Nascido e criado em São Paulo, André Magalhães construiu uma carreira musical extremamente diversificada, atuando como baterista, percussionista, produtor musical e cultural, engenheiro de áudio e pesquisador de música tradicional brasileira e dos povos indígenas. Entretanto, o fundamento com que pavimentou esse caminho não foi o talento musical e a competência técnica, mas o amor à música, à vida e às relações humanas.
“Não venho exatamente de uma família de músicos profissionais. Mas sempre tive uma relação com a música, a partir da minha mãe”, conta. “Isso foi nos anos 1970. Ela não tocava na noite, profissionalmente, mas adorava bossa nova e gostava muito de tocar. Era professora de violão. Tenho essa memória desde pequeno: minha mãe dando aulas no violão e comprando os discos. Lembro dela comprando discos do Quinteto Violado, Milton Nascimento, Dick Farney, Zimbo Trio e João Gilberto… Essa questão é muito reflexiva, pois até hoje tenho a coleção de discos de vinil da minha mãe, e agora compreendo a importância dessa memória de formação musical na minha vida”, diz.
Ainda garoto, iniciou seus estudos musicais pelo piano. Posteriormente experimentou a bateria, e esse viria a se tornar o principal instrumento em sua carreira. Mas o despertar, que resultou em um mergulho no universo da música profissional, ocorreu em meados dos anos 1980. “Eu gostava muito de rock progressivo e de música brasileira. Em especial, do pessoal da Vanguarda Paulista, que tinha nomes como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, entre outros. Eu andava com um grupo de amigos do rock e outro da MPB. Naquela época, havia essa divisão de turmas. Mas eu me relacionava bem com ambas”, diz.
Por volta de 1985, foi assistir a um show da banda Pau Brasil, na praça do Por-do-Sol, na zona oeste da capital paulista. “Fiquei extasiado. Encontrei uma banda que mesclava o que eu gostava, que fazia um som que lembrava Pink Floyd mas misturado com aquela música brasileira que eu estava curtindo. Foi um marco no meu despertar musical”, conta.
Com o decorrer do tempo, André começou a tocar com diversos grupos. A passagem para a profissionalização ocorreu quando se juntou ao grupo Aquilo Del Nisso. Essa participação lhe trouxe a possibilidade de conhecer os estúdios de gravações, que posteriormente viriam a se tornar seu meio de vida. “Com o Aquilo Del Nisso pude me desenvolver como instrumentista. Isso foi fundamental. Naquela época havia vários espaços para que as bandas instrumentais tocassem. Inclusive, chegamos a tocar na edição do Free Jazz Festival em 1989. Em paralelo, eu frequentava alguns estúdios de amigos, mais pra ver e curtir os ensaios e algumas gravações amadoras. Mas, quando fomos fazer uma gravação em estúdio mais séria para o Aquilo Del Nisso, eu pirei. A mesa de som, o microfone e todo aquele ambiente de gravação me encantaram. Senti que era ali que eu queria estar, viver aquele universo. Então fui aprender a gravar, mixar, editar”, diz.
Nessa sua trajetória para desvendar os mistérios da operação dos estúdios, André relata que encontrou bons “professores” que se tornaram referências como produtores. O músico passou por diferentes estúdios na cidade de São Paulo até que teve a oportunidade de abrir o seu próprio espaço, o Zabumba, junto com seu amigo e sócio Peninha, apelido de José Henrique Pena.
Considerado um dos principais estúdios de São Paulo, o Zabumba esteve em atividade por 15 anos, de 1994 a 2009. Durante esse período, o espaço recebeu diversos nomes da música independente e popular brasileira. Lá foram produzidos centenas de trabalhos e produções musicais, que incluem música instrumental, MPB e orquestras, mas também música indígena, cantos de trabalho, e a produção musical de culturas tradicionais. “O Zabumba foi uma grande escola para mim”, diz. “ Não só no aspecto técnico, mas também na relação com as pessoas e na quantidade de gente que conheci. Não tenho números exatos, mas no período de atividade do Zabumba fizemos mais de 500 trabalhos. Tive a satisfação de gravar com inúmeros nomes da música brasileira como Zeca Baleiro, Chico César, Vanessa da Mata, Ná Ozzetti, Johnny Alf e muitos outros”, diz.
Durante esse período no Zabumba, graças a amigos músicos que eram integrantes do grupo ABarca ele pode conhecer um grupo de indígenas da etnia Guarani. Desse contato, surgiu a idéia de ir à aldeia deles para gravá-los. “A gente fez registros praticamente em todas as aldeias do Estado de SP. Até que pintou o grande projeto de gravarmos um álbum reunindo várias aldeias em Ubatuba, onde surgiu o Memória Viva Guarani, um dos principais discos de música indigena do país”, conta.
A partir dessa experiência, ele foi procurado pelo grupo ABarca para produzir o álbum Turista Aprendiz, e na seqüência houve um convite para participar do grupo e começar a gravar com outras comunidades indígenas e grupos de cultura popular do Brasil. Inspirado na obra de Mário de Andrade, o projeto “Turista Aprendiz” viajou o Brasil registrando manifestações populares e recebeu o prêmio Rodrigo Melo Franco (IPHAN) por serviços prestados ao patrimônio cultural Brasileiro nas construções dos acervos musicais como Acervo Barca, Maracá Cultura Brasileira e Aldeia Multiétnica – encontros de tradições indígenas do Brasil e América Latina.
Nesse cenário, a atuação de André vai bem além das gravações. O primeiro passo é criar uma relação de respeito e troca de experiência com esses grupos. “Me considero uma pessoa privilegiada em poder conviver um pouco com esses povos indígenas e grupos populares. Apesar de visitá-los a trabalho,viajo para conhecer as pessoas, o lugar… Tomo muito cuidado com isso, nunca chego direto para gravar. Aprendi isso com ABarca. O foco não é apenas a gravação. O foco é o encontro, o aprendizado, o respeito. Ouvir aquelas pessoas, o que elas gostam de fazer, onde tomam banho… Isso faz a diferença”, explica. “Até hoje eu tenho essa preocupação em construir uma relação mais humana.”
No campo da educação, Magalhães atua ministrando aulas de produção musical, bateria e percussão. Por três anos morou em Nova Olinda, no Cariri cearense, onde trabalhou como formador musical e cultural de jovens na Fundação Casa Grande-Memorial do Homem Kariri. Lá, desenvolveu projetos de rádio, filmes, álbuns e pesquisas, sempre com a música tradicional brasileira e a educação patrimonial como elementos básicos. Ele também ministra workshops nos quais aborda a imensa diversidade de ritmos e melodias da música tradicional como elemento para adaptações e buscas para novas linguagens, possibilitando ampliar o repertório de diversidade rítmica e cultural dos participantes.
Recentemente, ele participou, como produtor musical, de algumas instalações sonoras. Entre elas, destacam-se a obra de Cecília Vicuña, “Brain Forest Quipu”, apresentada na galeria Tate Modern Turbine Hall, em Londres; “Perder a Imagem”, obra de Tiganá Santana, apresentada no Itaú Cultural, em São Paulo; “Metrópole Fluvial”, de Amir Admoni, apresentada durante a Bienal de Arquitetura de Veneza; e as “casas Indígenas”, de Pedro Guimarães, apresentadas na Aldeia Multiétnica que fica no município de Alto Paraíso, GO.
Em 2021 recebeu o Prêmio Nacional dos Profissionais da Música como melhor engenheiro de gravação. Entre seus trabalhos mais recentes como produtor musical estão o álbum Orin, da Orquestra Afrosinfônica, que foi indicado para a edição de 2021 do prêmio Grammy; o álbum Rastilho, de Kiko Dinucci, ganhador do prêmio de melhor álbum da APCA em 2020; Ajo, do grupo Foli Griô Orquestra, ganhador do Grammy Latino 2020.
Em 2019, ele lançou seu primeiro álbum solo, Para Ti – batuque e melodia dos cantos. A obra musical soa como um ensaio autobiográfico e etnomusical. Nele, André pode injetar o que aprendeu em seus 50 anos de vivências como instrumentista, compositor, produtor musical, pesquisador, engenheiro de áudio e arranjador, destilando, em oito canções, seu aprendizado de música e de vida.
Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.
Crédito: divulgação.