Nobel de Medicina premia pesquisas que deram origem ao campo do estudo genético da pré-história humana

O sueco Svante Pääbo foi anunciado como vencedor da láurea em 2022 por seu trabalho pioneiro no sequenciamento do genoma do Homem de Neandertal e na demonstração de que o DNA dos humanos modernos carrega herança genética de hominídeos já extintos.

Nesta segunda-feira (3), a Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska, da Suécia, anunciou que o geneticista sueco Svante Pääbo é o laureado do Prêmio Nobel de Medicina de 2022. O pesquisador, fundador do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, recebeu o valor de 10 milhões de coroas suecas (aproximadamente 4,8 milhões de reais) por suas “descobertas sobre os genomas de hominídeos extintos e a evolução humana”.

“A humanidade sempre foi intrigada por suas origens. De onde viemos e como estamos nos relacionamos com aqueles que vieram antes de nós? O que nos torna Homo sapiens, diferente de outros hominídeos?”  Estes questionamentos apresentados no texto de anúncio da premiação, divulgado pela assembleia do Nobel, traduzem as perguntas que o sueco buscou responder ao longo de toda sua carreira científica. Pääbo deu um passo a mais no caminho para encontrar essas respostas ao conseguir sequenciar, pela primeira vez, o genoma de um neandertal, uma espécie ancestral extinta com a qual o Homo sapiens conviveu.

Ao combinarem a paleoantropologia com a genética para traçar a evolução humana e diferenciar os Homo sapiens de outros hominídeos, as pesquisas de Pääbo deram origem a um ramo científico completamente novo: a paleogenética. “Ao revelar diferenças genéticas que distinguem todos os humanos vivos de hominídeos extintos, suas descobertas fornecem a base para explorar o que nos torna exclusivamente humanos”, comenta a Assembleia do Nobel em sua divulgação.

O professor de biologia evolutiva da Unesp, Danillo Pinhal, do Departamento de Ciências Químicas e Biológicas do Instituto de Biociências, campus de Botucatu, comenta que a paleogenética surgiu a partir da fusão de três áreas de pesquisa. A primeira, é o campo da genômica comparativa, no qual ocorre um estudo amplo e comparativo do conteúdo do DNA de uma espécie. Em seguida, está a área de genômica evolutiva, explorando o contexto histórico e analisando o impacto das variantes genéticas na sobrevivência e reprodução de seus portadores. Por fim, está o campo de pesquisa da paleontologia, ao estudar os fósseis e propor hipóteses sobre a vida no passado da Terra.

Svante Pääbo, fundador e pesquisador do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha. © Frank Vinken

“Os estudos de Pääbo demonstraram que nossa espécie Homo sapiens, há milhares de anos, copulou com outras espécies de hominídeos, como neandertais e denisovanos, gerando descendentes que originaram as populações atuais do homem moderno. Além disso, mostraram que as populações atuais carregam, em seu DNA, traços do genoma ‘arcaico’, herdado dessas espécies ancestrais”, destaca Pinhal.

Nessa linha, as pesquisas de Pääbo apontaram que a transferência de genes dos hominídeos extintos para os Homo sapiens ocorreu após a migração para fora da África, há aproximadamente 70 mil anos. Ao que tudo indica, essa transferência de genes para os humanos modernos tem implicações ainda hoje, por exemplo, impactando na maneira como nosso sistema imunológico reage a infecções.

A história da evolução contida no DNA

Apesar dos indicativos de que sapiens e neandertais coexistiram por aproximadamente 10 mil anos na região da Eurásia, ainda sabe-se pouco sobre a interação entre essas duas espécies. Uma das dificuldades para aprendermos mais sobre essas relações é a complexidade de sequenciamento genético do DNA de espécies extintas.

O DNA está localizado em duas partes da célula: a maior parte da informação genética está contida em seu núcleo, enquanto que outra parte é encontrada nas mitocôndrias, onde estão armazenadas milhares de cópias de “pacotes” menores do genoma. A dificuldade técnica para estudar o DNA de espécies ancestrais é que, após a morte, o DNA começa a se decompor e o pouco que resta é contaminado por bactérias e outros componentes do ambiente.

Embora o DNA nuclear contenha a maior quantidade da informação genética, o genoma mitocondrial está presente em milhares de cópias, o que aumenta as chances de obter informações genéticas, mesmo após milhares de anos. Ao focar nessas cópias, em 1990, Pääbo publicou um estudo no qual ele, e colaboradores, foram capazes de sequenciar uma região do DNA mitocondrial de um pedaço de osso de aproximadamente 40.000 anos. Assim, pela primeira vez, foi possível obter parte do sequenciamento genético de um neandertal.

Nas décadas seguintes, Pääbo, juntamente com colaboradores, empreenderam a missão para conseguir sequenciar o DNA localizado no núcleo das células de restos de ossos. Em 2010, os esforços foram recompensados e Pääbo publicou o primeiro sequenciamento genético completo de um neandertal.

“Esse estudo também revelou uma série de mutações genéticas únicas do homem moderno em relação aos neandertais, com impacto benéfico na fisiologia, desenvolvimento do cérebro, pele e ossos. Estas mutações foram identificadas como distribuídas em regiões do nosso genoma sob forte pressão de seleção e associadas à adaptação. Ou seja, as mutações no nosso DNA englobam variantes mutacionais que surgiram especificamente no genoma do Homo sapiens, mas não no genoma neandertal”, explica Pinhal.

Este passo permitiu que novos estudos se aprofundassem na compreensão das relações dos humanos modernos com os neandertais, e foi por esse caminho que o pesquisador sueco seguiu. Ao comparar sequências de DNA de neandertais com a de Homo sapiens, um dos resultados obtidos foi que em humanos modernos, com descendência europeia ou asiática, aproximadamente 1-4% do genoma é originário dos neandertais. Isso significa que neandertais e Homo sapiens tiveram cruzamentos durante seus milênios de convivência.

A descoberta de um novo ancestral

Em 2008, as contribuições do grupo de pesquisa de Pääbo apresentaram outro resultado surpreendente. Ao analisar um fragmento de osso de um dedo, de 40 mil anos, a sequência de DNA não era equivalente a nenhuma das sequências conhecidas de neandertais e de Homo sapiens.

O mapa mostra as regiões nas quais os Homo sapiens se relacionaram com as espécies de neandertais e de denisovanos, ao sair do continente africano. Crédito: © The Nobel Committee for Physiology or Medicine. Mattias Karlén

Pääbo, então, descobriu uma nova espécie de hominídeo, que recebeu o nome de Denisova, em homenagem à caverna de mesmo nome localizada na Sibéria, onde o osso foi encontrado. Comparações com sequências genéticas de humanos de diferentes regiões do mundo mostraram que também houve um fluxo genético entre os denisovanos e o Homo sapiens. Esta relação foi vista pela primeira vez em populações da Oceania, e em outras partes do Sudeste Asiático, onde humanos modernos chegavam a portar até 6% do DNA de denisovanos.

“As descobertas de Pääbo foram seminais para entendermos quando ocorreu o encontro entre diferentes espécies de hominídeos no passado, e o quanto ele impactou – e ainda afeta – nossa história de vida”, conclui Pinhal.

Imagem acima: Crédito:  Ill. Niklas Elmehed © Nobel Prize Outreach

Séries Jornal da Unesp

Este artigo pertente à série Nobel do Jornal Unesp. Conheça a trajetória científica e as pesquisas dos laureados com o prêmio Nobel nas categorias fisiologia ou medicina, física, química, economia, literatura e da paz a partir do ano de 2022.

Veja mais artigos desta série Conheça mais séries