Embora talvez seja pouco conhecido junto ao grande público, o carioca Dadi é dono de uma das mais significativas trajetórias como instrumentista da MPB, dos anos 1970 para cá. Novos Baianos, Jorge Ben, Barão Vermelho e Caetano Veloso são alguns dos grandes artistas que contaram com o auxílio luxuoso do seu baixo em shows e gravações de álbuns. Mas foi como integrante do grupo A Cor do Som que Dadi, que também é compositor, multi-instrumentista e produtor, imprimiu sua marca pessoal e definitiva no cancioneiro da MPB e do pop/rock brasileiro, e construiu um legado que, mesmo depois de décadas, continua a encantar novos fãs.
Eduardo Magalhães de Carvalho, mais conhecido como Dadi, nasceu em 16 de agosto de 1952, na cidade do Rio de Janeiro. Cresceu em uma casa onde se escutava muita música, porém sem ambições profissionais. Foi neste cenário que eclodiu sua fascinação pelas notas e os sons.
“Minha mãe era pianista, mas não era profissional. Ela lia partitura e tocava música erudita. Minha irmã era louca pela música produzida naquela época, por artistas como Edu Lobo, Tom Jobim e outros. A música estava sempre rolando em casa. Entretanto, eu me lembro que a primeira coisa que me chamou muito atenção, e me fez pensar ‘eu quero virar músico’ foi realmente o primeiro disco do Jorge Bem. Samba Esquema Novo trazia músicas como Chove Chuva e Mas, Que nada! Eu ouvia o dia inteiro. Isso, aos 13 anos. Depois veio o rock and roll dos Beatles, Rolling Stones, The Who, Jimmy Hendrix… Aquilo também tomou conta da minha cabeça. Junto com colegas de colégio, formei a banda The Goofies. Na época eu tocava bateria, o contrabaixo chegou posteriormente. Naquele momento a música tomou conta e não teve mais jeito”, rememora.
Mas o pontapé principal para seguir a estrada da música veio aos 18 anos, quando uma amiga lhe apresentou a cantora Baby Consuelo, atual Baby do Brasil. Ela procurava um baixista para integrar um grupo novo que montava com amigos, os Novos Baianos. Dadi entrou para a banda e permaneceu de 1970 a 1975, período em que residiu na comunidade hippie dos Novos Baianos e gravou alguns de seus álbuns principais, entre eles o mítico Acabou Chorare.
“Eu fui lá participar de uma audição com Pepeu, Moraes, Galvão e Paulinho. E eles gostaram. Principalmente o Pepeu. A gente se deu bem na hora por sermos da mesma idade, da mesma geração, nosso gosto musical era muito parecido e segue até hoje. Conviver com os Novos Baianos foi uma universidade, musical e de vida. A gente passava o dia inteiro ouvindo música e tocando. Ouvíamos de tudo, desde Jacob do Bandolim e Luiz Gonzaga até Beatles. De manhã jogávamos uma pelada, pois o sítio possuía um campo de terra. Depois era hora da música e ensaiávamos o dia inteiro. Havia uns galinheiros lá no sítio que a gente transformou em estúdio. Depois que o Moraes saiu a coisa mudou muito. Eu senti muito a saída dele, então decidi deixar o grupo também”, conta.
Após sua saída, Dadi integrou a banda de Jorge Ben Jor (então apenas Jorge Ben), participando de turnês nacionais e internacionais e gravando discos de suma relevância da trajetória de Jorge.
Posteriormente, em meados de 1977, surge o grupo A Cor do Som. Na gravação do seu primeiro álbum homônimo (WEA 1977), originalmente o grupo tinha como integrantes Dadi no baixo, seu irmão Mú Carvalho nos teclados, Gustavo Schroeter (ex-A Bolha) na bateria e Armandinho Macêdo (Trio Elétrico Armandinho, Dodô & Osmar) na guitarra, bandolim, e guitarra baiana. Durante os trabalhos de gravação, tiveram o apoio muito importante do diretor André Midani, que ofereceu um contrato de três anos com a WEA. No total, permaneceram um total de nove anos na gravadora, e produziram alguns discos antológicos.
A mistura de rock, ritmos regionais e música clássica lhes valeu um convite para participar do famoso Montreux Jazz Festival, na Suíça. Foi em 1978, e eles se apresentaram na estreia da noite de música brasileira, algo que depois se tornaria uma instituição do festival. A apresentação contou com material quase todo inédito e rendeu um disco ao vivo. “Foi um momento muito especial. Durante o festival, tocamos em duas sessões. Na primeira, durante o dia tocamos para um público mais jovem, mais relax e tivemos um feedback de público com aplausos e tal. À noite, com uma plateia mais velha e mais tradicional de jazz, já sentimos um clima diferente. Foi bacana mas, por não tocarmos um jazz mais tradicional, houve umas vaias ao fundo. E a gente fez questão de manter as vaias no registro em disco”, diz.
A partir do terceiro trabalho, Frutificar, a banda deixou de lado o repertório exclusivamente instrumental e começou a executar músicas cantadas. “Foi um pedido do próprio Midani, que nos orientou a agir assim para alcançarmos um público mais amplo e uma vendagem maior”, diz Dadi. Três canções estouraram nas rádios:”Swingue Menina”, “Abri a Porta” e “Beleza Pura”. “Assim, o nosso público, e nossa agenda de shows, realmente cresceram de uma forma significativa.”
No decorrer da década de 1980, com a explosão rock nacional na forma de bandas como Blitz, RPM, Os Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Barão Vermelho e Titãs, o grupo começa a perder espaço no mercado. Após o disco Mudança de Estação, de 1981, Armandinho deixou o grupo. Foi então substituído por Victor Biglione, que gravou Magia Tropical, de 1982, e As Quatro Fases do Amor, de 1983. Em 1984, lançaram novamente um disco todo instrumental intitulado Intuição, já sem Victor Biglione, mas com participações de Egberto Gismonti, Túlio Mourão e Perinho Santana. No ano seguinte, com Perinho nas guitarras, lançaram Som da Cor, e em 1986 gravaram Gosto do Prazer.
Fora da banda, Dadi passou a acompanhar diversos grandes artistas como Caetano Veloso, Marisa Monte e Rita Lee. No início da década de 90, ele substituiu o baixista Dé na banda Barão Vermelho, numa rápida passagem em que gravou apenas o disco Na Calada da Noite. Outro trabalho de destaque foi sua participação no projeto Tribalistas, de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, em que tocou guitarra, baixo, bandolim, piano, violão, cavaquinho e acordeão. Em 2007, lançou seu primeiro álbum solo, intitulado Dadi, que saiu primeiro no Japão, e só em 2008 chegou ao público brasileiro.
Em 2005, com a formação original da Cor do Som, o grupo se apresentou no Canecão, no Rio de Janeiro. O show contou com participações especiais de Caetano Veloso, Daniela Mercury, Moraes Moreira, Davi Moraes e o Coral dos Canarinhos de Petrópolis, entre outros grandes nomes. O espetáculo gerou o CD e DVD A Cor do Som Acústico, lançado no ano seguinte com produção musical de Sérgio de Carvalho. Em 2006, foram contemplados com o Prêmio Tim de Melhor Grupo, na categoria “Canção Popular”.
Em 2017, a banda celebrou 40 anos de estrada com um novo lançamento de estúdio e uma turnê nacional com a formação original. O disco novo, produzido por Ricardo Feghali (que também atuou no piano, nas programações e nos arranjos), trouxe duas faixas inéditas e participações de Gilberto Gil, Roupa Nova, 14 Bis, Natiruts, Lulu Santos, Skank, Djavan e Moska.
Após 40 anos de carreira, a consagração chegou em 2021, com o Álbum Rosa. O disco trouxe um repertório totalmente instrumental, com oito regravações e duas faixas inéditas. Lançado nas plataformas digitais, o álbum venceu o Grammy Latino de melhor álbum de rock ou música alternativa em língua portuguesa. A capa do disco, criada por Batman Zavareze a partir de dois trabalhos de Dadi e Mú, é um questionamento ao dogma de que azul é cor de homem e rosa é cor de mulher. “Foi algo surpreendente, pois estávamos concorrendo com nomes como Marcelo D2 e BaianaSystem. E, de repente, conquistamos este prêmio tão relevante, que vem abrilhantar e consagrar toda a nossa obra”, diz Dadi.
Confira abaixo a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.