Crise no Peru se aprofunda após renúncia de Pedro Castillo e governo adota estado de emergência por 30 dias

Enrique Zevallos Amayo, professor de relações internacionais da Unesp, analisa história recente do país, e atribui parte dos problemas ao sistema político instituído por constituição ultra-liberal. Docente explica que decisão do ex-presidente peruano de tentar golpe de estado pegou até aliados de surpresa e foi resultado de queda de braço com o Congresso.

Nesta quarta, 14, o governo do Peru anunciou que o país passará a adotar o estado de emergência pelos próximos 30 dias, em virtude dos fortes protestos que vem se sucedendo desde o impeachment do então presidente Pedro Castillo no dia 7 de dezembro. Naquele dia, Castillo anunciou a dissolução do Congresso peruano e o estabelecimento de um “governo de exceção”. No entanto, a iniciativa não recebeu qualquer apoio, e o agora ex-presidente foi destituído pela casa parlamentar e detido pela polícia no mesmo dia. Também naquela data, o congresso peruano aprovou pedido de impeachment contra Castillo e o parlamento empossou a vice-presidente Dina Boluarte com apoio de 101 deputados. Outros seis votaram contra e houve dez abstenções. O anúncio inesperado de Castillo foi classificado como “golpe de estado” por representantes de todo o espectro político.

O ex-presidente disse que sua decisão de dissolver o Congresso foi uma resposta aos “obstáculos” impostos pelo Poder Legislativo ao seu governo, e visava manutenção do Estado de direito e da democracia. Na pauta de medidas anunciadas por Castillo constavam a dissolução temporária do Congresso, a convocação para eleições de um Congresso Constituinte, uma governança baseada em decretos-lei até que a formulação de uma nova Constituição, a instauração do toque de recolher em todo o país das 22:00 às 04:00, a reorganização do Judiciário e dos demais órgãos judiciais e o confisco de armas em posse ilegal de civis.

Desde o início do seu mandato, julho de 2021, o ex-camponês enfrentou diversas acusações de corrupção e foi obrigado a substituir seus ministros em inúmeras ocasiões.

Após o seu pronunciamento, os ministros da Economia, Justiça, Trabalho e Relações Exteriores, bem como o embaixador do Peru na ONU, anunciaram sua renúncia. O advogado de Castillo também anunciou que estava renunciando à representação de seu cliente. Em seguida, as Forças Armadas e a Polícia Nacional emitiram um comunicado conjunto no qual anunciavam: “Qualquer ato contrário à ordem constitucional estabelecida constitui uma violação da Constituição e gera descumprimento por parte das Forças Armadas e da Polícia Nacional do Peru”.

A crise levantou posicionamento de outras nações. Os Estados Unidos, por exemplo, enviaram uma mensagem solicitando a reversão da medida de fechamento do Congresso. A embaixadora americana no Peru, Lisa Kenna, escreveu em sua conta oficial do Twitter que os EUA rejeitam categoricamente qualquer ato extraconstitucional de Castillo para impedir o Congresso de cumprir seu mandato. Acrescentou destacando encorajamento do povo peruano a manter a calma durante este período de incerteza.

Já o futuro presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que está preocupado com a situação, porém afirmou que todo o processo ocorreu dentro do marco constitucional peruano.

Enrique Amayo Zevallos, professor e especialista em relações internacionais da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, câmpus de Araraquara, explica que a crise política no Peru se tornou um campo minado e incerto.

“O Peru se transformou num campo minado. Vou utilizar aqui as palavras da historiadora peruana, Carmen McEvoy, durante entrevista em 11 de dezembro na cidade de Lima, sobre o futuro do país. Dina Boluarte toma posse de uma nação com futuro incerto. Além disso, eu acredito que Castillo gerou um suicídio político ao tentar implementar um golpe de estado fracassado, sem apoio de grande parte dos ministros e do espectro político de forma geral”.

Entretanto, o especialista em relações internacionais da Unesp explica que os motivos que geraram o caos atual na política peruana são sementes do passado. “As causas são profundas e históricas, mas o motivo mais recente está na constituição que rege o Peru a qual foi desenhada e imposta pelo ditador Alberto Fujimori em 1993. Essa constituição ultra-liberal permite questões como monopólios privados e o controle de grande parte da imprensa escrita. Ela também prejudicou as eleições de congressistas. As eleições de políticos para o Congresso ocorrem a cada cinco anos, porém os agentes não podem se reeleger; é preciso aguardar mais cinco anos. Isso limita a possibilidade de uma carreira política e da  continuidade nos processos internos”.

Amayo também destaca que desde a posse de Castillo, sua adversária Keiko Fujimori, acusa a ocorrência de fraudes na eleição, mas sem provas. “Vale sinalizar que ele sofreu ataques organizados por parte do Congresso desde o início. Impulsionados por Keiko, inúmeros políticos começaram a trabalhar para que ocorresse o impeachment de Castillo. A própria presidente do Congresso do Peru à época e hoje deputada, Maricarmen Alva, no dia do protocolo mostrou sua insatisfação ao negar um cumprimento ao então vencedor das eleições em frente aos meios de comunicação. Desde então ocorreu uma guerra constante com o congresso”.

Clique abaixo para escutar a íntegra da entrevista de Enrique Amayo Zevallos ao Podcast Unesp.

Foto acima: posse de Dina Boluarte. Crédito: Sebastian Castañeda.