A extraordinária diversidade do Homo sapiens se mostra com toda força no universo da linguagem. Segundo o Atlas of the World’s Languages in Danger (Atlas Mundial das Línguas em Perigo), produzido e publicado pela Unesco, os estudiosos da comunicação verbal humana já registraram mais de 8.320 línguas, das quais cerca de 7 mil ainda são faladas e 2,5 mil correm algum risco de desaparecimento. Movido por fatores como o crescimento da urbanização, a colonização de novas áreas e a migração de populações, o risco do desaparecimento de línguas se espalha pelo planeta e ameaça populações na América do Norte, do Sul ou na Europa. Essa ameaça ganha o nome de adormecimento da língua, e está relacionada a uma queda no número de indivíduos falantes, que pode resultar em seu sumiço.
Para debater o estudo do surgimento e do desaparecimento das línguas o podcast Prato do Dia, produzido pela Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, convidou Rosane de Andrade Berlinck, docente da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Araraquara. Ela é doutora em lingüística pela Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, autora ou organizadora de 12 livros e especialista em sociolingüística e lingüística histórica.
Graças a sua raiz indígena, o Brasil abriga imensa diversidade lingüística: segundo algumas estimativas, o total pode chegar a 180 línguas faladas em nosso território. Berlinck conta que esse número era ainda maior antes da colonização portuguesa e do processo de catequização da população nativa, conduzido especialmente pelos jesuítas. Uma parcela expressiva dos falantes das línguas nativas foi eliminada por diferentes razões. Aqueles que sobreviveram e foram incorporados ao sistema dos colonizadores precisaram se adaptar ao novo idioma e à cultura vinda de fora. “A gente fala em substituição lingüística. O falante acaba por substituir sua língua por aquela que é a língua de prestígio. Certamente isso não ocorreu só com os indígenas autóctones, mas também com os africanos que vieram escravizados”, diz a docente.
Segundo levantamento do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL), em 2022 apenas 10 municípios brasileiros possuíam línguas indígenas reconhecidas como co-oficiais. Esse status assegura a esses povos direito a ensino em sua língua materna, além da produção de documentos oficiais e do direito a sinalização nesses idiomas em repartições públicas.
No programa, Rosane Berlinck também abordou o debate sobre língua e gênero. O recurso à linguagem neutra, também chamada de linguagem inclusiva, é defendido como ferramenta para combater a discriminação e a universalização pelo gênero masculino. No Brasil, a luta pela linguagem neutra é defendida majoritariamente pela comunidade LGBTQ+, com o argumento de que favorece a expressão e a inclusão das pessoas que se identificam como não-binárias. A docente diz ser natural que as línguas se transformem em consonância com as mudanças que ocorrem na sociedade. Essas mudanças, no entanto, em geral acontecem de forma gradual, e que dependem de aceitação por toda a comunidade. “Vai depender um pouco de quanta pressão conseguem exercer aqueles que estão pedindo essas mudanças, e de quanto espaço eles conseguem ocupar”, diz.
Ela dá exemplos de transformações anteriores que ocorreram na língua portuguesa. A expressão “vossa mercê”, por exemplo, se tornou arcaica e perdeu espaço na sociedade, enquanto a expressão “você” tornou-se de uso comum.
Saiba mais sobre o processo de surgimento, transformação e declínio das línguas ouvindo a íntegra dessa edição do Prato do Dia, que está disponível em plataformas como Spotify, Deezer, Google Podcasts, e também no Podcast Unesp e no player abaixo.