A tecnologia quântica de segunda geração vai chegar ao Brasil?

País conta com bons grupos de pesquisa na área, mas momento exige formar engenheiros quânticos para superar distância entre estudos teóricos e aplicações práticas.

Talvez muita gente não perceba, mas nosso cotidiano é fortemente baseado no conhecimento que os cientistas possuem sobre física quântica. Graças a ela, dispomos de inúmeros dispositivos e aparelhos que empregam tecnologia quântica, tais como os semicondutores minúsculos que compõem os chips de computadores e celulares, e os lasers dos aparelhos de cd e dvd, que leem os arquivos de áudio e vídeo. Agora, uma nova geração de equipamentos que exploram outras propriedades quânticas está aos poucos migrando dos laboratórios para as empresas e lares. É a tecnologia quântica de segunda geração. E o Brasil enfrenta o desafio de surfar esta onda – ou, mais uma vez, ficar para trás em termos dos benefícios econômicos e sociais.  

O físico Marcelo Terra Cunha, professor da Unicamp, explica que o olhar da física quântica vem mudando. “Muito tempo se passou desde que ela se preocupava com os átomos e com a compreensão das propriedades da matéria. Uma consequência indireta e não planejada nos estudos de física quântica foi a descoberta da teoria quântica. Ela possibilita descrever experimentos e calcular as probabilidades de cada possível resposta para cada medição, além de apresentar “características informacionais”. Nesse sentido, uma das descobertas informacionais foi a teleportação quântica, que permite o transporte de informação”.

“As tecnologias quânticas de primeira geração estão no nosso cotidiano e são parte essencial do PIB mundial, é graças a elas que conseguimos viver nessa era de informação quase instantânea”, explica Terra Cunha. “Essas tecnologias usam o primeiro ponto da teoria quântica, referente à parte da descrição atômica dos fenômenos, relacionado aos níveis discretos”, completa.

Já as tecnologias quânticas de segunda geração são representadas pela computação quântica, pela comunicação quântica e por sensores quânticos. Elas exploram outras características da teoria quântica, como a coerência quântica. Esse fenômeno lida com a ideia de que todos os objetos têm propriedades semelhantes a ondas. Se o estado ondulatório de um objeto for dividido em dois, então as duas ondas podem interferir uma na outra de maneira coerente, de modo a formar um novo estado único, a partir da  superposição desses dois estados. Ou seja, na superposição, um único estado quântico consiste em múltiplos estados, equivalente a um bolo de camadas: o bolo final existe graças à combinação de camadas diferentes de bolo.

Tendo isso em mente, Terra Cunha, juntamente com pesquisadores de outras regiões do Brasil, dos Estados Unidos e da Holanda organizaram o evento internacional “Tecnologias Quânticas para São Paulo, Brasil e América Latina”, realizado pelo Instituto Principia e o ICTP-SAIFRICTP-SAIFR, que é um instituto de física teórica associado ao IFT-Unesp.

Iniciado no dia 30 de janeiro, e com encerramento previsto para o dia 16 de fevereiro, o workshop reúne membros da academia e da indústria para debater o estado da arte do desenvolvimento de tecnologias quânticas na região, além de delimitar metas e estratégias para estimular o avanço na área. O encontro acontece presencialmente em São Paulo e surgiu da necessidade de estreitar a relação entre a pesquisa e a indústria, visando o aprimoramento das tecnologias quânticas no Brasil, tornando-o uma potência no campo.

O objetivo do evento é desenvolver um plano de ações para posicionar o Brasil em um cenário de destaque no campo de tecnologias quânticas nos próximos anos. “Para isso, nas duas primeiras semanas do evento, os participantes debatem um tema específico a cada dia, que posteriormente irão compor capítulos do documento oficial do planejamento”, explica Terra Cunha.

Ao ser questionado sobre o papel do Brasil no desenvolvimento das tecnologias quânticas, Terra Cunha afirma com certeza que o país não fica para trás no quesito de investimento na área. O professor relembra que, no fim dos anos 90, foi criado o Instituto do Milênio de Informação Quântica e logo depois o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Quântica. Em termos de comunidade, o Brasil também está bem posicionado pois existe uma comunidade grande de físicos trabalhando no campo.

Entretanto, para que os avanços sigam ocorrendo, é preciso investir em propostas de curto e longo prazo que consistem, principalmente, na formação de engenheiros quânticos. Terra Cunha conta como, no Brasil, ainda faltam profissionais com formação em engenharia trabalhando em campos de tecnologia quântica e permitindo a interação entre pesquisa teórica e aplicações práticas.

Para lidar com essa problemática, o pesquisador defende a ideia de cooperações internacionais, especialmente no continente latino-americano. “Na Argentina, por exemplo, existem grandes líderes mundiais em tecnologias quânticas, como o Juan Pablo Paz que é Secretário de Articulação Científica e Tecnológica do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação da Argentina. Paz, inclusive, convidou o Brasil para participar do programa argentino. Além disso, o Chile também tem uma grande experiência em óptica quântica, então uma união entre as universidades e empresas latino-americanas faz todo mundo ganhar”, afirma. O professor também explica que, no futuro, o Brasil se tornará um consumidor de tecnologias quânticas e, por conta disso, seria interessante que o país também se tornasse criador e exportador dessas tecnologias, integrando e criando um ecossistema mundial de cooperação.

Tendo isso em mente, Terra Cunha, juntamente com pesquisadores de outras regiões do Brasil, dos Estados Unidos e da Holanda organizaram o encontro que teve início semana passada, objetivando desenvolver um plano para colocar em prática ações para posicionar o Brasil em um cenário de destaque no campo de tecnologias quânticas nos próximos anos. “Para isso, nas duas primeiras semanas do evento, os participantes debaterão um tema específico a cada dia, que posteriormente irão compor capítulos do documento oficial do planejamento”, explica Terra Cunha.

Entre os temas que serão debatidos, estão as perspectivas de aplicações de tecnologias quânticas para a agricultura e saúde, ponto que é visto com entusiasmo pelo pesquisador, uma vez que o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. “Seria ótimo que esse tipo de tecnologia pudesse ser desenvolvida aqui, pois naturalmente vamos usar e precisar dela”, comenta Terra Cunha. Na agricultura, algumas das tecnologias quânticas usadas são os sensores quânticos: equipamentos que utilizam propriedades quânticas que possibilitam maior sensibilidade e com menor dano. Por isso, uma das apostas do evento é nos sensores, pois acredita-se que eles têm o potencial de apresentar o melhor ganho por real investido, além de poderem ser aplicados também na área da saúde, tanto animal quanto vegetal.

Um exemplo de sensor quântico é o gravímetro. Essa tecnologia é desenvolvida a partir do conceito de sobreposição atômica, para medir o nível de variação gravitacional da Terra. Ela pode ser utilizada, por exemplo, para identificar quais tipos de solos e sedimentos existem em um determinado lugar, sem ser necessário escavar a região. Essa utilização permite, também, encontrar objetos enterrados ou submersos a um certo nível de profundidade.

Apesar do impacto positivo para a indústria agrícola, Terra Cunha defende que o Brasil tem capacidade para ir além. “O Brasil tem condições de dar esse salto e ser bom em produzir tecnologias e avanços científicos, ele não precisa continuar sendo um país agrícola para sempre. Aqui, nós temos a vantagem de não estarmos começando do zero. Outros países, como Singapura e os Emirados Árabes, que começaram do zero já estão desenvolvendo esse tipo de tecnologia”, finaliza.

Ana Clara Moreira é bolsista do ICTP-SAIFR

Imagem acima: o chip Sycamor, da google, desenvolvido para computadores quânticos. Crédito: Google.