Márcio de Camillo: multiartista e arauto da cultura pantaneira

Parceiro e colaborador de nomes como Renato Teixeira, Almir Sater e Manoel de Barros, o cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural tomou para si a missão de compartilhar com o mundo a potência da música e da poesia do Brasil central.

Nascido na cidade de São Paulo, mas criado no estado do Mato Grosso do Sul, o cantor, compositor, instrumentista e produtor cultural Márcio de Camillo se tornou uma referência da música e da cultura pantaneira, ao lado de outros nomes bem conhecidos da música brasileira.

O artista descende de espanhóis que deixaram Santiago de Compostela no final do século 19, chegaram ao Uruguai,  subiram para Corrientes, na Argentina, e navegando pelo Rio Paraguai alcançaram o Pantanal, no Mato Grosso do Sul. “Essa é a trajetória do lado da família do meu pai, que é extremamente musical. Todos eram, ou são, artistas, e não de uma arte só. A música é uma delas. Eu sou músico, mas também desenho, atuo, mexo com cinema. Não só eu, como meu pai, meus sobrinhos. Há muita arte na família. Como dizia meu pai, o verdadeiro artista não é artista de uma arte só”, relata.

Filho caçula, Camillo nasceu na capital paulista devido a circunstâncias profissionais de seu pai, que trabalhava como arquiteto. A família retornou ao Mato Grosso do Sul quando ele ainda era pequeno, e lá ocorreu sua formação como artista.

“A minha influência musical veio de uma miscelânea de ritmos que eram ouvidos na minha casa, de Burt Bacharach até a polca paraguaia. Na verdade, a influência paraguaia no Centro-Oeste brasileiro foi tão forte que na década de 1950 programas de rádio em São Paulo, por exemplo, traziam canções de duplas da região de fronteira do Paraguai com o Brasil”, diz. “Eu nasci em São Paulo, mas o meu coração nasceu mesmo lá no MS, uma alma totalmente pantaneira.”

Aos 12 anos de idade, um amigo do colégio o convidou para jogar bola na casa dele. “Quando eu cheguei lá, tinha um cabeludo tocando viola caipira. Eu olhei para aquele instrumento, para aquele cara, e pirei: nossa, que legal! O cabeludo era o Almir Sater. Ali, eu virei músico. Esse guri é o meu grande parceiro Rodrigo Sater (filho do Almir), que considero um irmão. Sou fruto daquela casa. Inclusive a viola que toco hoje foi  o Almir que me deu”, conta.

Sua busca pelo aprendizado musical o levou a passar pelo violão clássico e a tomar contato com variados professores, músicos e profissionais de diferentes áreas. No começo da carreira trabalhou com Renato Teixeira produzindo jingles, e formou-se em publicidade. “Fiz muitos jingles, inclusive para criar os filhos. A publicidade me ajudou a conseguir uma remuneração no começo, até me firmar como artista. Hoje não sei mais como funciona esse processo, porque consegui o meu lugar próximo ao sol. Posteriormente, as coisas fluíram naturalmente e enveredei por literatura, teatro e cinema”, diz.

Em 1996 gravou seu primeiro CD, Olhos dágua, pela gravadora Paradoxx. “Era um período bem diferente. Não fui descoberto por uma gravadora, sou aquele artista que lutou para gravar seu próprio álbum. Juntei uma grana e, ao invés de comprar um carro, banquei meu próprio disco, porque gravar era muito caro. Foi a melhor coisa que fiz na minha vida porque, como dizia o diretor da gravadora, não existe o segundo CD sem o primeiro”, diz. Participaram do trabalho artistas como Rodrigo Sater, Toninho Ferragutti (sanfonas)e Dinho Nascimento (percussões), e a mixagem ficou a cargo de Guilherme Canais.


Em 2003, a convite da UNESCO, integrou o workshop “Artists in Development”, realizado em Salvador (BA). A participação lhe valeu um convite especial para trabalhar com música na cidade de Sevilha, na Espanha. “Me lembro que certo dia recebi uma ligação de uma pessoa da UNESCO que tinha visto uma enciclopédia feita pelo projeto Rumos, do Itaú. Meu nome estava lá. Me convidaram para um encontro com 28 músicos sul-americanos, cuja curadoria foi feita pelo Benjamin Taubkin. Foi fantástico. Aí a Silvia Santangelo, que era da UNESCO, me convidou para representar esse grupo num trabalho em Sevilha”, lembra. “Lá, eles fizeram encontros geniais entre diferentes artistas e profissionais, em diferentes lugares. Inclusive em Londres. Por exemplo, encontrei um produtor do Bob Marley, um produtor do Pink Floyd… Foi maravilhoso, e voltei com toda essa bagagem”, diz.


“Quando eu retornei com essa experiência, criei várias coisas. Criei a Associação de Músicos do Pantanal, um programa de rádio dessa associação, produzi um CD junto com a Petrobrás chamado Gerações que traz o Almir Sater, o Gabriel, o Rodrigo e outros como compositores, intérpretes ou instrumentistas. Juntei 48 nomes neste CD, uma coisa fantástica. Posteriormente, voltei à Europa, fiquei um ano em Barcelona e em Portugal. Toquei em vários festivais ao lado de inúmeros outros artistas. Voltei para o Brasil e inventei um programa junto com a TV Globo do Mato Grosso do Sul para divulgar a cultura da região do Centro-Oeste. Em linhas gerais, sou muito inquieto, faço muitas coisas e sigo trabalhando assim.”

Em 2010, junto com dois de seus parceiros musicais, Jerry Espíndola e Rodrigo Teixeira, formou o trio “Hermanos Irmãos”, e lançou um CD em 2011, com o intuito de dar continuidade à tradição da música moderna do MS, dando ênfase na apresentação da influência sul-americana na música do estado. Na mesma época, para divulgação do disco, realizaram uma turnê nacional.

Como produtor cultural, dirigiu também a Criatto Produções, em Campo Grande (MS), e desenvolveu vários projetos apresentando a cultura regional. Entre eles esteve o “Violas do Brasil”, que ocorreu no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro em 2004, reunindo alguns dos principais ases do instrumento;  e “Música do Brasil Central”, em 2011, novamente no Centro Cultural Banco do Brasil, que abordou a identidade musical do Centro-Oeste brasileiro.

Em 2012 dedicou-se ao projeto Crianceiras, um CD de música infantil que trazia poemas de Manoel de Barros, musicados por Márcio. Possivelmente, este é um de seus trabalhos mais emblemáticos. ” O Manoel de Barros era meu vizinho e eu passei anos estudando sua obra. Dediquei esse CD a ele, e criamos uma obra pedagógica. Trata-se de um trabalho que envolve poesia, música, vídeo, várias nuances artísticas. Ele nasceu da minha vontade de fazer um trabalho direcionado ao público infantil. Fiz a musicalização das poesias dele, e isso extrapolou para outras esferas. Tornou-se tornou um espetáculo que não é exatamente para crianças, mas que envolve toda a família. Deu muito certo. Inclusive existe um aplicativo chamado “Crianceiras” patrocinado pela Oi Futuro”, diz.

Atualmente, Camillo apresenta um show em homenagem ao compositor Geraldo Roca, falecido em 2015. O trabalho é uma viagem musical que percorre fronteiras geográficas e anímicas, registradas em suas letras e canções. Compositor de Trem do Pantanal, além de rocks, polcas, chamamés, guarânias e até baladas, Geraldo Roca era o presente que Renato Teixeira daria ao Brasil, se tivesse que lhe dar um presente. Era o gauche, o “maldito”, entre os artistas do Pantanal, que foi chamado de “um príncipe” por Arrigo Barnabé.  

“Ele influenciou muito a música da minha geração. Além disso, era meu vizinho, a gente saía para jantar, éramos amigos. Conheço a obra dele e vejo a obra dele na minha, compusemos uma canção juntos, em parceria com outros compositores.  Roca influenciou muito a construção da moderna música sul-mato-grossense. Ele soube ler a música de fronteira, mesclando elementos do rock, do pop, do folk, criando um estilo único. Ele é o verdadeiro representante do folk brasileiro. Estreamos esse show em São Paulo no final de fevereiro, e devemos passar pelo Centro-Oeste e por outras regiões do Brasil”, diz Camillo.

Ao longo da carreira, Márcio de Camillo gravou 6 CDs e um DVD, e apresentou-se ao lado de nomes como Renato Teixeira, Zé Geraldo, Paulo Simões, Geraldo Roca, Rodrigo Sater, Tetê Espíndola, Jerry Espíndola, Marcelo Loureiro e Rodrigo Teixeira.

Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.

Imagem acima: Lauro Medeiros.