha obra seja uma transformação contínua da minha pessoa, e da minha relação com a arte e com o mundo”, diz. “Inclusive, meu nome artístico, Eu Galhardo, tem a ver com o fato de a música e a arte existirem dentro de mim. Tanto na minha vida pessoal quanto na profissional, creio que tudo flui de forma espontânea e transformadora, o que me permite tornar um ser humano melhor, mais tranquilo, aprimorando a minha empatia. A forma como eu vejo o mundo e de como quero que meu filho veja o mundo: com respeito, amor e arte. Por isso o nome ‘Eu’ Galhardo”, diz.
Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.
Imagem acima: crédito: Renan Yudi.