Os direitos sexuais e reprodutivos abordam dois conjuntos de direitos que, apesar de serem diferentes, estão intimamente relacionados. Os direitos sexuais tratam de questões sobre identidade sexual, como e com quem se pretende manter relações sexuais, assim como a garantia de acesso à educação sexual. Já os direitos reprodutivos contemplam o planejamento familiar: a liberdade de cada pessoa decidir se quer ou não ter filhos, como ela quer ter filhos e em qual momento da vida. Estão inclusos nessa categoria o acesso a informações sobre métodos contraceptivos, o acompanhamento pré-natal e a assistência durante o parto, a interrupção da gravidez em situações garantidas pela lei e o acesso à licença-maternidade.
A médica obstetra Cláudia Garcia Magalhães, da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu da Unesp, destaca que, quando se fala em planejamento familiar, ele é válido para os dois lados: tanto para mulheres decidirem como, quando e quantos filhos querem ter, como também para as mulheres que não querem ter filhos. No último caso, os métodos contraceptivos são ferramentas essenciais para evitar uma gravidez indesejada e os médicos são responsáveis por apresentar as opções existentes, pontuando suas características, diferenças e riscos, permitindo que a mulher decida qual método prefere seguir. Nesse sentido, Garcia Magalhães conta ao Podcast Prato do Dia que faltam opções nas unidades de saúde e, muitas vezes, o médico não apresenta todas as possibilidades em função de um viés ideológico.
Segundo a obstetra, as pílulas e a camisinha compõem a maior parte dos métodos contraceptivos disponíveis no SUS. Contudo, as técnicas mais eficientes de contracepção são as chamadas de longa duração, como os dispositivos intrauterinos (DIU) ou os implantes contraceptivos. Além da falta de acesso, a resistência dos médicos é outro obstáculo para pessoas interessadas em adquirir um desses métodos. “A unidade de saúde pode ter os métodos, mas o profissional não os oferece porque ele tem objeção de consciência”, explica a médica. “Então o profissional tem um erro conceitual em relação ao funcionamento dos métodos, porque nenhuma técnica contraceptiva é abortiva, ele não oferece o método para a mulher, mesmo sendo um direito previsto em lei, e, além disso, ele não a encaminha para quem o faz”, afirma.
Para Garcia Magalhães, a relação entre profissionais da saúde e pacientes deveria ser horizontal. Para isso, os médicos precisam reconhecer que, durante uma consulta envolvendo planejamento familiar, existem dois especialistas presentes, “um deles sou eu, médica e obstetra, mas a outra grande especialista é a mulher, porque ela é a que mais sabe sobre a vida dela”, diz.
Tanto os direitos sexuais como os reprodutivos são direitos humanos e devem ser garantidos para todas as pessoas, sem distinção. Apesar disso, questões de classe, gênero e raça fazem com que diferentes pessoas tenham diferentes níveis de acesso a esses direitos. “A violência obstétrica está aí, é uma violência de gênero porque ela só atinge pessoas que têm útero, mas obviamente mulheres negras e pobres são alvos mais frequentes desse tipo de violência. Quando a gente pensa na população LGBTQIAP+, ela também é alvo”, explica a obstetra. Apesar de receber cada vez mais atenção em jornais, não existe nenhum levantamento oficial do índice de violência obstétrica no país e as pesquisas acadêmicas também são escassas, contribuindo para a falta de informação sobre esse assunto.
Ouça na íntegra esta edição do Prato do Dia, realizada para debater direitos reprodutivos e sexuais durante o mês de março. Esta é uma edição especial divida em dois episódios: neste, ouvimos uma visão médica sobre o assunto; no próximo, ouviremos o desembargador do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo José Henrique Rodrigues Torres, que apresentará uma visão jurídica. O episódio está disponível na mídia abaixo e pode ser ouvido também na plataforma Podcast Unesp, bem como nos tocadores Google Podcasts, Spotify e Deezer.