Helena Gabriela Henrique do Nascimento é uma jovem de apenas 19 anos e tímida autodeclarada, mas os desafios que enfrentou para realizar o sonho de ingressar na universidade pública, e a estratégia que adotou para superá-los, já lhe valeram aparições em veículos de notícias e impactaram positivamente a pequena cidade de São Miguel Arcanjo, de 34 mil habitantes, onde ela nasceu e cresceu junto com o irmão gêmeo, a mãe costureira e o pai aposentado. Seu planejamento para conquistar a cobiçada vaga no curso de engenharia ambiental no Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp, câmpus de Sorocaba, envolveu elementos de sustentabilidade, amor à leitura, empreendedorismo e valorização da educação, que atraíram o apoio de estudantes, professores e moradores, e de quebra estão ajudando a desenhar seus caminhos profissionais no futuro.
Aos 16 anos, quando ainda cursava o segundo ano do ensino médio na escola pública em São Miguel, Helena já havia decidido tornar-se a primeira pessoa da família a ingressar numa instituição de ensino superior, e começou a pesquisar suas opções. A opção pela área ambiental brotou de suas afinidades com a temática da sustentabilidade, que a levaram inclusive a adotar a dieta vegetariana, cinco anos atrás. A condição financeira de seus pais limitava suas escolhas ao universo altamente concorrido das universidades públicas, mas Helena avaliou que dificilmente conseguiria ser aprovada nos exames de ingresso se freqüentasse apenas as aulas do ensino médio. Os cursinhos da cidade eram pagos; se quisesse ter acesso a uma preparação adequada para o Enem e os vestibulares, ela precisaria trabalhar. “Vi que nas faculdades públicas a maioria das pessoas tinha uma condição melhor do que a minha. Queria fazer alguma coisa para me aproximar delas”, disse.
Por seu interesse pela temática da reciclagem, e inspirada no relato de outra estudante, decidiu abrir um sebo virtual, com foco em obras de literatura. “Gostava da ideia de não descartar algo que já li, mas passar para frente e dar a chance a outra pessoa de ter acesso àquele conteúdo”, conta. Frequentadora das bibliotecas de sua escola e da cidade, Helena era uma leitora ávida de literatura, embora seus pais demonstrassem pouco interesse pelos livros. Ela reuniu os livros que tinha em casa, criou um perfil no instagram e assim nascia em 2020 o Sebo Literário SMA. A sigla SMA já reforçava sua opção por atender apenas a população são-miguelense, oferecendo inclusive entregas sem custo nenhum.
No primeiro post no novo perfil, a estudante contou do projeto de vender livros para gerar renda a fim de pagar o cursinho, mirando a aprovação na universidade. O boca a boca do mundo digital fez com que sua história se espalhasse. Em sua escola, alunos e professores se dispuseram a apoiá-la tanto por meio de doações de livros para serem vendidos quanto se tornando clientes – afinal, não havia nenhum sebo literário na cidade até então, real ou virtual.
O novo negócio mexeu com a vida da família. O pai se ofereceu para fazer as entregas. A estudante estabeleceu horários fixos para tocar o sebo e fazer postagens no instagram, anunciando as novas obras disponíveis, a fim de preservar parte do tempo para os estudos. Aos poucos, por meio do Instagram, a população de São Miguel foi aumentando o número de contatos, para fazer pedidos, mas também para conversar sobre literatura e pedir indicações a fim de desenvolver o hábito da leitura. E o pai, até então pouco afeito aos livros, foi um dos que ganharam intimidade com o tema. “Depois que criei o sebo meu pai passou a ficar a maior parte do tempo na sala dos livros. Isso o ajudou a criar o hábito de leitura e hoje é a pessoa que mais lê na família”, diz Helena.
Experiência com a docência em cursinho da Unesp
A aventura de Helena em sua carreira dupla de estudante e microempresária virou notícia em site e foi citada até na TV local. O sebo também pulou do virtual para o real, ganhando espaço para vendas em um centro cultural da cidade, e marcando presença em festivais e feiras nas redondezas da cidade, que faz parte da região metropolitana de Sorocaba, a 180 km de São Paulo. Nestes três anos, apesar da pandemia, cerca de mil livros já foram vendidos pelo Sebo Literário SMA. “Após as reportagens, muitas pessoas vieram me ajudar com doações. Assim consegui pagar o cursinho e ingressar na faculdade”, diz.
Mas a chegada aos bancos universitários da Unesp – ela também havia sido aprovada na Universidade Federal de São Carlos, mas declinou – não foi o fim da história. Hoje residindo em Sorocaba, Helena fortaleceu ainda mais sua ligação com o universo da palavra escrita e se tornou professora voluntária de redação no Gera Bixo, o cursinho gratuito mantido pela Unesp destinado a alunos de baixa renda. A experiência da docência está fazendo Helena começar a considerar novos planos profissionais, mirando uma carreira de professora universitária. Enquanto isso, conta com os auxílios de permanência para poder cursar as aulas no período integral, e pensa numa forma de trazer o Sebo Literário SMA literatura para a nova cidade. “Pretendo continuar com o sebo porque ele não ajuda só a mim, mas também a levar a leitura para outras pessoas”, diz.