Gal Costa consolidou-se como maior cantora da moderna música popular brasileira, diz docente da Unesp

Historiadora analisa trajetória da cantora baiana, falecida esta semana, que despontou no cenário artístico como integrante do movimento Tropicalista e amadureceu para se tornar uma das principais vozes femininas do mundo.

O Brasil perdeu esta semana a cantora Gal Costa, uma das principais vozes da música contemporânea. Gal, reconhecida como um dos maiores nomes da história da MPB,  morreu na manhã de quarta-feira, 9 de novembro, aos 77 anos, em São Paulo. A causa da morte não foi divulgada.

Recentemente, a cantora passou por uma cirurgia para retirar um nódulo na fossa nasal direita, e por isso estava afastada dos palcos por recomendação médica. A cirurgia ocorreu em setembro, após uma apresentação no festival de música Coala, realizado na capital paulista. Ela não voltou a se apresentar depois, mas tinha turnê agendada para dezembro e janeiro.

Maria da Graça Costa Penna Burgos, ou Gal Costa, nasceu em 26 de setembro de 1945 em Salvador, Bahia. Cantora, compositora e multi-instrumentista criou uma carreira renomada e de prestígio. Foi eleita como a sétima maior voz da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil em 2012. Era filha de Mariah Costa Penna, sua grande incentivadora, e de Arnaldo Burgos, ambos também já falecidos. Sua mãe contava que, durante a gravidez, passava horas ouvindo música clássica, como num ritual. Sua intenção foi influenciar a gestação, para que o bebê que estava por nascer se tornasse, de alguma forma, uma pessoa musical. Sem dúvida, o processo valeu a pena.

Gal Costa despontou como uma das vozes mais relevantes da música popular brasileira desde que começou a cantar, na década de 1960. Na adolescência, a baiana integrou o grupo “Doces Bárbaros”, junto com seus conterrâneos Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil. Gal fez parte do movimento Tropicalista, quando participou do álbum “Tropicália ou Panis et Circensis”. Em 1971, ela fez parte do espetáculo “Fa-Tal”, que também se tornou um álbum reverenciado na música brasileira.

Já na década de 1980, sua voz deu vida a temas de novelas, e suas gravações em parceria com diversos artistas alcançaram grande sucesso. Foi nesse período que Gal Costa abraçou mais causas sociais, utilizando a música para trazer visibilidade para problemas como a seca no Nordeste, por exemplo.

Herdeira da Bossa Nova

Para a professora Tânia Costa Garcia, especialista em história, música e cultura popular do câmpus da Unesp em Franca, Gal é sem dúvida a maior cantora da moderna música popular brasileira. “Formada dentro do movimento Tropicalista, e herdeira, como todo esse grupo, das inovações da Bossa Nova. Sua voz representou em seus discos tanto o legado das cantoras do rádio como as inovações da Bossa Nova. Gal é uma intérprete a altura das maiores do século 20, como Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Nina Simone”, diz Tânia. “A versatilidade de Gal Costa é rara de se ver. Com absoluta maestria, ela é romântica, rebelde, alegre e emocionada. Sua performance, permitida justamente pelo alcance da sua voz, tem um equilíbrio impar entre técnica e emoção que soa de forma absolutamente natural e espontânea. Afinadíssima, a voz de Gal é inconfundível. Foi e continuará sendo inspiradora para muitas cantoras do Brasil. Gal é sem dúvida a maior cantora da moderna música popular brasileira”, acrescenta a historiadora da Unesp.

Vale sinalizar que suas criações sempre foram feitas em co-participação com artistas de grande relevância, ou visaram lançar novos nomes. Sempre inovadora, em seus trabalhos mais recentes Gal se arriscou até a incluir sons eletrônicos como meio para atualizar sua obra, como fez no álbum “Recanto”, de 2011, que foi aclamado pela crítica.  Em 2019, lançou o elogiado show “A Pele do Futuro”, com direção musical de Pupillo e direção geral de Marcus Preto, que virou um CD duplo e DVD. “Gal sempre teve esse viés de gravar grandes compositores e apresentar novos nomes. Além de muitas canções de Caetano Veloso, ela gravou e lançou artistas como Zeca Baleiro e Luis Melodia antes que eles integrassem o mainstream”.

Gal viveu no Rio de Janeiro desde a década de 60, e voltou a morar em Salvador no fim dos anos 1980. Em 2014, mudou-se com o filho para São Paulo onde permaneceu discretamente até o fim da vida. Antes de falecer, a artista estava com a vida profissional agitada, tocando a turnê “As várias pontas de uma estrela”, na qual interpretava grandes sucessos da MPB dos anos 1980. Ela também se programava para novos shows na Europa.

Para Tânia, “o grande legado de Gal é sua coragem política, ao lado de seu compromisso com a arte”. “Ela nunca deixou de se posicionar politicamente, contestando nos últimos tempos em seus shows o desmonte da cultura e a condução do país pela extrema direita. Ela sempre foi uma feminista, não exatamente como militante do feminismo, mas pela sua forma libertaria de vivenciar sua condição feminina, opondo-se aos valores conservadores e à censura. Gal fez valer os dois maiores sentidos da arte: a beleza e a subversão. Salve, Gal Costa!”.

Para ouvir a íntegra da entrevista ao PodMPB, clique abaixo.