Orikí , o novo álbum de Iara Rennó, é indicado ao Grammy Latino

Referência na música independente brasileira, a artista usa sonoridade afrobrasileira para exaltar a cultura dos orixás.

Autora de uma obra que combina poesia, música, cinema, literatura, teatro e performance, Iara Rennó é um corpo em alta voltagem. Transita do acústico ao eletrônico, do experimental à canção, em uma produção musical intensa e diversa que não pode ser resumida a um só estilo ou a uma única voz. É na pluralidade que Iara afirma sua singularidade. Nesse caminho, versa sobre a força e a liberdade feminina, reverenciando culturas de povos originários e expressando uma arte decolonial e afrodiaspórica.

            Nascida e criada em uma família de artistas, a família Espíndola, a multiartista começou a cantar ao lado de sua mãe, Alzira E, e foi vocalista na banda do mestre experimental Itamar Assumpção por três anos. Compositora prolífica, Iara tem mais de cem músicas gravadas por grandes nomes da música brasileira como Elza Soares, Ney Matogrosso, Gaby Amarantos, Jaloo, Ava Rocha, Virgínia Rodrigues e Lia de Itamaracá, e trabalhou em colaboração com artistas internacionais como Quantic, Anita Tijoux e Projeto Compass, entre outros.

“Cresci rodeada de músicos e comecei a cantar em shows com a minha mãe. Mas eu ainda não tinha a pretensão de ter uma carreira como cantora, compositora e tal. Pensava em ser atriz, achava que seria mais fácil (risos). Entretanto, a experiência que tive na banda do Itamar Assumpção entre 2000 e 2003 foi muito enriquecedora. Aprendi muito sobre o palco e a música de forma geral “, conta. “O meu primeiro projeto autoral foi a DonaZica, banda onde atuei ao lado de Andreia Dias e Anelis Assumpção e que lançou os álbuns Composição e Filme Brasileiro, de 2003 e 2005. Posteriormente, em 2008, lancei meu primeiro álbum solo, Macunaíma Ópera Tupi, o qual recebeu um excelente feedback e que abriu o caminho para outros trabalhos autorais na sequência”, conta.

Agora Iara apresenta seu oitavo álbum, o aguardado e já antológico Oríkì. Lançado no final do primeiro semestre, o disco foi recém-indicado para o Grammy Latino, a maior premiação da América Latina. O trabalho tem como mote uma exaltação à cultura dos orixás, moldada em uma sonoridade afrobrasileira única. A obra é fruto de cerca de quatorze anos de pesquisa, criação e produção. As treze faixas são dedicadas aos orixás mais populares no Brasil e foram compostas a partir de transcrições de oriki milenares da tradição nagô. As músicas contam com participações de Tulipa Ruiz, Anelis Assumpção, Lucas Santtana, Curumin, Criolo, Carlinhos Brown, Rob Mazurek e Thalma de Freitas como intérpretes, além de Kiko Dinucci, Simone Sou, Marcelo Jeneci e Maurício Badé, entre outros, como instrumentistas.

“O estalo para a concepção do álbum veio do livro ‘Oriki Orixá’, do antropólogo e ensaísta Antonio Risério, em que o autor faz versões com a ajuda do material que vem da tradição oral da cultura Ioruba. Esses oriki são poemas de saudação ao espírito, à cabeça e ao destino. Mas esses oriki vão além dos orixás: podem ser sobre uma pessoa, uma cidade uma família. Trata-se de um poema de saudação”, relata.

A indicação ao Grammy Latino não foi à toa. Orikí traz uma linguagem moderna, mas com as raízes do candomblé, que combina tambores tradicionais e instrumentação jazzística e pop, construindo uma ponte por meio de tempos e camadas sinestésicas. O naipe de metais (formado por trombone, trompete e sax) complementa as canções de forma requintada e deixa a sonoridade ainda mais aprazível, estabelecendo uma liga muito interessante entre as faixas e uma identidade para o trabalho como um todo.

Com direção artística e produção musical da própria Iara, Orikí traz, além dos tambores tradicionais, uma instrumentação elétrica diversificada e uma narrativa específica, que é própria dos oriki para descrever os deuses africanos. “Creio que há uma atmosfera de mistério que aguça a percepção do ouvinte a sentir por meio do ritmo e da descrição de atributos qual orixá é celebrado pela música, já que na maioria delas o nome da entidade invocada não é citado”.

Já sobre a indicação ao Grammy, Iara entende que seja um reconhecimento importante da sua história. “A estrada da música independente é muito difícil, é um trabalho diário. Tratamos de cultura, mas o mercado da música brasileira é restrito. Então para uma mulher não branca, nessa sociedade e nesse contexto, colocar a própria voz para o mundo é algo muito importante.  Quando se conquista um espaço assim ele não é só meu, abre-se um caminho para outras pessoas. Esse é meu oitavo álbum, então uma premiação desse tipo pode fazer com que as pessoas saibam que existe uma tal de Iara Rennó fazendo um bom trabalho cultural.”

Ouça abaixo a íntegra da entrevista ao Podcast Unesp.

Foto acima: Cai Ramalho.