Queda brusca nas ações da imobiliária Evergrande é sintoma de problema mais amplo na economia chinesa, avalia professor da Unesp

Gigante asiático enfrenta dificuldades para reaquecer consumo, e efeitos da desaceleração podem afetar inclusive empresas brasileiras. Mas especulações sobre iminência de uma crise financeira de grandes proporções são exageradas e desconsideram as especificidades políticas e administrativas da China.

Considerada uma referência no setor imobiliário chinês, e reconhecida como uma das maiores empresas do mundo, a chinesa Evergrande viu o valor de suas ações na Bolsa de Hong Kong desabarem aproximadamente 80% em 28 de agosto. Naquela data, os títulos voltavam a ser comercializados no mercado após uma suspensão de dezessete meses. O retorno à bolsa só foi possível depois que a empresa anunciou o cumprimento de algumas exigências, como a publicação dos seus resultados financeiros.

Ainda em 2021, a Evergrande, que já foi a principal empresa do setor imobiliário da China, anunciou um default (suspensão de pagamentos). Ela possui ainda mais de US$ 300 bilhões  em passivos. Isso coloca a companhia no epicentro da atual crise imobiliária chinesa, que muitos estudiosos temem que venha a gerar impactos sobre a economia global. Devido à queda vertiginosa das ações, o valor de mercado do grupo está reduzido a menos de US$ 600 milhões. Em 2017, o grupo era avaliado em US$ 50 bilhões. 

De acordo com anúncio da Evergrande, o prejuízo no primeiro semestre de 2023 alcançou 33 bilhões de yuanes (US$ 4,53 bilhões). Este é um resultado bem melhor do que as perdas de 66,4 bilhões de yuanes nos primeiros seis meses de 2022. Mas os ativos disponíveis da empresa caíram vertiginosamente, passando de US$ 2 bilhões no ano passado para US$ 556 milhões este ano, um reflexo de sua liquidez cada vez menor. Segundo o comunicado divulgado pelo grupo, o mercado imobiliário da China esfriou significativamente nos primeiros seis meses de 2023 devido à ocorrência de várias falências no setor, que exacerbaram ainda mais a volatilidade no mercado.

O comunicado destacou ainda o trabalho constante que a empresa vem desenvolvendo para reestruturar suas dívidas. A Evergrande está em contato com seus credores para costurar uma proposta de reestruturação da dívida no exterior. Um adiamento desses encontros por quase um mês permitirá aos credores considerar, compreender e avaliar o plano de reestruturação. As reuniões estão agendadas para 25 e 26 de setembro. De acordo com o cronograma esperado pelos credores, a proposta da Evergrande é oferecer  aos credores a opção de trocar a dívida por uma nova dívida emitida pela empresa e por ações de duas subsidiárias, o Evergrande Property Services Group e o Evergrande New Energy Vehicle Group.

Marcos Cordeiro Pires, especialista em economia e política internacional do câmpus da Unesp em Marília e vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP), analisa a situação como um sintoma de um problema mais amplo existente na economia chinesa. “A China tem desacelerado sua taxa de crescimento nos últimos meses. Porém, é interessante notar que crises econômicas são inerentes a qualquer economia de mercado. A China tem conseguido se livrar de uma série de problemas internacionais. Mas, a partir do momento em que há redução da demanda por moradia e caem os preços de determinados ativos, as empresas mais expostas como a Evergrande tendem a sofrer um impacto maior nas baixas cíclicas, como a que está ocorrendo na China agora”, analisa.

Para Cordeiro Pires, o setor imobiliário da China virou um grande problema para os esforços da segunda maior economia do mundo de superar as dificuldades após a pandemia de Covid-19. E a crise da Evergrande pode gerar um impacto global expressivo. Em especial. para países e empresas que vendem commodities para a China destinadas ao setor imobiliário e de construção civil. “Por exemplo, mineradoras como a Vale podem ser bem impactadas. A queda na demanda pelo ferro pode impactar negativamente os preços do minério de ferro em nível internacional, e prejudicar os lucros dessas empresas. Especificamente no caso do Brasil, que depende da Vale para fazer essas exportações para a China, isso implicaria queda tanto nos preços quanto no volume exportado para os chineses”, diz.

No início de agosto, a empresa pediu proteção contra a falência nos Estados Unidos, uma medida para resguardar seus ativos americanos durante o processo de reestruturação.  “Como a Evergrande é listada em bolsa nos EUA, ela tem essa prerrogativa para pedir ao Poder Judiciário um tempo para reestruturar as suas dívidas e impedir que os credores tomem esses ativos e piorem ainda mais a situação da empresa”, diz Pires.

Apesar da situação de risco, o pesquisador diz que ainda é cedo para levar em consideração as previsões de catástrofe para a economia chinesa que estão sendo avançadas por alguns analistas. “Desde 2005 acompanho esse tema, e ao longo desse tempo o jornalista britânico especializado em economia Martin Wolf, que escreve para o Financial Times, costumeiramente profetiza a iminência de uma crise catastrófica. Entretanto, a diferença é que o gerenciamento da economia chinesa e do estado chinês é bem diferente dos estados ocidentais. O governo da China preza pela estabilidade e pode ter certeza de que ele adotará todas as medidas ao seu alcance para evitar a crise”, diz. “Na última semana, o próprio governo lançou um relatório referente à análise da crise financeira do setor imobiliário chinês e já propôs medidas para tentar estabilizar a situação e alongar os prazos das dívidas para essas empresas.”

Veja a seguir a íntegra da análise em entrevista ao Podcast Unesp.