Entrada de novos membros, criação de moeda comum e participação virtual de Putin marcam a 15ª Cúpula do Brics, avalia pesquisador da Unesp

Primeiro encontro presencial de líderes do bloco após a pandemia de covid atrai atenção internacional. África do Sul teve que pedir a presidente russo que não viesse ao país. Diplomacia do Brasil vai aproveitar viagem para estreitar contatos com outros países africanos.

Inicia-se hoje em Joanesburgo, na África do Sul, a 15ª reunião de Cúpula dos Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Combinados, os quatro países que integram o bloco representam 40% da população mundial e 26% de toda a riqueza gerada no planeta. O encontro vai até 24/8, e será monitorado com atenção pela comunidade internacional, pois os debates poderão definir se o bloco irá alçar novos vôos, o que impactaria diretamente a geopolítica mundial. 

Esta será a primeira reunião presencial entre os chefes de Estado do Brics desde a pandemia de covid-19, que começou em 2020. Estarão presentes, além do presidente Cyril Ramaphosa, da África do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desembarcou antecipadamente em Joanesburgo, em 21/8, o presidente Xi Jinping, da China, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participará de forma remota. Putin é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por supostos crimes cometidos pela  Rússia durante guerra com a Ucrânia. Como a África do Sul é um dos países que fazem parte do tribunal, o governo sul-africano se veria obrigado a dar voz de prisão a Putin  caso o líder russo pisasse em seu território.

Esta será, também, a primeira participação do presidente Lula em uma cúpula do Brics durante seu terceiro mandato.  Ele foi um dos fundadores do grupo, criado em 2006. O termo “Brics” foi criado em 2001 pelo economista inglês Jim O’Neil para designar o grupo de nações nas quais ele enxergava perspectivas de crescimento econômico acentuado. Em 2006, as quatro nações começaram a se reunir de forma conjunta e, em 2011, a África do Sul passou a fazer parte formalmente do bloco.

Embora por si só o tema da expansão do Brics atraia muita atenção para a cúpula, a agenda do encontro deverá incluir outros assuntos importantes, como a possível criação de uma unidade monetária comum a ser utilizada entre os membros do grupo. E, inevitavelmente, o tema da  guerra entre a Rússia e a Ucrânia paira sobe o encontro.

Hoje, os países do Brics têm uma população somada de quase 3,26 bilhões de pessoas. O PIB do bloco supera os US$ 26 trilhões de dólares e está fortemente ancorado na locomotiva chinesa, a segunda maior economia do mundo que fica atrás somente dos Estados Unidos.

A cúpula dos Brics é reconhecida como um fórum multilateral alternativo àqueles considerados mais tradicionais, como o G7 (grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo) e o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).

Guilherme Ferreira, vice-coordenador do Observatório de Regionalismo, ligado ao Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, ressalta a centralidade que os debates sobre a expansão do Brics e a criação de uma moeda comum terão nesta edição do encontro.

“O bloco já recebeu inúmeras manifestações do desejo de outros países de passarem a integrar o grupo. Deve-se debater, sobretudo, os critérios para a eventual adesão de novos membros caso a expansão venha a ocorrer”, diz. Já do ponto de vista econômico, uma das pautas centrais será o papel do banco de desenvolvimento dos Brics nos próximos anos. Também deve ser debatida a criação de uma moeda de referência como alternativa ao uso do dólar. “Importante destacar também uma ausência na agenda: a falta de uma discussão mais ampla sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. Acho que o  assunto deverá ser evitado para não gerar embates e ruídos os quais resultem num bloqueio de outras pautas”, diz Ferreira. 

O pesquisador em relações internacionais destaca a iniciativa do bloco de encontrar uma maneira para viabilizar a participação do líder russo sem gerar imbróglios diplomáticos para os países e as instituições envolvidas.

“O mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional não é reconhecido pela Rússia, mas pela África do Sul, sim. Uma visita presencial de Putin geraria um desgaste político bem sensível. Do ponto de vista estritamente jurídico, a África do Sul teria a obrigação de cumprir o mandado de prisão. Mas seria muito complexo convidar um chefe de Estado para o encontro e na sequência mandar prendê-lo. Então, vejo que a situação foi bem costurada, pois garantiu a participação do Putin”, avalia.

O vice-coordenador do Observatório de Regionalismo relembra a importância do Brics para a política externa dos governos anteriores do PT. E essa permanência se mantém para a nova gestão de Lula. “Trata-se de um bloco por meio do qual o Brasil ganha em expressão internacional e pode ampliar sua influência nas principais agendas”. Ele diz que o Brasil já mostrou  reticência com relação a entrada de novos integrantes. “Uma expansão desenfreada gera perda de protagonismo político para o Brasil. Já são 22 pedidos de adesão de países interessados. Essa entrada pode dissolver o poder brasileiro”, diz.

Por fim, além da reunião com os demais integrantes do bloco, a viagem será uma oportunidade muito interessante para que o governo Lula retome laços com diversos países do continente africano por meio de reuniões bilaterais e multilaterais já agendadas. Em especial, no âmbito dos países de língua portuguesa, que constituíram um eixo importante da política brasileira em gestões anteriores de Lula. “Esse relacionamento diplomático foi abandonado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro”, analisa.

Confira a entrevista no Podcast Mundo e Política.

Imagem acima: Marcelo Camargo/Agência Brasil.