Às vésperas de iniciar nova fase de funcionamento, mais potente acelerador de partículas do mundo celebra 10 anos de descoberta do Bóson de Higgs

Em São Paulo, o SPRACE participou das comemorações com evento que trouxe depoimentos e memórias de físicos brasileiros que colaboraram com a mais impactante pesquisa dos últimos 50 anos no campo da física de partículas.

Os dez anos da descoberta da partícula conhecida como Bóson de Higgs, anunciada no dia 4 de julho de 2012, foram comemorados hoje em cerimônia realizada no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), localizado na cidade de Meyrin, na Suíça. É no CERN que funciona o Large Hadron Collider (LHC), o mais potente acelerador de partículas do mundo, que é operado através de uma cooperação internacional de cientistas. Durante o dia, o auditório principal do CERN sediou 19 palestras que procuraram esquadrinhar todo o contexto e o significado da descoberta, considerada como a mais importante no campo da física de partículas nos últimos 50 anos. Entre os participantes estava o próprio físico teórico britânico Peter Higgs, 93, que participou por via remota, cujas ideias foram fundamentais para que os físicos experimentais pudessem procurar os sinais de existência de uma partícula ainda desconhecida. Higgs ganhou o Prêmio Nobel de Física de 2013.

Peter Higgs, durante a conferência no CERN.

Aqui no Brasil, o centro de pesquisas SPRACE, que integra o grupo internacional de instituições associadas ao CERN, participou da comemoração, transmitindo por videoconferência parte da programação do CERN e apresentando duas palestras em português sobre o tema, ministradas por físicos que colaboraram nas pesquisas.

Sergio Novaes, professor titular da Unesp e líder do Sprace, abordou a história não contada da busca pela partícula.  Em sua palestra, ele procurou desmontar a versão de que a caçada ao Higgs fosse vista como algo fadado ao sucesso desde o princípio, como se fosse apenas uma questão de construir um acelerador de partículas potente o bastante para que os físicos experimentais comprovassem sua existência. Aliás, grandes nomes da física, como o célebre norte-americano Richard Feynman, também ele ganhador do Nobel, chegaram a manifestar sua descrença nas ideias do britânico.  “Ninguém tinha certeza se a partícula realmente existia. Havia muitas dúvidas com relação às ideias propostas pelos físicos teóricos, elas causavam muita estranheza. Não se sabia se a partícula realmente seria encontrada”, disse Novaes.

Pedro Mercadante, professor da Universidade Federal do ABC, e que integra uma das colaborações de detetores do LHC cujos dados revelam a existência do Bóson de Higgs, descreveu os avanços que foram feitos na matéria ao longo da última década. Ele contou que estava trabalhando no CERN exatamente um ano antes que a descoberta fosse anunciada e que, à época, não havia qualquer sinal apontando para sua existência concreta. “Chegou-se a discutir quais dados poderiam ser considerados como indícios de que o Higgs não existia, no fim das contas. Mas isso gerava um leve pânico, pois se ele não existisse, não havia outras ideias que pudessem ser propostas imediatamente”, conta.

Quando finalmente foi feito o anúncio da descoberta, que coincidiu com a divulgação dos artigos científicos detalhando os resultados, os líderes da pesquisa optaram por uma saída prudente. Os artigos usavam termos genéricos tais como “observação de uma nova partícula na busca pelo Higgs” e “um novo bóson H125”. O “125“se refere a valor de 125 gigaeletronvolts, a massa observada da partícula. O cuidado se justificava pois, afinal, ainda havia a possibilidade de que se tratasse de uma partícula diferente das previsões teóricas e totalmente desconhecida. “Mas desde o anúncio, refinamos muito as observações e hoje temos bastante confiança de que efetivamente essa partícula corresponde às previsões sobre o Higgs. E vamos continuar refinando os dados pelos próximos anos”, contou Mercadante.

Após passar mais de três anos fechado para obras, o LHC volta a operar amanhã, dando início a uma nova etapa em suas atividades conhecida como R3, ou “terceira corrida”. Durante o período, tanto o acelerador quanto os detectores que nele operam passaram por reformas e por upgrades, e ele está retomando as atividades com capacidade de gerar colisões a energias nunca vistas antes na história, na faixa dos 13,6 trilhões de eletronvolts (TeV), ou 5,8 TEV para cada feixe, em contraste com os 13 TeV em que operava anteriormente. Segundo as informações divulgadas pelo CERN, as modificações possibilitarão que alguns detectores apresentem um aumento de até 100% na quantidade de dados coletados. “Isso vai nos proporcionar mais precisão nas medições, do ponto de vista estatístico”, diz Novaes. “Mas não implica uma mudança de direção. O LHC tem uma agenda definida de pesquisa que vai até 2040”, explica.

Imagem acima: o acelerador LHC, localizado no CERN, na Suíça. Crédito: CERN.